Londres – A lista de ameaças a jornalistas ganhou um ingrediente inusitado: o renomado crítico gastronômico Pete Wells, do New York Times, anunciou que está deixando o cobiçado posto de experimentar pratos em alguns dos melhores restaurantes do mundo e ainda ser pago por isso após um check-up que trouxe más notícias sobre a sua saúde.
Em um texto assinado no jornal, ele disse que os exames feitos no início deste ano mostrando que que tudo estava ruim – colesterol, pressão, peso – fizeram soar o alarme de que era hora de parar depois de 12 anos: “decidi me aposentar tão graciosamente quanto meu estado de obesidade técnica permitir”.
Wells, que chefia a crítica gastronômica do jornal, relatou que no momento da consulta com o médico já havia visitado cerca de 140 restaurantes este ano como parte da pesquisa para a edição dos 100 melhores restaurantes da cidade de Nova York.
“Mas uma coisa engraçada aconteceu quando cheguei ao fim de toda aquela comida: percebi que não estava com fome”, escreveu Wells em sua despedida. “E ainda não estou, pelo menos não do jeito que costumava estar.
Pete Wells, chefe de crítica gastronômica do NYT
A carreira de Pete Wells como jornalista de gastronomia é longa. Ele começou no jornal escrevendo sobre restaurantes até se tornar chefe da equipe que avalia restaurantes.
Wells é reconhecido pela sua versatilidade. Ele passou todo esse tempo provando de tudo – desde menus degustação dos restaurantes mais estrelados de Nova York a cardápios de locais simples e pouco conhecidos.
Em uma entrevista ao NYT sobre sua saída, contou que chegava a experimentar 36 pratos em uma só visita.
Em seu perfil nas redes sociais e nas colunas que assina o jornalista não utiliza sua própria foto como forma de disfarçar sua identidade e fazer visitas incógnito, uma prática comum na crítica gastronômica.
Mas não adiantou. Wells é um dos críticos cuja foto está em cartazes dentro das cozinhas para alertar a equipe sobre sua presença, que pode significar um impulso para o sucesso ou para o fracasso.
E foi esta a foto que o New York Times usou para ilustrar o artigo em que ele anuncia a decisão de “deixar a mesa”. No subtítulo, uma pequena ironia:
“Muito reconhecimento e talvez muitos pratos”.
‘Praticamente todas as minhas cerca de 500 avaliações foram o resultado de fazer três refeições no lugar sobre o qual eu estava escrevendo.
Normalmente, eu convidava três pessoas e cada uma delas pedia entrada, prato principal e sobremesa. São 36 pratos que eu experimentava antes de escrever a primeira palavra.”
Crítico gastronômico com medo de pão
Ele disse que com o passar do tempo, a prática cobra seu preço. E que não poderia continuar fazendo o mesmo trabalho sem se entregar plenamente aos prazeres da refeição ou sentir culpa pelo que comeu ainda que por razões profissionais.
É difícil fazer isso se você está com medo de pão.”
Na coluna de despedida, Wells observou que este é um problema no setor, e que poucos jornalistas que trabalham como críticos de gastronomia ousam tocar no assunto quando conversam entre si.
“Em parte, fazemos isso por educação. No entanto, todos nós sabemos que estamos de pé na borda de um buraco infinitamente profundo, e que se olharmos para baixo podemos cair.”
Embora Wells não vá escrever mais resenhas, ele ainda planeja continuar trabalhando de alguma forma no Times. E embora vá comer muito mais em casa, ele diz que não vai desistir de restaurantes, só que sem o mesmo compromisso de antes.
O fim da carreira de Pete Wells como crítico gastronômico do New York Times não vai deixar saudades para alguns desafetos que colecionou ao longo de sua carreira como jornalista gastronômico.
Ele é famoso por uma devastadora crítica escrita em 2012 sobre o American Kitchen and Bar, do baladado chef-celebridade Guy Fieri, que se tornou a quinta matéria mais lida do New York Times naquele ano.
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