A crise climática afeta mulheres e meninas de forma desproporcional. Elas têm mais probabilidade de ter sua saúde comprometida devido a enchentes, secas, ondas de calor, poluição do ar, incêndios florestais e outros desastres ambientais.
Ao mesmo tempo, as mulheres também costumam ser as responsáveis por garantir comida, água e energia para suas famílias. Quando o clima extremo torna esses recursos escassos, suas vidas e meios de subsistência ficam em risco.
Mesmo assim, as mulheres enfrentam uma preocupante sub-representação na cobertura de imprensa sobre mudanças climáticas e questões ambientais.
Pouca visibilidade de mulheres na cobertura da crise climática
Uma análise global do Media Diversity Institute, uma organização sem fins lucrativos, descobriu que entre 2017 e 2021, apenas uma em cada quatro fontes citadas em notícias online sobre mudanças climáticas eram mulheres.
Isso implica que as reportagens sobre mudanças climáticas são contadas principalmente pela perspectiva masculina.
A cobertura da mídia sobre questões ambientais em países autoritários como o Irã, Oriente Médio e o Norte da África foi tema da pesquisa para o doutorado que concluí recentemente.
O norte do continente africano é uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo. Lá se enfrenta calor extremo, escassez de água e tempestades de areia e poeira.
Como parte da pesquisa, constatei que mulheres raramente são fontes em notícias sobre mudanças climáticas e degradação ambiental, e aquelas que se manifestam são frequentemente ameaçadas.
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Muitas mulheres evitam se manifestar abertamente
Encontrar fontes em países autoritários já é difícil, mas encontrar mulheres dispostas a compartilhar suas experiências com jornalistas é ainda mais complicado.
No Irã, questões ambientais são altamente politizadas. Discutir escassez de água ou poluição do ar pode ser interpretado como crítica ao governo.
Quem fala com jornalistas pode ser vítima de intimidação, prisão ou até morte. Naturalmente, muitas fontes hesitam em falar. Mas para as mulheres, as barreiras são ainda maiores.
Em 2024, relatei em uma reportagem uma onda de calor no Irã, onde as temperaturas ultrapassaram 50°C em algumas províncias.
Por meio de conversas “em off” [em que a fonte não deseja ser citada], soube que o calor extremo causava insolação, problemas menstruais e até abortos espontâneos em mulheres.
No entanto, quando analisei a cobertura da mídia, houve pouca menção a isso. A maioria das reportagens mostrava como o governo teve que fechar escolas e escritórios.
Falei com mulheres de diversas partes do Irã, como mães, estudantes e profissionais da saúde. Algumas falaram anonimamente, mas mesmo mulheres em posições de liderança no governo ou no setor ambiental não falaram por medo de uma reação do órgão de inteligência do Estado.
Este é um padrão que tenho visto durante minha pesquisa e reportagem. Se as mulheres não podem falar com segurança, suas lutas permanecem invisíveis.
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As mulheres estão liderando, mas onde estão elas na cobertura?
É irônico que, embora ausentes das reportagens sobre o clima, as mulheres lideram muitos esforços ambientais. Evidências indicam que mulheres são mais propensas a se voluntariar em causas ambientais ou a agir de forma sustentável do que os homens.
Países com mais mulheres na liderança política tendem a ter políticas climáticas mais fortes. No entanto, há um desequilíbrio na cobertura da mídia sobre mulheres também.
Por exemplo, a ativista sueca Greta Thunberg ganhou destaque na mídia dos países desenvolvidos e ricos da Europa, América do Norte e Australásia [uma região que inclui Austrália, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné e algumas ilhas próximas à Indonésia].
Contudo, em nações em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina (chamadas de Sul Global), os impactos das mudanças climáticas são mais severos.
Nesses lugares, mulheres liderando movimentos ambientais raramente recebem o mesmo nível de atenção que os dos países desenvolvidos. Isso acontece mesmo com diversas mulheres líderes ambientais nesta parte do mundo.
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Iranianas presas e torturadas
No Irã, as ativistas de vida selvagem e conservação Niloufar Bayani e Sepideh Kashani foram presas e torturadas por mais de seis anos.
Elas foram falsamente acusadas de espionagem pelo serviço de inteligência do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica [força armada independente do exército que defende o regime iraniano].
O trabalho delas era dedicado à proteção do meio ambiente do Irã, particularmente a chita asiática [sub-espécie de guepardo], que está criticamente ameaçada. Elas destacavam os riscos enfrentados por aqueles que defendem a conservação sob regimes repressivos.
Em 2023, enquanto cumpria uma pena de 10 anos, Bayani escreveu um manifesto sobre a crise climática e educou mulheres na notória prisão de Evin, em Teerã.
Outra mulher, Juliet Kabera, de Ruanda, é uma defensora da proibição de sacolas plásticas e plásticos descartáveis. Ela participou de negociações de tratados globais para lidar com o desperdício e reduzir a produção global de plástico.
O trabalho e sacrifício dessas mulheres muitas vezes não aparecem na cobertura da mídia sobre o meio ambiente.
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Mulheres retratadas como vítimas, e não como líderes
Como parte de minha pesquisa de doutorado, analisei reportagens ambientais no Oriente Médio e Norte da África, que também refletem pesquisas na área.
Descobri que as mulheres são frequentemente retratadas como vítimas dos desastres climáticos, em vez de especialistas, líderes ou criadoras de soluções.
Mulheres de países desenvolvidos são incluídas com mais frequência em discussões sobre política climática, ativismo ou pesquisa do que suas colegas de países em desenvolvimento.
Quando a mídia ignora as perspectivas das mulheres que vivem crises, ignoramos suas ideias e experiências. Como resultado, as políticas ambientais podem não refletir a amplitude do problema ou atender às necessidades dos mais afetados.
Se as mulheres são mais impactadas pelas mudanças climáticas e estão liderando a luta, por que elas também não estão liderando a conversa na mídia?
Este artigo foi originalmente publicado no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons