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Putin sem filtro: em biografia não autorizada, jornalistas russos exilados revelam traições conjugais e ligações com a máfia

Capa de novo livro biografia de Vladimir Putin presidente da Rússia

Foto: divulgação Proekt

  • Novo livro escrito por jornalistas investigativos russos exilados nos EUA expõe vida pessoal de Vladimir Putin, conexões com a máfia e estratégias de manipulação da memória nacional da Rússia. 
  • “The Tsar In Propria Persona” revela bastidores da ascensão do ex-agente da KGB, incluindo traições conjugais, escândalos políticos e a criação de uma imagem pública forjada para atender aos seus interesses imperialistas. 

Detalhes até hoje ocultos da vida privada do presidente russo Vladimir Putin foram expostos no novo livro “The Tsar In Propria Persona”, mostrando como seu círculo íntimo, seu passado envolvendo relacionamento próximo com criminosos e sua atuação nos bastidores, que moldaram o regime que controla a Rússia  e que segue há mais de três anos em guerra com a Ucrânia. 

Novo livro sobre Putin revela bastidores ignorados pela narrativa oficial

A obra, publicada no dia 30 de julho em forma impressa e por enquanto apenas em russo, é assinada pelos jornalistas investigativos Roman Badanin e Mikhail Rubin. 

Jornalistas russos Roman Badanin e Mikhail Rubin, autores de novo livro sobre Vladimir Putin,
Roman Badanin e Mikhail Rubin (foto: divulgação Proekt)

Eles são os fundadores do Proekt — um dos raros veículos independentes que resistiram à repressão contra o jornalismo na Rússia que conseguiu exterminar até o jornal de Dmitry Muratov, detentor do Prêmio Nobel da Paz de 2021.

Criado em 2018, o Proekt é conhecido por investigar os bastidores do poder russo e atua agora a partir do exílio, integrando a rede global ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos).

O título do livro, The Tsar In Propria Persona, usa uma expressão em latim jurídico que significa “o czar em pessoa” ou “o czar por conta própria”.

É uma referência à forma como Vladimir Putin governa a Rússia: não como um líder institucional sujeito a regras, mas como uma figura central e absoluta, à moda dos antigos czares — alguém que encarna o próprio Estado, sem intermediários.

Já o subtítulo, destacado na capa, deixa claro o tom da investigação conduzida pelos autores: “Como Vladimir Putin enganou todos nós”.

“Como Vladimir Putin enganou todos nós”. 

O livro é resultado de décadas de investigações profundas, conduzidas por Badanin e Rubin, inicialmente dentro da Rússia e depois a partir do exílio, reconstruindo a trajetória do ex-agente da KGB e sua transformação em líder supremo da Rússia.

Apoiada em fatos e depoimentos, a obra desafia a propaganda oficial que há décadas omite ou distorce a biografia de Putin, segundo ressaltaram os autores na apresentação. 

Em entrevista ao ICIJ, Badanin declarou:

“É o comportamento de Putin longe das câmeras que fala muito mais sobre sua verdadeira visão de mundo do que seus discursos.

A vida privada de Putin é muitas vezes mais importante do que sua vida pública”.

Putin, a máfia e o strip club Luna

A narrativa é dividida em três partes — “Antes de Putin”, “Depois de Putin” e “Sem Putin”.

Um dos trechos mais simbólicos descreve o clube de striptease Luna, em São Petersburgo, frequentado pelo presidente da Rússia nos anos 1990, onde ele realizava reuniões com empresários e mafiosos.

Segundo os autores, o local era protegido por Roman Tsepov, guarda-costas pessoal de Putin e integrante do crime organizado. Uma foto autografada por ele,  datada de 1999, ainda está pendurada na parede do clube, diz o livro. 

A relação de Putin com o submundo russo viria de longe. Nos anos 1970, ele teria sido influenciado por seu treinador de judô, Leonid Usvyatsov, um criminoso violento que, segundo os autores, pode ter usado suas conexões para ajudar o então jovem Vladimir a entrar na Faculdade de Direito da Universidade de Leningrado.

A influência de Usvyatsov teria sido decisiva para moldar a mentalidade de risco e força bruta de Putin, indica a obra. 

Putin: ideologia ou hipocrisia?

Em Tsar In Propria Persona, Badanin e Rubin fazem um duro retrato do líder que para seus apoiadores é um corajoso que tenta fundar uma nova ordem mundial justa, quebrando a hegemonia do Ocidente. 

“[…] Investigamos os aspectos desconhecidos de seu passado e presente, e chegamos a uma descoberta assustadora: Putin mudou o mundo não movido por ideias, mas pela própria hipocrisia.

