Estocolmo – Perplexo como um vegano convidado pelo melhor amigo para um churrasco, o mundo assiste a uma aparentemente inexplicável e vigorosa marcha à ré na política climática da Suécia  – o país de Greta Thunberg, e historicamente um dos maiores líderes globais na defesa do meio ambiente.

Às vésperas da COP28, o governo anunciou um orçamento que deve elevar dramaticamente as emissões de carbono. E ficou evidente que o país não mais será capaz de cumprir suas metas climáticas para 2030 – e de ser percebido pelo mundo como modelo.

Espanto semelhante já havia acontecido antes da Conferência do Clima do Egito, quando o então recém-empossado governo de centro-direita anunciou a extinção do Ministério do Meio Ambiente e do Clima como organismo independente, além de cortar recursos para programas ambientais e abolir o bônus para quem compra veículos elétricos.

Retrocessos na política climática na Suécia

No palco da cúpula do clima da ONU em Dubai, o premiê Ulf Kristersson tentou salvar a imagem da Suécia como líder global do clima.

Mas como apontou o principal jornal sueco, Dagens Nyheter, seu discurso indica que o governo adotou uma nova estratégia para demonstrar a liderança na questão climática: olhar para trás.

“Vejam como nossas emissões de gases diminuíram desde os anos 90. Vejam como a Suécia tem, ao lado de Portugal, os mais baixos índices de emissão per capita na União Europeia”, exemplificou o jornal.

“Certamente isto funciona como uma fonte de inspiração. Mas não se pode solucionar a crise climática apenas olhando para trás. E se miramos em direção ao futuro, o papel da Suécia na defesa do clima parece que vai mudar”, escreveu o jornalista Peter Alestig.

Críticas ao cortes no orçamento climático

Na opinião de um batalhão de críticos na Suécia, os cortes no orçamento climático pela coalizão de governo liderada por Kristersson – apoiada pelo partido nacionalista anti-imigração Democratas da Suécia – não têm precedentes, embora o processo de redução de emissões já caminhasse de forma lenta no governo anterior, formado pelo partido Social-Democrata em coalizão com o Partido Verde.

Que raios se passa com este país – o primeiro a aprovar uma lei de proteção ambiental em 1967, o primeiro a sediar uma conferência do clima da ONU em 1972, o primeiro a anunciar a meta de tornar-se livre do uso de combustíveis fósseis em 2015, o primeiro a implementar a precificação do carbono como instrumento para acelerar a transição energética nos anos 90 (e que tem hoje um dos mais altos impostos sobre CO2)?

O que aconteceu com o país que em 2020 inaugurou a primeira siderúrgica do mundo alimentada exclusivamente por hidrogênio e que recicla 99% do seu lixo?

Em setembro, o orçamento anunciado pelo governo incluiu uma redução de 259 milhões de coroas suecas (o equivalente a R$ 120 milhões) para ações ambientais, assim como um corte nos impostos sobre o petróleo e o diesel.

Segundo a Sveriges Natur, principal publicação ambiental sueca, a estimativa é de que a emissão de gases aumente entre 4,8 milhões e 8,7 milhões de toneladas até 2030.

A Naturvårdsverket (Agência de Proteção Ambiental Sueca) alerta: se nada mais for feito, não será possível cumprir a meta de reduzir as emissões em transportes em pelo menos 70% até 2030.

Em entrevistas, Romina Pourmokhtari – a ministra sem ministério do Meio Ambiente e do Clima, pasta transferida para o ministério de Minas e Energia – tenta convencer os suecos, sem êxito, de que tudo vai acabar bem. E as críticas à política climática da Suécia se multiplicam.

“O que está acontecendo é que o governo está conscientemente aumentando as emissões. Nenhum governo sueco dos tempos modernos fez isso. E isto é extremamente sério”, destacou na TV pública sueca, a SVT, o porta-voz do opositor Partido do Centro para assuntos de clima e energia, Rickard Nordin, que ameaça uma moção de desconfiança contra a ministra do Meio Ambiente e do Clima.

Reações ao retrocesso da política climática da Suécia 

Em entrevista, a Ministra das Finanças da Suécia, Elisabeth Svantesso, ressalta que o foco do governo é combater a inflação e implementar medidas que ajudem os cidadãos a enfrentar a crise econômica.

É um discurso ouvido também de lideranças de outros países europeus: prioridade para medidas que levem em conta o bolso dos cidadãos.

