Londres – O secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, defendeu nesta quinta-feira (2) em Londres o uso dos dispositivos contidos Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos como princípios para a regulamentação da IA (inteligência artificial).
Guterres participou de uma reunião de cúpula organizada pelo governo britânico destinada a unir os países em torno de uma ideia comum de regulamentação sob a ótica da segurança, durante a qual procurou posicionar a ONU como instrumento para coordenar esses esforços.
O secretário-geral destacou que a velocidade e alcance da inovação são sem precedentes, e disse acreditar que “o descompasso com a governança está aumentando, criando riscos diversos e urgentes”.
Guterres quer ONU liderando governança da IA
Ele avalia que a falta uma supervisão global cria riscos de incoerência e brechas que deem margem a mau uso.
Guterres destacou a importância de uma conversa estruturada sobre ameaças, desafios e oportunidades na governança da IA, “com a ONU desempenhando um papel fundamental”.
Em julho, o secretário-geral havia proposto a criação de uma agência internacional para gerenciar os rumos da IA, maximizando seus benefícios e mitigando os riscos, durante o primeiro debate sobre a tecnologia no Conselho de Segurança da ONU.
No encontro do Reino Unido, que teve como principal estrela o empresário Elon Musk e menos líderes globais do que o primeiro-ministro Rishi Sunak esperava, Guterres voltou a posicionar a ONU como potencial articuladora de um esforço conjunto.
Ele afirmou que uma estratégia global unida e sustentada, baseada no multilateralismo e na participação de todas as partes interessadas, é vital para lidar com a inovação.
E salientou que as Nações Unidas “estão prontas para desempenhar seu papel nesse processo”.
O secretário-geral apontou que mais de 100 conjuntos de princípios éticos para a IA foram desenvolvidos e destacam a necessidade de confiabilidade, transparência e supervisão humana.
O Corpo Consultivo Multilateral sobre Inteligência Artificial está buscando reunir especialistas globais para criar “soluções inclusivas e baseadas em evidências”.
O chefe das Nações Unidas explica que seu primeiro objetivo é examinar modelos de governança tecnológica que funcionaram no passado e adaptá-los à governança da IA.
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Os riscos da IA, na visão de Guterres
António Guterres apontou três frentes que precisam de ação. Para ele, é imperativo antecipar ameaças, como o uso malicioso da tecnologia e a perda de controle sobre ela.
“Isso requer a criação de estruturas para garantir a segurança e confiança da IA”, disse.
O secretário-geral também expressou preocupações com a desestabilização de mercados de trabalho, vieses algorítmicos e o domínio da IA por poucos países e empresas.
A terceira área de preocupação diz respeito à desigualdade. Segundo o chefe da ONU, a IA pode agravar as disparidades globais, especialmente quando a maioria das inovações está concentrada em poucos lugares.
“Há risco de possíveis consequências negativas a longo prazo, e a concentração em alguns países e empresas poderia aumentar as tensões geopolíticas”.
António Guterres disse que as recomendações para uma IA que beneficie toda a humanidade serão integradas ao Pacto Digital Global proposto para adoção pelos Chefes de Estado na Cúpula do Futuro, em 2024.
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Cúpula sobre IA esvaziada pelos EUA
A reunião de dois dias em Bletchley Park, norte de Londres, terminou na quinta-feira e resultou em um acordo assinado por 28 países e pela União Europeia reconhecendo a “necessidade de ação internacional”.
No último dia, representantes de alguns países se reuniram para abordar as ameaças mais urgentes, com a presença do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak; da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris; da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e da chefe da UE, Ursula von der Leyen. Outros países mandaram representantes.
Mas a cúpula de Rishi Sunak foi esvaziada pela publicação de um abrangente decreto definindo passos para a regulamentação da inteligência artificial anunciado pelo presidente dos EUA, Joe Biden, na segunda-feira (30).
O movimento pode acabar servindo como norte para outros países se medidas concretas forem implementadas antes de que os debates entre países resultem em ações práticas.
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