Londres – A COP28, conferência do clima da ONU realizada em Dubai, acabou nesta quarta-feira com um acordo para conter o aquecimento global que arrancou aplausos da plateia de representantes dos quase 200 países envolvidos nas negociações que levaram a um avanço por incluir pela primeira vez a transição dos combustíveis fósseis – mas nem todos ficaram felizes.

Entre os descontentes está a aliança dos países insulares. Na plenária presidida pelo sultão Ahmed Al Jaber, em que o martelo foi batido pelo presidente da conferência, a diplomata representante de Samoa, Anne Rasmussen, pediu desculpas por interromper os aplausos de pé. Ela se disse “confusa”, afirmando que as pequenas ilhas não estavam na sala quando o texto final foi definido, e protestou contra os compromissos tímidos e ausência de medidas contenplando os países mais afetados. 

Organizações não-governamentais internacionais e brasileiras também se manifestaram em tom semelhante: reconhecimento ao fato de que o acordo é parte do caminho para um mundo sem combustíveis fósseis, mas preocupações sobre a extensão e a aplicabilidade dos compromissos na vida real, bem como sobre os próximos passos do Brasil na arena ambiental depois da cúpula em que chegou a ser premiado com o ‘Fóssil do Dia‘. 

COP28 e o aquecimento global – o que pensam as principais vozes do clima 

António Guterrres, Secretário-Geral da ONU

O Balanço Global reafirmou claramente a necessidade imperativa de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus, o que requer reduções drásticas nas emissões globais de gases de efeito estufa nesta década.

Além disso, pela primeira vez, o resultado reconhece a necessidade de transição para longe dos combustíveis fósseis, após muitos anos em que a discussão desse assunto foi bloqueada.

A ciência nos diz que limitar o aquecimento global a 1,5 graus será impossível sem a eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis em um prazo consistente com esse limite. Isso foi reconhecido por uma coalizão crescente e diversificada de países.

Para aqueles que se opuseram a uma referência clara à eliminação gradual dos combustíveis fósseis no texto da COP28, quero dizer que a eliminação gradual dos combustíveis fósseis é inevitável, quer gostem ou não. Vamos torcer para que não seja tarde demais.

Márcio Astrini | Observatório do Clima, coalizão de 95 organizações ambientais 

A menção no texto da conferência de substituição do uso de combustíveis fósseis é inédita, mas totalmente em desacordo com a realidade de países que projetam um aumento em suas fontes sujas de energia que é 100% maior do que o permitido pelos limites do Acordo de Paris. Os países agora precisam decidir que verdade irá prevalecer: a do texto da COP, ou a dos seus planos de explorar cada vez mais petróleo, carvão e gás.

O resultado da COP28, forte em sinais mas fraco em substância, significa que o governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e estabelecer as bases para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza.

Ele pode começar cancelando sua promessa de se juntar à OPEP, o grupo que tentou e não conseguiu destruir essa cúpula. Sem ação real, o resultado de Dubai não será comemorado entre as comunidades de todo o mundo que sofrem com os eventos climáticos extremos.

Andrew Deutz | The Nature Conservancy

Dubai foi um marco significativo para um mundo mais limpo e justo. A diplomacia ao longo da noite transformou o texto que divida os países em um caminho para seguirmos em meio à emergência climática.

Na preparação para as negociações, falávamos sobre a importância de ações e compromissos tangíveis com precedência sobre a retórica política.

O que os negociadores concordaram representa um passo na direção certa: um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala.

Ani Dasgupta | CEO do World Resources Institute

“Os combustíveis fósseis finalmente enfrentaram um acerto de contas nas negociações climáticas da ONU, após três décadas fugindo dos holofotes. Este resultado histórico marca o início do fim da era dos combustíveis fósseis.

Apesar da enorme pressão dos interesses do petróleo e gás, países ambiciosos em relação ao combate às mudanças climáticas corajosamente mantiveram suas posições e selaram o destino dos combustíveis fósseis.

Agora, é crítico observar se mais financiamento será mobilizado para os países em desenvolvimento para ajudar a viabilizar a transição energética.O resultado reconhece que os países seguirão diferentes caminhos para se afastar dos combustíveis fósseis, mas a mensagem enfática é que nenhuma nação pode ficar de fora da transição energética. O mundo deve sdde afastar dos combustíveis fóssies de forma rápida e justa, sem deixar ninguém para trás.

Natalie Unterstell| Instituto Talanoa 

Vencemos o impossível fim dos combustíveis fósseis – uma vitória retumbante sobre a diplomacia do óleo e do gás, que predominou nos últimos 30 anos . 

O acordo convoca os governos a seguirem um calendário claro e alinhado de transição dos combustíveis fósseis, que terá de se integrar ao cronograma da transição das economias para zero emissões líquidas até 2050. 

Isso significa que países que apostam na expansão contínua da produção de petróleo, gás e carvão mineral terão que rever seus planos e indicar como e quando completarão sua transição.

Camila Jardim | Greenpeace Brasil 

Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP28 foi colocá-los no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 conferências anteriores tinham assumido.

A COP28 desenhou as bases para a COP30, aumentando as expectativas para as próximas metas climáticas nacionais(NDCs) que deverão ser estabelecidas no Brasil, em 2025. Agora, os países precisam construir com clareza os mecanismos de implementação, especialmente os que dizem respeito a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, o que deverá ser debatido na COP 29.

May Boeve, Diretora Executiva da organização internacional 350.org

“O poder popular impulsionou-nos para as portas da história, mas os líderes não conseguiram entrar no futuro de que necessitamos. É frustrante que trinta anos de campanha tenham conseguido obter a ‘transição para longe dos combustíveis fósseis’ no texto da COP, mas ele está rodeado de tantas lacunas que se tornou fraco e ineficaz.

O prémio está finalmente sobre a mesa – uma eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e um mundo alimentado por energias renováveis ​​– mas em vez de abrir caminho para isso, fomos presenteados com mais um conjunto de portas perturbadoras que ainda poderiam impedir a expansão do petróleo e do gás. , e não sabemos exatamente de onde virá o financiamento.

Maurício Voivodic | WWF-Brasil

O resultado reforça a importância de o Brasil se engajar fortemente no estreitamento da confiança entre os países para alcançarmos os resultados necessários na COP 30. Isso precisa começar já, durante a presidência do G20, onde será possível reforçar o comprometimento climático das maiores economias do planeta.

Porém é preciso liderar pelo exemplo, o que significa que temos um grande desafio interno, já que parte do governo ignora a crise climática e trabalha para alinhar o Brasil ao grupo das nações responsáveis pelo quase fracasso da COP28.

Caroline Prolo | Laclima 

Se comparado com outras decisões das últimas COPs, o texto progrediu bastante ao inserir de forma explícita uma mensagem de abandono dos combustíveis fósseis, traz o tema da biodiversidade e da conexão com a Convenção de Diversidade Biológica, explicita os números das lacunas de financiamento.

E também faz referências claras à implementação do Acordo de Paris em relação a aspectos de gênero, direitos humanos e direitos das crianças, convocando a sociedade civil e atores não-estatais a continuar apoiando no desenvolvimento do regime climático.

Letícia Leobet |  do Geledés, ONG de defesa dos direitos de mulheres e pessoas negras

O texto aprovado não contempla a diversidade racial da população do planeta. A crise climática não é neutra e acomete mais fortemente certas populações como a afrodescendente. Continuaremos firmes em nosso propósito rumo à COP29 e COP30 para que as decisões tomadas pelos Estados partes sejam sensíveis a questão racial.

Garantir o caminho para transição justa a partir de uma pactuação sobre o fim do combustível fóssil é um importante passo, mas que não estará garantida se os Estados não assumirem os compromissos com enfrentamento das desigualdades, em especial de raça e gênero, nesse sentido, seguiremos incidindo para garantir que essa seja uma agenda alinhada com as necessidades reais das pessoas, que não são neutras.

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Edição especial MediaTalks COP28