No feriado nacional pelo Dia da Rússia, celebrado em 12 de junho, um grupo de veículos independentes de mídia russos resolveu desafiar o coro nacionalista da data e se reuniu em uma manifestação coletiva online em apoio aos presos políticos do país que se opõem à guerra da Ucrânia.

A maratona de notícias, intitulada “Você não está sozinho” (tradução livre), foi programada para durar o dia inteiro, contando com o apoio de diversos veículos reconhecidos no mundo por contestarem o regime de Vladimir Putin, como Meduza, Rain, Jellyfish, Mediazone, The Insider e Important Stories. Uma transmissão única está sendo feita pelo YouTube. 

A ação foi planejada para conscientizar sobre a repressão sofrida por opositores do conflito encarcerados em solo russo — de manifestantes anônimos a jornalistas e políticos — bem como angariar fundos para o apoio deles e de seus  familiares e demonstrar quem nem todos os russos são favoráveis à guerra. 

A data marca o aniversário do Primeiro Congresso dos Deputados do Povo, no qual foi adotada a Declaração de Soberania da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR), em 1990. No ano seguinte, a União Soviética chegou ao fim. 

Enquanto notícias apontam para conquistas da Ucrânia no front, o presidente russo, Vladimir Putin, marcou o dia nacional da Rússia em uma cerimônia em que seguiu apelando ao orgulho patriótico dos russos no que ele disse ser um “momento difícil” para o país.

Mas os resultados da maratona mostram que o patriotismo não é unânime. Segundo o Meduza, um dos participantes da iniciativa do grupo de mídias independentes, na primeira meia hora da transmissão mais de dois milhões de rublos foram arrecadados. 

Entre os que participaram de entrevistas na maratona estão o economista Sergei Guriev, o ator Alexander Filippenko, a cientista político Ekaterina Shulman, os jornalistas Sergei Smirnov, Masha Borzunova e Ilya Shepelin e pessoas ligadas ao presos político Alexei Navalny. 

A mensagem de vídeo de Yuri Shevchuk também foi exibida no ar:

“Eu apoio de todo o coração essa maratona. Muitos de nossos cidadãos que discordam do que está acontecendo não apenas sobrevivem, mas resistem de todas as maneiras possíveis, a começar pelo fato de conservarem seu senso de humanidade.”

20 mil presos na Rússia desde início da guerra 

A organização de direitos humanos ATS-Info contabiliza que desde o início da invasão, em 24 de fevereiro do ano passado, cerca de 20 mil pessoas foram “detidas em performances antiguerra”. 

“Muitas outras pessoas já foram condenadas pela sua posição antiguerra na Rússia”, declara o portal Meduza no anúncio do evento.

A instituição também cita sete mil das detenções como “ações administrativas” das autoridades locais para coibir críticas às ações do exército russo.

Dias após a invasão, o parlamento da Rússia aprovou uma lei que qualifica críticas e notícias negativas sobre ações do exército como “crime de guerra” — cujos infratores podem ser presos por 15 anos e pagar até 1,5 milhão de rublos.

Desde então, a cláusula contra “difamações” ao exército da Rússia já foi usada em 579 condenações e prisões por manifestações antiguerra — que vão desde notícias até mesmo a declarações públicas.

A pena pode se aplicar a contextos tão simples quanto chamar o conflito entre os dois países de “guerra” ou usar fontes fora dos comunicados oficiais.

Dentre as maiores punições, o Meduza cita a detenção do jornalista e político Vladmir Kara-Murzu, condenado a 25 anos de prisão por opiniões contra a guerra e críticas a Vladimir Putin. 

Políticos e manifestantes também foram presos na Rússia

Jornalistas locais e estrangeiros viraram alvo da repressão. O jornal de Dmitry Muratov, detentor de um prêmio Nobel da Paz, perdeu de vez a licença de mídia em fevereiro deste ano. 

O repórter americano Evan Gershkovich, do Wall Street Journal, continua preso na Rússia desde março sob acusação de espionagem.

A repressão aos que contestaram a invasão da Ucrânia pela Rússia não atingiu só o trabalho de jornalistas: Alexey Gorinov, conselheiro municipal de Moscou, recebeu pena de sete anos de prisão por se referir ao conflito como “guerra” durante uma reunião parlamentar.  

Nos mesmos termos, Ilya Yashin, político de oposição, foi condenado a oito anos e meio de prisão ao fazer uma transmissão ao vivo sobre o massacre de Bucha, em Kiev, na Ucrânia — evento que o Kremlin nega responsabilidade.

Estas punições não pouparam civis: o cidadão colombiano Alberto Enrique Giraldo Saray foi sentenciado a cinco anos e dois meses de prisão. O caso é controverso não só pela detenção, mas pelo histórico: Saray era apoiador da Rússia no conflito.

No levantamento World Press Freedom Index, da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o índice de liberdade de imprensa na Rússia em 2023 caiu da 155ª para a 165ª posição.