Londres – A entrada principal da BBC em Londres foi vandalizada com tinta vermelha neste sábado(15), após vários dias de controvérsia sobre a forma como a rede vem cobrindo o conflito entre Israel e o Hamas e Israel – incluindo a decisão de não chamar o grupo de terrorista.
A organização Ação Palestina assumiu a autoria do protesto, alegando que a emissora tem “sangue nas mãos” e estaria “fabricando consentimento para os crimes de guerra de Israel”, mas a polícia não confirmou nem fez prisões.
O ato veio na sequência de um debate acalorado que envolvendo até o governo e a oposição em torno da política editorial adotada pela BBC, que é a de classificar os integrantes do Hamas como militantes.
BBC criticada por não chamar o Hamas de terrorista
A BBC é uma emissora pública, financiada pela contribuição obrigatória paga por todas as residências que recebem o sinal ou assistem aos programas via internet, embora seu jornalismo seja independente.
Como o Hamas foi decretado organização terrorista pelo governo britânico em 2021, os críticos da posição adotada pela corporação de mídia alegam que ela deveria seguir o padrão oficial.
No entanto, desde o primeiro dia do ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o jornalismo da BBC adotou como política usar a palavra terrorista apenas quando ela puder ser atribuída a uma fonte, como um entrevistado ou o próprio governo.
Em comunicado, a rede justificou:
“Esta é uma abordagem que tem sido usada há décadas e está em linha com a de outras emissoras.
“A BBC é uma emissora editorialmente independente, cujo trabalho é explicar precisamente o que está acontecendo ‘no campo’ para que o nosso público possa fazer o seu próprio julgamento.”
As manifestações contra a BBC
Mas as explicações não estão convencendo, e a tensão continua, com os dois lados insatisfeitos com a forma como a rede está reportando a guerra entre o Hamas e Israel.
Uma primeira manifestação de um grupo pró-Israel tinha acontecido no dia 12 de outubro diante da sede da BBC.
No sábado, milhares de manifestantes fizeram uma passeata em defesa da Palestina no centro de Londres. Ela começou no local onde a rede tem seu principal prédio, que tinha sido vandalizado horas antes.
Um vídeo da sede pichada com tinta vermelha foi postado pela apresentadora da BBC Victoria Derbshyre no Twitter / X. Ela disse:
“Chegando ao trabalho. Esta é entrada principal da BBC nesta manhã”.
Just arrived at work. This is the front entrance to BBC this morning pic.twitter.com/BHkyAtKZWF
— Victoria Derbyshire (@vicderbyshire) October 14, 2023
Governo reclama da política da BBC sobre o Hamas
Embora o vandalismo não tenha sido associado à controvérsia sobre o uso da palavra terrorista, o ato incendiou ainda mais o debate, que já entrou na esfera política.
E colocou mais uma vez a BBC na difícil posição de agradar a todos em um país cada vez mais polarizado.
Na véspera de a sede da BBC ter sido vandalizada, o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps, havia batido boca com a apresentadora Mishal Husain durante uma entrevista na BBC Radio 4.
Ele afirmou que a BBC não parecia interessada em condenar os ataques do Hamas a Israel e questionou a decisão de não classificar o grupo como terrorista apesar de ele ser proscrito no Reino Unido.
Husain rebateu afirmando que outras grandes emissoras estavam fazendo o mesmo, de acordo com o código do Ofcom (órgão regulador de telecomunicações).
E argumentou que a rede estava fazendo uma extensa cobertura da situação das pessoas afetadas em Gaza.
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Em outra entrevista, à LBC, o Secretário foi mais longe. Ele disse ao apresentador Nick Ferrari:
“Na verdade, acho que é quase vergonhoso essa ideia de que existe algum tipo de equivalência, e eles sempre dirão que há dois lados… o que o Hamas fez, como uma organização terrorista proscrita, ou seja, ilegal na Grã-Bretanha, é ilegal apoiar. É ter saído e massacrado pessoas inocentes, bebés, frequentadores de festivais, aposentados.
“Eles não são lutadores pela liberdade, não são militantes, são terroristas puros e simples e é incrível ir ao site da BBC e ainda vê-los falando sobre homens armados e militantes e não os chamando de terroristas.”
“Não sei o que está acontecendo aí, mas acho que é hora de divulgar a bússola moral na BBC”, completou.
Até a oposição discorda da BBC. O líder trabalhista, Keir Starmer, emitiu uma declaração formal exigindo que a BBC fornecesse uma explicação.
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O que diz a BBC sobre a linguagem para se referir ao Hamas
A nota publicada pela BBC para justificar a decisão de não chamar os integrantes do Hamas de terroristas diz:
“A nossa denúncia de possíveis atos de terrorismo deve ser oportuna e responsável, tendo em mente a exigência de precisão e imparcialidade.
O terrorismo é um assunto difícil e emotivo, com implicações políticas significativas e é necessário cuidado no uso de uma linguagem que contenha julgamentos de valor. Não devemos usar o termo “terrorista” sem atribuição.
A própria palavra ‘terrorista’ pode ser uma barreira e não uma ajuda à compreensão. Devemos transmitir ao nosso público todas as consequências do ato, descrevendo o que aconteceu.
Devemos usar palavras que descrevam especificamente o perpetrador, como ‘autor de bombardeio’, ‘autor de ataque’, ‘atirador’, ‘sequestrador’, ‘insurgente’ e ‘militante’.
“Não deveríamos adotar a linguagem de outras pessoas como se fosse nossa; a nossa responsabilidade é permanecermos objetivos e reportarmos de forma a permitir que o nosso público faça as suas próprias avaliações sobre quem está a fazer o quê a quem.
A nota admite que o Hamas é considerado uma organização terrorista, e diz que a rede dá espaço a quem os classifica assim:
“Deixamos clara a natureza das atrocidades cometidas e o impacto que isso teve sobre os civis e explicamos nas reportagens que o Hamas é uma organização terrorista proibida em muitos países, incluindo o Reino Unido.
Refletimos a resposta da comunidade internacional às ações do Hamas e apresentamos pessoas que os descreveram como terroristas”, afirmou.
Temos considerado cuidadosamente todos os aspectos da nossa reportagem sobre o conflito Israel-Gaza, tanto em termos dos ataques do Hamas como da resposta de Israel – isto inclui a linguagem que usamos.
A BBC é editorialmente independente; nosso papel é explicar precisamente o que está acontecendo para que o público possa fazer seus próprios julgamentos.”
O que dizem jornalistas da BBC sobre a política editorial
Alguns jornalistas conhecidos da equipe da BBC endossaram a posição da emissora. Um deles foi o experiente correspondente internacional John Simpson, que escreveu:
“Os políticos britânicos sabem perfeitamente por que a BBC evita a palavra ‘terrorista’… chamar alguém de terrorista significa que você está tomando partido.”
Enfatizando o dever da BBC de apresentar fatos para que o público forme as suas próprias opiniões, ele se referiu a uma diretiva da Segunda Guerra Mundial aos jornalistas da BBC para reportagens francas e honestas.
Os jornalistas da BBC Nick Robinson e David Aaronovitch concordaram publicamente com o colega.
Outra reação, só que contrária, foi a do repórter esportivo judeu Noah Abraahams, de 22 anos.
Ele anunciou que não mais faria comentários para a rádio Derby, da BBC, por achar injustificada a decisão de não descrever as ações do Hamas como terrorismo.
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