Londres – No mês em que se comemora o Dia Internacional dos Refugiados, um levantamento divulgado pela Repórteres Sem Fronteiras (RSF) aponta a Rússia, o Afeganistão, Mianmar e Hong Kong, este último por causa da repressão ali imposta pela China, como os campeões de jornalistas exilados.
A organização elaborou um mapa mostrando os principais fluxos seguidos pelos jornalistas exilados, mostrando que os países da Europa e da América do Norte são os que mais oferecem refúgio aos jornalistas ameaçados ou perseguidos. A Austrália também é mencionada, pelo apoio aos jornalistas obrigados a deixar Hong Kong.
Os motivos do exílio se devem não apenas a conflitos armados na Europa (Ucrânia), África (Sudão) e Oriente Médio (Síria), mas também à turbulência e à polarização política que têm alimentado a perseguição de jornalistas críticos e independentes.
Os campeões de jornalistas exilados
O levantamento, que leva em conta os últimos cinco anos, mostra que várias centenas de jornalistas russos fugiram de seu país, onde cobrir assuntos direta ou indiretamente relacionados à guerra na Ucrânia pode levar à prisão.
Muitos deles encontraram refúgio na vizinha Geórgia, países vizinhos do Báltico ou dentro da União Europeia, especialmente na Polônia, Alemanha e França.
Apesar de sua dispersão, a maioria dos meios de comunicação russos perseguidos tenta continuar operando a distância. Uma das situações mais inusitadas é a dos jornalistas do site de notícias Bumaga, que continuam a cobrir a região de São Petersburgo a partir de sete países diferentes.
Também centenas de jornalistas foram forçados a fugir do Afeganistão, que caiu sob o jugo do Talibã novamente em agosto de 2021, e de Mianmar, onde os militares retomaram o poder em um golpe em fevereiro de 2021.
E pelo menos 100 jornalistas tiveram que deixar Hong Kong para fugir da repressão implacável imposta pela China durante os últimos três anos no país, onde a adoção da lei de segurança nacional forçou jornais independentes como o Apple Daily a parar de operar.
O fundador do Apple Daily, Jimmy Lai, optou por não se exilar é tornou-se um dos cerca de dez jornalistas presos em Hong Kong. Isso mostra o tamanho da ameaça aos demais jornalistas independentes do país, que na maioria das vezes têm optado por fugir para a vizinha Taiwan, Grã-Bretanha (a antiga potência colonial) ou para a América do Norte.
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A dura vida dos jornalistas exilados
Na pressa de sair, a maioria dos jornalistas busca um refúgio inicial nos países vizinhos ou próximos, onde uma estadia de longo prazo não é uma opção devido às dificuldades políticas e econômicas ali encontradas.
Boa parte dos jornalistas afegãos exilados optaram por fugir com suas famílias para o vizinho Paquistão, vendo-o apenas como um país de trânsito.
Mas lá eles rapidamente se encontraram em uma situação ilegal, privados de autorização de residência e sem visto para trabalhar e assim atender às necessidades de suas famílias.
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Já os jornalistas exilados de Mianmar, cuja maioria foge para a Tailândia, têm sofrido frequentes ameaças de serem mandados de volta, apesar de seu país de origem já ser considerado o segundo maior carcereiro de jornalistas do mundo, perdendo apenas para a China.
A RSF ressalta que os jornalistas sírios inicialmente conseguiram fugir para a Turquia quando o país abriu suas fronteiras por motivos humanitários.
Além de muitas vezes terem sido confinados a campos de refugiados, agora vivem sob a ameaça de serem deportados de volta para a Síria, onde, como jornalistas, correm o risco de acabar nas prisões de Bashar al-Assad ou até mesmo na execução sumária.
O levantamento mostra que muitos jornalistas perseguidos em Burundi buscaram inicialmente refúgio em Ruanda, mas foram forçados a recorrer à Europa e aos Estados Unidos pelo crescente clima opressivo em seu primeiro país de refúgio.
A RSF destaca o caso de Florianne Irangabiye, uma jornalista burundiana que apresentou um programa de rádio crítico a partir de Ruanda e acabou recebendo uma sentença de dez anos de prisão quando fez uma breve viagem de volta ao Burundi para ver sua família.
A decisão de fugir para o exterior nem sempre é individual. A RSF destaca também o caso de todos os jornalistas do diário independente La Prensa, que fugiram da Nicarágua ao longo de julho de 2022 para escapar do crescente autoritarismo do governo de Daniel Ortega. A maioria deles foi para a vizinha Costa Rica, onde várias mídias exiladas estão agora baseadas.
A Espanha e os Estados Unidos também são países de refúgio para centenas de jornalistas venezuelanos, cubanos e centro-americanos.
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Países que acolhem e perseguem jornalistas
O estudo da RSF mostra que um mesmo país pode servir tanto de refúgio para alguns jornalistas como representar um perigo que empurram outros para a fuga.
O Egito é apontado como um exemplo. Apontado como um dos maiores carcereiros de jornalistas do mundo , o país é acusado de manter 20 jornalistas presos arbitrariamente.
Ao mesmo tempo, ofereceu refúgio para pelo menos 40 jornalistas sudaneses desde que duas facções militares começaram a lutar entre si no Sudão em meados de abril.
Outro exemplo citado é o da Ucrânia, evidenciando como um país de refúgio pode mudar e se tornar perigoso. Esse é o caso dos jornalistas bielorrussos que lá encontraram refúgio durante a repressão promovida pelo presidente Lukashenko após sua reeleição em agosto de 2020, e que dois anos depois se encontraram em um país em guerra.
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Jornalistas exilados não estão imunes às ameaças
A RSF alerta que o exílio não significa o fim das ameaças e do perigo. Muitos jornalistas exilados iranianos – especialmente os radicados no Reino Unido, onde vários proeminentes meios de comunicação iranianos montaram suas bases – foram submetidos a novos assédios e ameaças, principalmente durante a repressão do Irã aos protestos que se seguiram à morte em setembro de 2022 do estudante curdo Mahsa Amini durante custódia policial.
A pressão fez com que a Iran International TV fechasse temporariamente seus escritórios em Londres.
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Para amenizar a situação, a RSF participou do lançamento do JX Fund, que ajuda os jornalistas exilados a retomar o trabalho após fugir das zonas de guerra e conflito. Dos 363 subsídios financeiros que a RSF fez a jornalistas de 42 países desde o início de 2022, 70% foram para jornalistas exilados. E mais de 400 cartas foram fornecidas pela organização para apoiar pedidos de visto ou de asilo de jornalistas que fugiram de seus países.
O Secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, resume a gravidade da situação:
“Nossos esforços têm dois objetivos complementares: por um lado, em oposição à perseguição que leva os jornalistas a fugir; e, por outro, no apoio aos jornalistas exilados.
Apoiamos uma mobilização internacional em apoio à mídia exilada, cujo impacto vai além das fronteiras de seu país, em um momento de desafios globalizados para o fornecimento de notícias e de guerras de propaganda”.
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