Londres – Criatura  que se rebelou contra o criador em um momento crítico da invasão da Ucrânia pela Rússia, o dono do grupo de mercenários Wagner, Yevgeny Prigozhin, também vinha sendo braço de Vladimir Putin em outra guerra: a das fake news e desinformação

Os tentáculos do líder do exército de mercenários que agora é caçado por ter se rebelado contra Moscou se estendem por vários países, alvos de redes de influência para disseminar narrativas falsas e alimentar o sentimento pró-Rússia.

Isso inclui operações de desinformação e propaganda política nas redes sociais que interferiram em eleições de países do Ocidente, como EUA, Reino Unido e nações da Europa. 

No comando de tudo está Yevgeny Prigozhin, 62 anos, que em 2014 criou a organização de mercenários depois de se tornar próximo do presidente da Rússia e chegar a ser conhecido como o “chef” do Kremlin. 

Ele entrou no mundo dos negócios vendendo cachorro-quente, após cumprir nove anos de prisão por roubo.Com talento empreendedor, criou um império de restaurantes, lojas de conveniência e serviços de catering usados pelo Kremlin – daí o apelido. 

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Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin em visita à empresa de catering do empresário (Foto: Federação Russa via Wikimedia Commons)

Em 2014, Prigozhin fundou o grupo Wagner, passando a recrutar e treinar mercenários para reforçar o exército russo e fazer missões marcadas por violência. 

Ao mesmo tempo, o ex-aliado de Putin iniciava seu exército da desinformação, usando táticas de guerrilha nas redes sociais, que domina com maestria, em escala industrial. 

Grupo Wagner e a desinformação da Rússia

Em julho, o governo americano ofereceu US$ 10 milhões por informações sobre o esquema de influencia nas eleições. Ele se tornou procurado pelo FBI. 

Embora Prigozhin tenha por muito tempo negado liderança na desinformação, depois da guerra da Rússia com a Ucrânia, em que virou celebridade poderosa, ele mudou de postura.

Em novembro do ano passado, o fundador do grupo Wagner admitiu em postagens em redes sociais de sua empresa de catering que havia interferido nas eleições dos EUA em 2016; que continuava interferindo no país e que continuaria a fazê-lo, “com precisão, cirurgicamente, como sabemos fazer”

Em fevereiro deste ano, ele confirmou ter sido o criador da  Internet Research Agency (IRA), uma operação de produção de fake news que motivou a sanção dos EUA, em um comunicado no Telegram: 

“Nunca fui apenas o financiador da Internet Research Agency. Eu inventei, criei e a gerenciei por muito tempo. 

Ela foi fundada para proteger o espaço de informação russo da propaganda grosseira e agressiva da narrativa anti-russa do Ocidente”.

Em um perfil do empresário apontado em 2022 como “Pessoa do Ano em Corrupção“, o projeto de jornalismo investigativo internacional Organized Crime and Corruption Project (OCCRP) destaca a  fábrica de trolls como braço de Vladimir Putin. 

“Sua chamada “Agência de Pesquisa da Internet”, que empregava trolls baratos para espalhar desinformação e propaganda, tornou-se famosa por suas tentativas de interferir na política dos EUA.

A partir dali, Prigozhin deixou de ser apenas mais um homem que enriquecera sob o regime de Putin. Ele havia se tornado um de seus instrumentos. E em pouco tempo, seu exército consistia em mais do que apenas trolls.”

Wagner na guerra da Ucrânia 

O fundador do grupo Wagner não age apenas nas sombras. Na invasão da Ucrânia pela Rússia, ele usou a mídia digital para exibir seu poder e construir a imagem de peça fundamental no esquema militar de Vladimir Putin. 

Prigozhin apareceu em uma série de vídeos em prisões russas, exortando os condenados a ganhar sua liberdade lutando pelo Wagner.

Mas especialistas dizem que esses recrutas muitas vezes acabam como buchas de canhão – e aqueles que se recusam a lutar “podem ter um fim terrível”, disse o OCCRP. 

Enquanto a guerra se desenrolava na Ucrânia, a desinformação continuou avançando nas redes sociais.

Diversas plataformas, como o TikTok, anunciaram a derrubada de redes de desinformação  associadas à Rússia, que provavelmente têm o envolvimento do Grupo Wagner. 

A mais recente foi uma operação que simulava sites de veículos de imprensa e até do governo francês. 

Wagner e a influência da Rússia na África

A ação de desinformação do grupo Wagner é voltada também para a África, região com vários países apoiados pela Rússia 

O Wagner alocou tropas e lutou ao lado de governos africanos para reprimir opositores e movimentos de guerra civil, ao mesmo tempo em que passou a comandar redes de influência para desinformação e fake news que alimentam o sentimento anti-colonialista. 

A influência Yevgeny Prigozhin na desinformação promovida pela Rússia fez com que o grupo Wagner merecesse um relatório feito pela organização Repórteres Sem Fronteiras documentando sua ação na África e o impacto sobre a liberdade de imprensa. 

“What It’s Like to Be a Journalist in the Sahel” ( Como é ser um jornalista em Sahel, em tradução livre) mostra em 40 páginas como o trabalho da imprensa tem sido prejudicado em uma região em que proliferam milícias armadas, governos autoritários e influência da Rússia.

A RSF denunciou a atuação do que chamou de “mercenários da informação” em países como o Mali, ex-colônia francesa. 

“A aproximação do governo com a Rússia é é acompanhada por uma retórica fundamentada no sentimento anti-francês, com referências às relações com “nossos parceiros russos”.

“Esta estratégia de comunicação, sobretudo nas redes sociais, deve-se muito à influência da empresa militar russa privada Wagner, que tem uma presença significativa no Mali desde 2020.”

Um estudo publicado pelo instituto de pesquisa militar francês IRSEM citado pela RSF analisou o “suporte de informação para a implantação do grupo Wagner no Mali”.

Eles o definem como “apoio de informação para a presença não oficial da Rússia, promovendo conteúdo favorável aos paramilitares de Wagner, endossando suas ações por meios midiáticos e culturais, estabelecendo ligações com potenciais apoiadores locais e, em maior escala, legitimando a cooperação entre a Rússia e Mali e desacreditando seus detratores.”

Putin x Prigozhin 

Depois de uma onda de rumores sobre desentendimentos entre o Kremlin e o grupo Wagner, a aliança entre Yevgeny Prigozhin e o regime de Vladimir Putin se rompeu de forma violenta. 

Na manhã de sábado, o presidente foi à TV para dizer que o ex-“chef” deu uma “facada pelas costas”. Ele foi acusado de traição e ameaça invadir Moscou para derrubar Putin. 

Ironicamente para quem admite comandar a guerra da desinformação em nome de Vladimir Putin, Yevgeny Prigozhin disse que Moscou “mentiu ao público” sobre o motivo da invasão da Ucrânia. 

Ele postou um vídeo em seu canal no Telegram, afirmando: 

“O Ministério da Defesa está tentando enganar o público e o presidente e espalhar a história de que houve níveis insanos de agressão do lado ucraniano e que eles iriam nos atacar junto com todo o bloco da Otan”. 

A “revelação” tardia torna ainda mais difícil encontrar a verdade no ambiente de fake news e desinformação que já havia na Rússia antes da guerra com a Ucrânia e se tornou ainda pior depois dela, com a providencial ajuda de Yevgeny Prigozhin.