A Argentina viveu durante o primeiro ano do governo de Javier Milei uma “deterioração sem precedentes na liberdade de expressão”, com aumento significativo de ataques a profissionais de imprensa, esvaziamento de meios de comunicação públicos e educativos e assédio digital a mulheres jornalistas, revelou um novo relatório publicado nesta terça-feira.
O trabalho, elaborado em conjunto pela Universidade de Buenos Aires, Federação Internacional de Jornalistas, Federação Argentina de Trabalhadores de Imprensa e Sindicato de Imprensa de Buenos Aires (SiPreBA), analisa o período de dezembro de 2023 a dezembro de 2024.
O estudo documenta em detalhes os insultos do presidente Milei e de autoridades nacionais contra jornalistas em declarações ou postagens em redes sociais, provocando ondas de assédio digital sobre eles. Mais de 50 jornalistas sofreram ataques em um ano.
Os autores afirmam que esse assédio não se limitou a casos isolados e se revelou ao longo do primeiro ano de Milei na presidência como “uma estratégia sistematicamente implementada pelo atual governo”.
Vários sofreram ataques repetidos, e as mulheres são as mais atingidas. Campanhas organizadas por trolls e grupos digitais não apenas buscam desprestigiá-las, mas também gerar um clima de autocensura, diz o estudo.
A falta de implementação da Lei de Equidade de Gênero nos meios de comunicação, regulamentada em 2023, mas bloqueada pelo atual governo, agrava a situação.
O aumento exponencial de agressões motivou diversas manifestações ao longo do ano por parte de organizações sindicais, organizações de direitos humanos e associações empresariais de comunicação social, tanto locais como globais, como a Anistia Internacional, sem sucesso.
No final de novembro, em uma entrevista ao cientista da computação americano Lex Fridman, o presidente sustentou que os jornalistas “corruptos” na Argentina “são torturadores profissionais.”
A animosidade promovida pela narrativa governamental tem grande presença nas redes sociais, mas também se manifesta nas ruas, com jornalistas sofrendo violência policial enquanto exercem seu trabalho, diz o estudo.
Além disso, o documento relata que funcionários do governo iniciaram ações judiciais contra jornalistas por suas opiniões ou expressões no âmbito de seu trabalho.
Leia também | ONGs argentinas acionam Comissão de Direitos Humanos da OEA por atos de Milei contra imprensa
Liberdade de imprensa na Argentina sob Milei deteriorada em várias frentes
O relatório apontou ainda outras ações do governo que juntas constroem um quadro de deterioração da liberdade de imprensa e de expressão no país em um ano do governo Milei.
Entre elas está o desmantelamento dos meios públicos através de cortes orçamentários na TV Pública, Radio Nacional e a tentativa de fechamento da agência de notícias estatal Télam.
O governo também eliminou programas de apoio econômico a meios comunitários, alternativos e populares, enfraquecendo ainda mais a diversidade de vozes no espaço público.
O relatório critica o abandono do papel do Estado como garantidor do direito à informação e alerta para as consequências da crescente influência de grupos privados sobre a comunicação pública.
Outro problema apontado é a precarização das condições de trabalho dos jornalistas na Argentina. Um levantamento realizado pelo SiPreBa revela que 76% dos trabalhadores de imprensa não atingem a linha da pobreza com a renda de seu trabalho principal, enquanto 52% têm dois ou mais empregos.
A Federação Internacional de Jornalistas considera o relatório “fundamental para o presente e o futuro” da liberdade de expressão na Argentina.
O documento serve para “apontar e denunciar responsabilidades estatais e paraestatais” e para dirigir esforços conjuntos “para frear estas gravíssimas situações”.
Zuliana Lainez, vice-presidente da IFJ e da Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe, destaca a importância do relatório para “identificar cada um dos ataques e o movimento orquestrado contra jornalistas, comprometendo o direito à informação de toda a sociedade argentina”.
O relatório completo pode ser visto aqui.
Leia também | Análise | Abandono da COP29 e amizade de Milei com Trump: o que esperar da Argentina na COP em Belém?