O Global Media Monitoring Project (GMMP) 2025, realizado com apoio da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), cujos resultados foram divulgados na última sexta-feira (4) em Bruxelas, revelou que a representação das mulheres na mídia permanece um desafio: elas são personagens ou fontes em apenas 26% das notícias veiculadas globalmente.
O GMMP monitora a presença de gênero na mídia desde 1995. Os resultados históricos indicam que, após um aumento lento e constante na visibilidade e na voz das mulheres o progresso começou a estagnar em 2010.
Não houve nenhuma mudança positiva real durante esse período, nem retrocesso significativo na maioria das dimensões de igualdade de gênero monitoradas pelo GMMP, segundo o relatório. Na América Latina, a situação melhorou ligeiramente em cinco anos, mas ainda assim a presença é inferior à registrada em 2010 e 2015.
“O progresso chegou a um impasse. Nas condições atuais, é improvável uma mudança significativa em direção à igualdade de gênero”, afirmam os autores.
Um dia comum no noticiário
O GMMP é coordenado pela WACC uma ONG internacional que promove a informação como parte do conjunto de direitos humanos. A pesquisa de monitoramento da mídia é realizada por uma rede composta por organizações da sociedade civil ligadas a mulheres, grupos feministas, pesquisadores acadêmicos, estudantes, associações e sindicatos de jornalistas e grupos religiosos.
Em 2025, a coleta de notícias foi realizada em 6 de maio em mais de 100 países. Foram analisados veículos impressos, televisão, rádio e conteúdo de plataformas digitais em um dia considerado pelos pesquisadores como “comum” no jornalismo, sem grandes eventos que concentrassem atenção global.
Os acontecimentos que dominaram o noticiário em cada região foram o terremoto de magnitude 7,1 no Tibete, o impeachment da presidente sul-coreana Yoon Suk Yul e a Operação Sindoor da Índia no Paquistão (Ásia); a guerra civil sudanesa (África); a guerra na Ucrânia e as eleições na Alemanha (Europa); a guerra na Palestina (Oriente Médio); as eleições na Austrália (Pacífico); e a reeleição, as deportações e as tarifas de Donald Trump, e as eleições no Canadá (América do Norte).
Participação desigual por temas e formato
A participação das mulheres como fontes continua a se dar principalmente em papéis comuns, como provedoras de opinião popular e entrevistadas que prestam depoimentos oculares, tipo de presença que subiu 9 pontos percentuais em 10 anos.
A evidência do reconhecimento da expertise das mulheres pela mídia, apesar dos avanços que elas fizeram na sociedade contemporânea como profissionais e líderes ainda é escassa, demonstra o estudo.
Sem contabilizar reportagens sobre violência de gênero e de cultura ou celebridades, a presença feminina é maior em notícias sobre ciência e saúde (36%), com aumento de seis pontos em relação a 2020.
Já em áreas como política (22%) e economia (25%), os avanços foram modestos. Houve queda na representação em temas sociais e legais, com a participação de mulheres como personagens ou fontes recuando de 31% para 27%.
Mulheres de minorias ainda menos visíveis
Pessoas de grupos raciais, étnicos, religiosos e outros grupos minoritários representam seis em cada 100 pessoas vistas, ouvidas ou mencionadas nas mídias tradicionais e digitais em todo o mundo.
Dentre elas, mulheres representaram 38%. A probabilidade de uma mulher com espaço na mídia pertencer a um grupo minoritário é inferior a uma em 10, segundo o estudo.
A mídia norte-americana é a que mais se aproxima da paridade, com quatro em cada 10 assuntos e fontes sendo mulheres. A mídia asiática e do Oriente Médio fica no final, com apenas 19% de mulheres entre as pessoas vistas, ouvidas ou sobre as quais se fala nas reportagens.
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Violência de gênero recebe cobertura marginal
Pela primeira vez, o GMMP classificou notícias sobre violência baseada em gênero. Elas representam apenas 1,8% do total do noticiário global pesquisado.
Os temas principais foram estupro, feminicídio e assédio sexual. Menções a violência facilitada por tecnologia, tráfico de mulheres e mutilação genital feminina ocuparam menos espaço.
Apenas 13% dessas reportagens desafiam estereótipos de gênero. As notícias são mais frequentes em plataformas digitais do que em mídia tradicional, e tendem a ser assinadas por mulheres.
Entre jornalistas mulheres, quase 3% abordam o tema; entre homens, pouco mais de 2%.
No entanto, eles são as principais vozes em matérias sobre violência de gênero, figurando como destaque em mais da metade delas.
Pessoas com diversidade de gênero representam 0,4% dos personagens retratados e fontes, aparecendo em jornais e matérias publicadas na internet sobre violência de gênero facilitada pela tecnologia, assédio sexual/estupro/agressão sexual de mulheres e feminicídio.
Jornalistas mulheres incluem mais vozes femininas
As mulheres assinaram 41% das reportagens analisadas em 2025, avanço importante em relação aos 28% de 1995. Isso é uma boa notícia não apenas pelo reconhecimento de seu trabalho, mas por elas tenderem mais a abordar temas de gênero e a dar visibilidade a outras mulheres, ajudando a melhorar a representação.
A diferença de gênero entre repórteres na seleção de fontes variou entre 5 e 6 pontos percentuais ao longo dos 30 anos, exceto em 2015, quando foi de apenas 3 pontos percentuais. A diferença foi excepcionalmente grande durante a pandemia de Covid-19.
Em 2025, o gap voltou ao padrão histórico: 29% das pessoas citadas, entrevistadas ou retratadas como personagens principais nas reportagens feitas por jornalistas mulheres no dia pesquisado eram mulheres, contra 24% nos textos assinados por homens.
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Panorama na América Latina: avanço e retrocesso
A América Latina foi uma das regiões com melhor desempenho na participação de mulheres como repórteres em veículos tradicionais, com aumento de 14 pontos desde 2000.
No entanto, o ambiente digital mostrou retrocesso: a participação de mulheres como repórteres de veículos online caiu cinco pontos entre 2020 e 2025.
Estereótipos resistem ao tempo
Apenas 2% das notícias analisadas desafiam estereótipos de gênero, o menor índice em 30 anos de monitoramento.
O GMMP aponta que, apesar das campanhas de conscientização, os modelos jornalísticos ainda reforçam papéis tradicionais de gênero e resistem a incorporar representações equilibradas.
O que precisa mudar, segundo o GMMP
A vice-diretora executiva da ONU Mulheres, Kirsi Madi, resumiu a urgência:
“Sem as vozes das mulheres, não há história completa, não há democracia justa, segurança duradoura ou futuro compartilhado”.
O GMMP propõe um conjunto de recomendações estruturais para promover a igualdade de gênero na mídia:
- Mudar o foco de ações externas para transformações internas nas redações, incluindo liderança, cultura organizacional e decisões editoriais;
- Reformular as práticas jornalísticas, abandonando abordagens repetitivas que não se demonstraram eficazes;
- Tratar a igualdade de gênero na mídia como questão de segurança nacional, estabilidade democrática e econômica;
- Apresentar argumentos econômicos e institucionais que reforcem a importância da paridade de gênero;
- Integrar compromissos internacionais, como o Pacto para o Futuro da ONU e o Digital Compact;
- Estabelecer mecanismos de responsabilização, com metas, indicadores e auditoria de resultados em diversidade e inclusão;
- Investir em formação continuada sobre representação justa e inclusiva, voltada a jornalistas, editores e lideranças;
- Fortalecer redes de monitoramento e colaboração, incluindo universidades, sociedade civil e instituições de mídia.
A mensagem é clara: sem mudanças profundas, o jornalismo continuará a espelhar desigualdades em vez de combatê-las.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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