Por 25 anos, ele mentiu compulsivamente sobre tudo — sobre seus amigos, pais, esposas, filhos. Mentiu sobre si mesmo, sobre seu passado e seu presente. No fundo, Putin é oco. Ainda que seja um oco astuto.”

Casamento em colapso e traições no pied-à-terre do Estado

Outro foco do livro é a vida conjugal de Putin. A obra expõe o desgaste e as traições que levaram ao fim de sua união com Lyudmila Putina, com quem se casou em 1983.

A obra cita trechos do livro de memórias de uma amiga alemã de Lyudmila, Irena Pietsch. Ela contou que a ex-mulher do presidente sofreu uma “dor inimaginável” devido à “traição constante” do marido.

Pietsch descreve Putin como alguém fascinado por luxo, uísque caro e por possibilidades de “renda extra” após ingressar na administração presidencial.

Fontes entrevistadas afirmam que Putin mantinha casos extraconjugais em um apartamento estatal, o que não o impediu, paradoxalmente, de orquestrar um escândalo sexual contra o procurador Yuri Skuratov, que investigava corrupção na família do então presidente russo Boris Yeltsin.

Como chefe do serviço secreto FSB, Putin liderou a operação que desmoralizou Skuratov, ganhando a confiança de Yeltsin e pavimentando sua ascensão ao Kremlin.

O episódio envolveu a exibição de um vídeo com prostitutas em horário nobre na TV russa. Horas depois, Putin foi colocado à frente da investigação, e Skuratov foi afastado, mesmo com dúvidas sobre a autenticidade do material.

O esquecimento como estratégia de poder

A obra dos jornalistas investigativos também mostra como a Igreja Ortodoxa Russa foi cooptada como ferramenta política, ao lado do controle progressivo da imprensa e da montagem de uma elite fiel composta por amigos e familiares.

Badanin e Rubin argumentam que a destruição da memória coletiva é um dos pilares do poder do presidente da Rússia. Com documentos oficiais inacessíveis, testemunhas mortas e a imprensa independente sufocada, poucos no país lembram ou sabem o que de fato aconteceu nas últimas duas décadas.

“O esquecimento é o principal aliado de Putin”, afirmou Badanin em entrevista ao ICIJ. 

Para os autores, o presidente russo não governa apenas — ele constrói uma lenda em torno de si mesmo, moldando sua imagem conforme a necessidade do momento. 

“Ele criou biografias diferentes para si mesmo: liberal, conservador, esquerdista, direitista — o que fosse necessário para enganar o público.

Está disposto a qualquer coisa: matar, esconder sua riqueza, mentir sobre os mais próximos.”

Notícias sobre mortes suspeitas de ex-aliados ou inimigos históricos de Vladimir Putin se sucedem, como as do fundador do grupo de mercenários Wagner, Yevgeny Prigozhin e do líder de oposição Alexey Navalny.

O Proekt e o preço da investigação independente na Rússia

Fundado por Roman Badanin em 2018, o Proekt nasceu com o objetivo de investigar o poder russo a fundo — das conexões com o crime organizado aos esquemas de enriquecimento pessoal envolvendo autoridades e empresários ligados ao Kremlin.

Foi um dos primeiros veículos a publicar investigações sobre a fortuna oculta de Putin e os privilégios concedidos à sua família e círculo íntimo.

Em 2021, o site foi oficialmente classificado como “organização indesejável” pela Procuradoria-Geral da Rússia, o que na prática criminaliza qualquer pessoa que colabore com o veículo dentro do país.

No mesmo ano, as residências de Badanin e Rubin foram invadidas por forças de segurança durante uma investigação de difamação ligada a uma reportagem sobre Ilya Traber, figura associada ao crime organizado e próxima de Putin.

Com a escalada da repressão após a invasão da Ucrânia, o Proekt passou a operar a partir do exílio e hoje integra o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), colaborando com repórteres de todo o mundo para expor abusos de poder, corrupção e crimes transnacionais.

“Esse livro nos custou a pátria”

Os autores vivem hoje no exílio nos Estados Unidos, perseguidos pelo governo russo por suas investigações.

“O governo russo nos perseguiu por investigar Putin, seus amigos e seus crimes. Em um sentido mais amplo, este livro nos custou a pátria”.

Na apresentação, eles destacam que o livro não é apenas sobre Putin. É sobre que a Rússia se tornou nos últimos 25 anos.

“Hoje, em nossa pátria, não é comum escrever livros históricos honestos. Até os livros escolares estão repletos de enganos e ficção. Se você quiser lembrar a história como ela realmente foi, abra este livro”. 

The Tsar In Propria Persona ainda não tem versão digital em outros idiomas nem está sendo vendido na Rússia. Ele pode ser adquirido em edição impressa (com envio para mercados internacionais) pelo site da editora BAbook por meio do portal do Proekt.

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