Londres – Sede da COP26, o Reino Unido levou para Dubai as contradições que não são particulares de uma nação, mas que aqui são testadas ao limite.
O país onde nobres conservam privilégios medievais vive os paradoxos da conferência do clima: o embate entre o futuro do planeta e o presente dos empregos, da conta no banco e da comodidade dos super-ricos.
A três dias do fim da COP28, o candidato a prefeito de Londres pelo partido de direita Reform, Richard Cox, deu entrevistas na TV sobre a onda de vandalismo contra câmeras do sistema ULEZ (Ultra Low Emission Zone).
Rei Charles na abertura da COP28
Nessas áreas, carros fora dos padrões de emissão pagam £12,50 (cerca de 78 reais) para circular. Os incomodados usam até bombas para destruir os equipamentos.
Fundador do grupo Fair Fuel UK, Cox reclamou das ‘políticas anti-carros’ do prefeito Sadiq Kahn, do Partido Trabalhista, idealizador do sistema que começou no centro da cidade e se espalhou para áreas periféricas, incomodando mais gente.
Testes mostram que a poluição caiu. Mas há impacto sobre a massa do eleitorado, gente que não anda de carruagem dourada, não tem Tesla e usa o carro velhinho para trabalhar – ou quer o conforto do transporte individual.
A abertura da COP28 em Dubai foi feita pelo Rei Charles, ecologista de carteirinha. Ele disse que rezaria para a conferência se traduzir em “ação transformadora” – talvez pensando no retrocesso do país do qual é chefe de estado.
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Reino Unido e o compromisso com o Net Zero
Em setembro, o premiê Rishi Sunak anunciou medidas atrasando promessas feitas em Glasgow, como o adiamento da proibição de novos automóveis a gasolina e diesel de 2030 para 2035 e da obrigatoriedade de melhorar a eficiência energética nas residências.
Charles não depende das urnas e poderia ter aproveitado o momento para pedir ação transformadora em seu país. Mas a estabilidade política da nação do qual ele é o chefe de estado, depende.
O Partido Conservador, hoje no poder, é um pilar da monarquia, assombrada pela perda de Elizabeth II, escândalos e movimentos republicanos.
O país vive uma crise de custo de vida que as novas gerações só conheciam de ouvir falar. Ao anunciar as medidas, o discurso do governo foi claro:
“O primeiro-ministro reafirma o compromisso do Reino Unido com o Net Zero até 2050 e promete um caminho “mais justo” para atingir a meta de aliviar os encargos financeiros das famílias britânicas”.
Medidas ambientais influem na política
Uma amostra de como as ULEZ – e outras medidas ambientais que governos mundo afora relutam em adotar – influem na política foi vista na eleição para o substituto de Boris Johnson no Parlamento, em julho.
Os escândalos do Partido Conservador sob o comando de Johnson fizeram com que o Partido Trabalhista disparasse nas pesquisas, com chances de retomar o comando do país em 2024.
Mas o partido não conquistou o assento em Uxbridge, eleição local em que era favorito. O motivo: o projeto ULEZ.
É um alerta para a dificuldade de convencer pessoas a mudarem de hábitos em prol do planeta – o que parte da imprensa tenta fazer, mas nem sempre consegue.
Os jornais tabloides, de grande influência sobretudo em locais mais afastados de Londres, tendem a fazer o jogo dos conservadores e a ficar ao lado das famílias afetadas pela alta de preços. Ao mesmo tempo, o Guardian é um dos mais comprometidos do mundo com o clima.
Charles III parece sincero em suas preocupações com a biodiversidade. Mas nem em família as coisas são fáceis.
Em entrevista recente, sua irmã, Anne, se revelou contrária ao “rewilding”, movimento para deixar a natureza tomar conta de áreas ajardinadas. O motivo? Ela diz que não é bom para os cavalos.
Este artigo faz parte de um relatório especial analisando as repercussões da COP28, jornalismo ambiental, ativismo e percepções da sociedade sobre as mudanças climáticas.
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