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Dá para combater o assédio judicial contra a imprensa? Força-tarefa do governo britânico vai tentar

Parlamento britânico poderá aprovar lei contra assédio judicial a jornalistas

Coligação quer que o governo vá além da força-tarefa e crie uma lei contra os Slapps para ser aprovada no Parlamento (Foto: Olenka Varzar)

Londres -O assédio judicial a jornalistas entrou na agenda do governo britânico, que acaba de criar uma força-tarefa destinada a combater uma das formas modernas de ameaça à liberdade de imprensa: os processos chamados Slapp.

Esta é a sigla em inglês para strategic lawsuits against public participation, ou “processos estratégicos contra a participação pública”, que também são um grande problema no Brasil e estão no alvo de organizações como a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e ABI (Associação Brasileira de Imprensa). 

As duas entidades ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade no STF para que a Corte dê interpretação à luz da Constituição Federal a dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e da Lei dos Juizados Especiais que permitam reduzir o assédio judicial sobre a imprensa e minimizar seus danos.

Como é praticado o assédio judicial contra a imprensa 

Embora uma coligação de editores, escritores e advogados tenha apelado ao governo britânico para ir além da criação da força-tarefa, já foi um primeiro passo para controlar um tipo de ameaça capaz de silenciar vozes críticas.

Os Slapps costumam ser movidos por governos eleitos e por cidadãos ou empresas incomodadas com denúncias feitas pela imprensa.

Na maior parte das vezes, a acusação não tem fundamento jurídico. O objetivo é intimidar e exaurir jornalistas e veículos financeiramente, obrigando-os a contratar advogados por longos períodos até que a causa seja encerrada ou mesmo retirada pelos autores, uma prática comum. 

Em um relatório da Thomson Reuters Foundation e do Tow Center for Digital Journalism publicado em abril deste ano, 48% de quase 500 jornalistas entrevistados de vários países disseram que suas organizações haviam sido alvo de Slapps.

A Coligação Contra os Slapps na Europa (CASE, na sigla em inglês) afirma que em 2022 foram 570 casos na região, e em 2023 já são 820.

O assédio a Maria Ressa 

A jornalista filipina Maria Ressa, detentora do Nobel da Paz de 2021, é um dos exemplos mais conhecidos. Ela e seu veículo, o site Rappler, tiveram que encarar 23 ações judiciais nos últimos anos. As acusações vão de evasão fiscal a ‘difamação cibernética’.

Um dos processos, movido pelo Ministério Público, foi encerrado pela Justiça após um empresário ter retirado as denúncias que haviam motivado a reclamação judicial.

Essa é uma das características dos processos Slapp. Eles podem não chegar ao final ou resultarem em condenação, mas enquanto tramitam expõem o jornalista a questionamentos sobre sua integridade profissional, amedrontam, estimulam assédio online e podem custar caro.

Não é preciso ir longe para achar exemplos. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus filhos processaram vários jornalistas, com destaque para Patrícia Campos Mello, que acabou virando símbolo internacional do assédio judicial praticado no Brasil.

Como o Reino Unido quer combater o assédio judicial sobre a imprensa 

No caso do Reino Unido, a força-tarefa foi criada pelo próprio governo para combater o assédio judicial contra jornalistas, e tem como alvo “indivíduos ricos, incluindo oligarcas russos, e empresas”.

As tensões com a Rússia se agravaram após a invasão da Ucrânia, mas já existiam antes, sobretudo depois do escândalo da Cambridge Analytica.

Londres virou destino favorito para oligarcas e ex-autoridades não apenas da Rússia mas também de outros países do Leste Europeu, que compraram propriedades de alto luxo e passaram a circular pela sociedade, pela política e até pelo jornalismo.

O jornal Evening Standard, distribuído no transporte público, foi comprado em 2009 pelo empresário russo Alexander Lebedev, ex-agente da KGB. Seu filho, Evgeny, foi indicado pelo ex-primeiro-ministro Boris Johnson em 2020 para integrar a Câmara dos Lordes.

Ainda que a geopolítica possa ter influenciado a iniciativa do governo britânico em combater os Slapps, ela merece atenção e pode inspirar outros países.

Como vai funcionar 

Sob o comando da secretária nacional de Cultura e Mídia, foram reunidas entidades como Repórteres Sem Fronteiras, Index Censorship e PEN, sindicatos e associações de veículos e de jornalistas e também da área jurídica, para encontrar meios de reprimir ações legais “obstrutivas e dispendiosas”, com na legislação de crimes financeiros.

Ao anunciar a força-tarefa contra o assédio judicial sobre jornalistas, o governo disse que o grupo irá estudar como a regulamentação atual pode ser usada para prevenir ou mitigar Slapps, capacitar juízes e profissionais do direito a eliminar mais facilmente na origem esse tipo de processo e desenvolver orientações para apoiar jornalistas, veículos e organizações jurídicas.

As propostas serão apresentadas ao Comitê Nacional para a Segurança dos Jornalistas, que reúne representantes do governo, do jornalismo, da polícia, do Ministério Público e da sociedade civil.

Lei contra Slapps?

Mas o setor quer mais compromisso. Em uma carta aberta ao secretário da Justiça, Alex Chalk, mais de 60 editores, jornalistas, escritores e especialistas em liberdade de imprensa apelaram ao governo para incluir uma “Lei Anti-Slapp” no próximo discurso do rei Charles, que abre os trabalhos do Parlamento e indica as leis que entrarão em vigor. 

A carta afirma:

“Como parte importante do sistema financeiro global, é vital que o Reino Unido garanta que os jornalistas e os vigilantes públicos possam continuar o seu trabalho sem correrem o risco de assédio judicial.

No entanto, esta alteração não vai suficientemente longe, uma vez que abrange apenas reivindicações relacionadas com o “interesse público na protecção da sociedade contra crimes econômicos. 

‘Também introduz um elemento desnecessário de incerteza ao tornar a aplicação da lei dependente da crença do réu e do propósito percebido do autor.’

Ainda que as legislações e contextos sejam diferentes, vale acompanhar o que o Reino Unido vai fazer e ver o que pode ser replicável em outras realidades, como a do Brasil. 

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