Como observa a correspondente global de clima da rede de TV pública sueca (SVT), Erika Bjerström, este parece ser o novo momento em relação à controversa política climática da Suécia: um país que não mais vê a necessidade de se posicionar como uma superpotência do clima, e sim que considera que seu bom desempenho na defesa do meio ambiente deve se alinhar aos objetivos das demais nações europeias.

“A nova política é a de que nós somos parte da Europa, e não devemos ter uma política climática mais ambiciosa do que a média do bloco”, avalia Erika.

Diante dos cortes nos recursos para medidas ambientais, tão incompreensíveis para todos, a interpretação de Erika aponta uma possível lógica: na sua avaliação, o que o governo sueco está dizendo é que talvez tenha se acabado o tempo dos amazônicos financiamentos governamentais para projetos ambientais, e que o país entra em uma nova etapa, na qual as transformações serão feitas principalmente pela indústria.

Mas os ativistas estão indignados. O Fridays for Future, movimento fundado pela ativista sueca Greta Thunberg, classificou o orçamento como uma “catástrofe” e “grande traição”.

“O governo não está tratando da questão ambiental com seriedade. Os orçamentos anteriores foram ruins, mas este é ainda pior”, disse Linna Gadde, do Fridays for Future.

“Este governo não compreende e nem se importa com a crise climática. As pesquisas são claras: precisamos reduzir as emissões a cada ano”, disse Per Bolund, que até novembro atuou como um dos dois líderes do Partido Verde sueco (a sigla divide sua liderança entre um homem e uma mulher).

Apesar do tsunami de críticas, a Suécia continua a ocupar uma posição invejável na defesa do meio ambiente e do clima.

O país figura na quinta posição do Climate Change Performance Index, o ranking internacional que monitora os esforços e o progresso no combate às mudanças climáticas em 59 países e entre os membros da União Europeia, atrás apenas da Dinamarca, o que na prática equivale ao segundo lugar. As três primeiras posições sempre ficam vazias.

Greta: o sonho juvenil acabou?

São novos tempos neste país em que nem sua maior estrela ambiental, Greta Thunberg, é unanimidade. A ativista tem a simpatia de muitos, mas também a antipatia de outros tantos, incluindo comentaristas na mídia, políticos e o público.

Em seu último debate no Parlamento como um dos líderes do Partido Verde, Per Bolund disse:

“Greta Thunberg e seu movimento Fridays for Future dizem que a política não vai resolver o problema, e que é preciso ir às ruas. Eles falam do poder do povo. Esta é uma retórica que se baseia no descrédito e na desconfiança”.

A presidente do movimento jovem do Partido Social-Democrata, Lisa Nåbo, disse que não basta fazer críticas e reivindicar medidas sem apresentar soluções possíveis.

Greta foi ainda duramente criticada, dentro e fora da Suécia, por adotar uma posição pró-palestinos na guerra em Gaza.

Usando um kufiya (lenço palestino branco e preto), ela pediu um cessar-fogo durante uma manifestação pelo clima em Amsterdã, e afirmou que “não há justiça climática em terra ocupada”. A declaração provocou rachas dentro do próprio Fridays for Future.

Greta Thunberg tinha 15 anos de idade quando deu início ao movimento, que convocou milhões de jovens em todo o mundo a faltar à escola às sextas-feiras, como forma de exigir ações climáticas.

Ela sentou-se sozinha diante do Parlamento sueco, com um cartaz dizendo: “Greve escolar pelo clima”.

Formatura e fim da greve escolar pelo clima

A adolescente virou adulta: aos 20 anos e recém-formada no ensino médio, Greta Thunberg fez em junho deste ano a sua última greve pelo clima como estudante secundária.

Em 2019, ela fez uma pausa nos estudos para aumentar a conscientização global sobre a ação climática, o que atrasou em um ano sua formatura.

“Hoje eu me formo na escola, o que significa que não poderei mais fazer a greve escolar pelo clima. Esta é a última greve escolar para mim”, disse a ativista sueca.

“Mas vou continuar a protestar às sextas-feiras, mesmo que não seja tecnicamente uma greve escolar. Simplesmente não temos outra opção senão fazer tudo o que pudermos. A luta está apenas começando”.

Greta não foi a Dubai, mas não foi a única sueca ausente. Nenhuma das grandes organizações ambientais da Suécia aceitou participar da COP28.

Uma das principais razões foi a decisão do país anfitrião de nomear para o cargo de presidente da COP28 o sultão Ahmed Al Jaber, CEO da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi, uma das maiores petrolíferas mundiais.


Edição especial MediaTalks COP28

 

Este artigo faz parte de um relatório especial analisando as repercussões da COP28, jornalismo ambiental, ativismo e percepções da sociedade sobre as mudanças climáticas.

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