Londres – Tecnologias capazes de substituir empregos não são novidade ao longo da história – e nesse ponto a inteligência artificial (IA) não é pioneira no debate o impacto no mercado de trabalho. No entanto, sua escala e sua popularização no momento em que as empresas são cobradas por sua contribuição às economias onde operam aumenta a atenção sobre os efeitos de sua adoção no mundo do trabalho.
Com a IA substituindo empregos, o pilar S dos compromissos ESG pode causar danos à reputação das empresas.
O jornalista brasileiro Jonas Valente, pesquisador do projeto Fairword do Oxford Internet Institute e líder do projeto internacional Fairwork Cloudwork, conversou com o MediaTalks sobre esses movimentos e os riscos para as companhias que não estiverem bem preparadas para absorver a IA levando em conta seus efeitos sobre trabalhadores.
A extensão do impacto da IA sobre o mercado de trabalho
“Estudos mais críticos, como Frey e Osbourne, estimam em quase 50% a possibilidade de substituição de ocupações provocada pela IA. Outros, como o mais recente da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), sugerem 10%. Os menos pessimistas advogam que haverá uma alteração qualitativa, com empregos perdidos compensados por novos.
Atividades repetitivas e menos dependentes da criação humana têm mais potencial de serem assumidas pelas máquinas – e já estamos vendo isso. Mas a adoção de ferramentas baseadas em IA amplia a possibilidade de elas assumirem também atividades intelectuais, da educação à comunicação.”
A greve em Hollywood
“A greve dos atores e roteiristas de Hollywood é um exemplo de resistência no campo das comunicações e da cultura. Esse segmento se conscientizou sobre como a IA poderá custar empregos e comprometer as condições de trabalho.
Mas não precisaria chegar a tal ponto. É possível construir mudanças que gerem ganhos econômicos e não prejudiquem direitos trabalhistas.”
Plataformas digitais mais expostas
“No plano das relações trabalhistas, a discussão sobre novas tecnologias e IA está se voltando mais para o trabalho em plataformas digitais. É o caso de iniciativas como a Diretiva da União Europeia e em outros países, como o Chile.
Neste sentido, ainda temos um longo caminho a percorrer para que temas como limites para demissões ou medidas para a substituição de funções sejam inseridos no debate público e gerem propostas.
Movimento sindical e regulamentação
“O movimento sindical internacional começa a despertar para o impacto da IA, mas de modo aquém do que deveria. E não vi até o momento esforços significativos de regulação de IA no campo trabalhista.
Propostas de regulação da tecnologia, como o PL em tramitação no Brasil, miram mais em governança e proteção de dados.
Um tema que tem ganhado força é a transparência do uso de dados em sistemas automatizados, mas ainda muito focada em algoritmos e sem entrar nos desafios da adoção de sistemas de IA.”
Riscos para a reputação das empresas
“É importante que as empresas compreendam que suas reputações podem ser prejudicadas com a precarização dos ambientes de trabalho ou a coleta abusiva e excessiva de dados.
O projeto da Fundação Fairwork acompanha essas questões. Avaliamos plataformas digitais de trabalho à luz de cinco princípios, em uma escala de 0 a 10. Fazemos relatórios por país sobre plataformas baseadas na localidade (como as de transporte, entrega e serviços domésticos) e divulgamos as notas de cada plataforma.
Com isso, jogamos luz sobre em que medida essas plataformas estão assegurando parâmetros básicos de trabalho decente. Há outros projetos também nessa linha.
Pelo menos nas evidências coletadas por nosso projeto, ainda que a preocupação com este tema esteja crescendo, estamos longe de uma realidade em que plataformas e empresas usuárias de IA assegurem parâmetros básicos de trabalho decente”.
Este artigo faz parte do Especial ‘Os desafios da ESG na era da Inteligência Artificial‘
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