Uma coalizão de mídia formada na Coreia do Sul para influenciar mudanças nas leis de imprensa do país decidiu contestar na Corte Constitucional a pena aplicada ao fotógrafo freelance Jang Jin-young, condenado a pagar 5 milhões de won coreanos (R$ 18,9 mil) por ter viajado para documentar a guerra na Ucrânia sem autorização oficial.
Segundo a Federação Internacional de Jornalistas, o país é o único a manter um sistema de permissão para reportagens em áreas de conflito, a chamada Lei do Passaporte, de 2007. Por meio dela, só podem viajar para zonas de guerra profissionais autorizados pelo governo.
A Coalizão do Povo pela Reforma da Mídia condena o cerceamento da liberdade de imprensa por meio da imposição de licenças, argumentando que a Constituição sul-coreana proíbe qualquer sistema de permissão para jornalistas ou veículos de mídia.
Poucos jornalistas coreanos autorizados a cobrir guerra da Ucrânia
Atualmente, os países para os quais as viagens de jornalistas dependem de autorização do governo da Coreia do Sul sob a Lei de Passaporte são Iraque, Somália, Afeganistão, Iêmen, Síria, Líbia e Ucrânia.
Os requerentes devem formalizar detalhes sobre a cobertura planejada, como dias, profissionais envolvidos e rotas, o que muitas vezes coloca em risco a segurança, na avaliação da South Korean Press Foundation.
Em um documento anunciando a contestação judicial da multa ao fotógrafo pelo seu trabalho na guerra da Ucrânia, a coalizão explicou que, com base na Lei do Passaporte, o Ministério das Relações Exteriores permitiu viagens de poucos jornalistas, com a condição de pertencerem a uma empresa de mídia, e em condições restritivas, incluindo o limite de três dias de permanência.
Enquanto isso, a mídia ocidental já estava na Ucrânia em peso, com mais de 1 mil profissionais alocados.
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“Devido às restrições na cobertura de campo, os coreanos do sul não têm escolha a não ser olhar para a guerra pela perspectiva da mídia estrangeira, não da Coreia”, diz o texto da coalizão.
Mesmo profissionais de empresas de mídia que conseguiram viajar reclamaram das condições.
O repórter da Korean Broadcasting System (KBS) Yoo Won-joong, disse que mal conseguiu cobrir a guerra da Ucrânia porque estava preocupado em cumprir as exigências do Ministério das Relações Exteriores.
Fotógrafo viajou para a Polônia para documentar o conflito na Ucrânia
No caso dos freelancers, a autorização não é concedida. Diante da barreira, o fotógrafo Jang Jin-young, que já cobriu outros conflitos internacionais como as manifestações pró-democracia em Hong Kong, viajou para a Polônia, e de cruzou a fronteira para documentar o sofrimento da população da Ucrânia durante duas semanas.
Seus trabalhos foram publicados em importantes meios de comunicação coreanos como SisaIN e Workers.
Em abril de 2022, o governo determinou a abertura de uma investigação contra o fotógrafo por violar o artigo 17(1) do Ato do Passaporte da Coreia do Sul, válido para países onde a guerra ocorreu ou está ocorrendo (caso da Ucrânia) e com a previsão de exceções para coberturas.
No entanto, a exceção não foi aplicada. Em março deste ano, Jang Jin-young foi multado.
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Constituição violada
“O uso da Lei de Passaporte, que viola a constituição da República da Coreia, restringe os direitos dos repórteres locais de viajarem até áreas de conflito para conduzir seus trabalhos, com cidadãos da Coreia do Sul sendo forçados a depender da cobertura estrangeira de guerras e conflitos”, criticou a Federação Internacional de Jornalistas.
“Nós apoiamos e endossamos as ações da Coalizão do Povo pela Reforma da Mídia e juntamos nossas forças a eles.”
A Coreia do Sul ocupa a 47ª posição no Global Press Freedom Index, índice da Repórteres Sem Fronteiras que mede a liberdade de imprensa em 180 países.
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