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Em dois anos de Talibã, 88% dos jornais e 56% das TVs desapareceram no Afeganistão

Após tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão, mulheres sofrem restrições e se afastam do jornalismo

Apresentadora da TOLONews segue determinação do Tallbã de cobrir o rosto no ar (reprodução TOLONews YouTube)

Londres – Entre as várias crises enfrentadas pelo Afeganistão nos primeiros dois anos da volta do regime Talibã ao poder, em 15 de agosto de 2021, a da imprensa tem consequências que vão além da perda de empregos e riscos para os jornalistas, muitos deles obrigados a emigrar ou deixar a profissão. 

Como resultado da combinação de medo e crise econômica, dos 90 jornais impressos produzidos antes da tomada de Cabul pelo grupo fundamentalista islâmico, restam apenas 11. O número de emissoras de rádio caiu 32% e as de televisão 56%, segundo a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ). 

“A disponibilidade de notícias e informações no Afeganistão diminuiu drasticamente”, diz a IFJ em um relatório publicado nesta terça-feira fazendo um balanço da situação da liberdade de imprensa no país.

Nos dois anos de Talibã no controle, apenas 13% dos jornalistas são mulheres

O levantamento foi feito pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas Afegãos (ANJU). O número total de profissionais de imprensa empregados no país caiu para menos  de 40% do que havia em agosto de 2021. 

Antes da volta do Talibã ao poder, o Afeganistão desfrutava de um próspero cenário de mídia. As estatísticas revelam um total de 11.858 profissionais envolvidos em empreendimentos jornalísticos, incluindo 7.746 jornalistas e 4.112 funcionários de apoio. Dos jornalistas, 5.608 eram do sexo masculino e 2.138 eram mulheres. 

No entanto, após a ascensão do Talibã ao poder, esses números caíram drasticamente. Segundo o relatório, há hoje 4.600 profissionais de mídia, dos quais  2.964 jornalistas e 1.636 funcionários de apoio.

Os jornalistas do sexo masculino caiu para menos da metade (2.575), mas o número de jornalistas mulheres despencou ainda mais, para apenas 389, passando a representar apenas 13% do total. O número de funcionárias de apoio também diminuiu, para 710, espelhando os desafios enfrentados pelos profissionais da mídia, especialmente as mulheres, no novo cenário:

“Os jornalistas que continuam a trabalhar enfrentam as condições mais difíceis.

Desde que o Talibã assumiu, sete deles morreram, 14 ficaram feridos e 26 foram presos. Desafios legais, assédio e intimidação são comuns.”

Imprensa encolheu em dois anos de Talibã

Antes de agosto de 2021, quando o Talibã retomou o controle do país,  havia 160 canais de televisão, 311 estações de rádio, 90 jornais impressos e 26 agências de notícias.

Agora restam apenas 70 canais de televisão, o que representa queda de 56%. O número de estações de rádio diminuiu 32%, para 211.

A indústria de jornais impressos foi a que mais sofreu, restando apenas 11 jornais – uma queda alarmante de 88%.

O número de agências de notícias caiu 65%, para 9. “Essas porcentagens ressaltam os desafios enfrentados pelos meios de comunicação para manter suas operações em meio ao cenário político em constante mudança”, diz o levantamento. 

O novo relatório traz depoimentos de jornalistas sobre as dificuldades e ameaças. Mohammad Ismail Azar, da rede Sulu TV, relatou:

“Eu estava cobrindo o funeral de um renomado estudioso religioso que havia sido morto em um ataque suicida. Obedeci a todas as leis religiosas, mas sofri agressão física e intimidação na presença do público.

A violência foi infligida pelo Chefe de Informação e Cultura de Herat, junto com seus guardas”.

Não é um caso isolado. O presidente do Sindicato de Jornalistas, Ahmad Shoaib Fana, apontou que a censura e a autocensura tornaram-se desenfreadas, com os jornalistas “navegando no perigoso território do conteúdo permitido”, levando a uma deterioração da qualidade e da quantidade de informações compartilhadas com o público. 

Muitos jornalistas afegãos optaram pelo exílio

Fana destacou também a ida de jornalistas para o exílio. O Paquistão se transformou na principal rota de fuga, Mas os profissionais enfrentam dificuldades não só para obter os vistos para entrar no país como também para ali se sustentar. 

“Ameaças, intimidações e violência criaram uma atmosfera de medo e causaram um êxodo de jornalistas qualificados.

O acesso a informações imparciais diminuiu, deixando os cidadãos mal informados.”

“A ausência de estruturas legais exacerbou os desafios. Esforços colaborativos entre o Emirado Islâmico, a comunidade internacional e as organizações de apoio à mídia são essenciais para evitar o colapso da mídia no Afeganistão”, pede o dirigente sindical. 

Tim Dawson , secretário-geral adjunto da Federação Internacional de Jornalistas criticou  a “destruição de grande parte da mídia livre do Afeganistão”, que considera uma das consequências mais marcantes e chocantes da mudança de regime naquele país.

“Se o governo do Talibã deseja construir um país aberto e conquistar o respeito internacional, deve agir imediatamente para proteger a mídia que ainda resiste e garantir que os jornalistas possam fazer seu trabalho sem danos e assédio.”

As principais consequências

O relatório da IFJ enumera os efeitos da volta do Talibã ao poder no Afeganistão sobre a imprensa: 

  • Censura e autocensura: as regras rígidas sobre a mídia levaram à censura generalizada do conteúdo da mídia. Os jornalistas agora enfrentam limitações sobre o que podem cobrir, escrever ou transmitir. O medo de retaliação também alimentou a autocensura, restringindo a divulgação de temas críticos ou controversos.
  • Ameaças e intimidação: Jornalistas e profissionais foram submetidos a ameaças, assédio e intimidação. Sua segurança física está em risco, levando muitos a temer por suas vidas. Esta atmosfera de medo obrigou alguns a abandonar suas profissão ou fugir do país.
  • Violência e ataques: A tomada do poder coincidiu com o aumento da violência contra os profissionais. Assassinatos, sequestros e ataques a meios de comunicação criaram um ambiente de perigo e instabilidade. Esses incidentes não apenas prejudicam os jornalistas no plano individual, mas também instilam um efeito assustador em toda a comunidade de profissionais. 

  • Diminuição da liberdade de imprensa: O controle corroeu a liberdade de imprensa, levando a uma redução significativa dos meios de comunicação e da divulgação de informações independentes. Muitos jornais, estações de TV e canais de rádio foram forçados a interromper suas operações ou alterar seu conteúdo para se alinhar com as políticas. 
  • Supressão de reportagens investigativas: O jornalismo investigativo, que desempenha um papel crucial na responsabilização das autoridades, foi sufocado. A capacidade de descobrir corrupção, abusos de direitos humanos e outras questões críticas é severamente reduzida pelas restrições impostas pelo Talibã.
  •  Perda de acesso à informação: o acesso do público afegão a informações precisas e imparciais diminuiu significativamente. Como resultado, os cidadãos são mantidos desinformados sobre acontecimentos importantes, inibindo sua capacidade de tomar decisões, com base nos poucos dados disponíveis.
  • Êxodo de Jornalistas: Diante de ameaças, violência e limitações em seu trabalho, muitos jornalistas optaram por deixar o país, resultando em uma fuga de profissionais qualificados. Esse êxodo enfraquece a capacidade da mídia de cumprir seu papel vital na sociedade.

O relatório completo (em inglês) pode ser visto aqui 

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