A OpenAI lançará em dezembro de 2025 um recurso no ChatGPT que permitirá a adultos com idade verificada gerar texto erótico e manter conversas românticas ou sexuais.
Plataformas de inteligência artificial (IA) como Replika e Grok já oferecem funções semelhantes, mas a entrada da OpenAI é um marco importante.
A empresa apresentou a novidade como uma forma de “tratar adultos como adultos”. Mas a iniciativa é também uma estratégia comercial para manter usuários conversando — e pagando.
A OpenAI consumiu mais de US$ 2,5 bilhões (cerca de R$ 14,3 bilhões) de seu caixa no primeiro semestre de 2024. O chat erótico promete o que investidores mais desejam: engajamento.
A plataforma Grok, de Elon Musk, cobra £30 por mês (aprox. R$ 210) pelos recursos de “companheiro erótico”.
Conteúdo erótico limitado a adultos, diz a dona do ChatGPT
Como outras big techs, a OpenAI afirma que restringirá o conteúdo erótico por verificação de idade e filtros de moderação. Em teoria, apenas adultos com idade verificada terão acesso a esses modos.
We made ChatGPT pretty restrictive to make sure we were being careful with mental health issues. We realize this made it less useful/enjoyable to many users who had no mental health problems, but given the seriousness of the issue we wanted to get this right.
Now that we have…
— Sam Altman (@sama) October 14, 2025
Na prática, tais sistemas são facilmente burlados. Adolescentes costumam contornar as “age gates”(barreiras de idade) com IDs emprestadas, selfies manipuladas ou deepfakes.
Eles podem enviar fotos de pessoas mais velhas, escanear imagens impressas ou usar contas descartáveis e VPNs para driblar a detecção.
Outras plataformas já mostraram o que pode dar errado.
O Grok permite criar “avatares de companheirismo erótico”, incluindo uma personagem de anime sexualizada chamada Ani. Uma investigação recente do Business Insider apontou que conversas com a Ani frequentemente evoluíam para trocas explícitas após estímulos mínimos.
Funcionários também relataram encontrar abuso sexual gerado por IA durante a moderação do avatar “namorador” do Grok, que pode “tirar a roupa sob comando” e alternar entre modos “sexy” e “descontrolado”.
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Intimidade emocional e risco para adolescentes
Chatbots eróticos não oferecem apenas sexo. Eles podem simular cuidado, carinho e atenção. Esse apelo emocional é poderoso — especialmente para jovens.
Pesquisa recente da ONG Internet Matters constatou que 67% das crianças entre 9 e 17 anos já usam chatbots de IA, e 35% dizem que “é como conversar com um amigo”.
Entre crianças vulneráveis, 12% afirmaram não ter “ninguém mais” com quem falar, e 23% usam chatbots para conselhos pessoais.
Adicionar recursos eróticos a esse contexto arrisca aprofundar a dependência emocional e distorcer a compreensão de intimidade, consentimento e relacionamentos.
As mesmas ferramentas de engajamento que prendem adultos podem explorar a solidão de jovens e sua necessidade de validação.
Jailbreaks: o calcanhar de Aquiles
Mesmo que funções eróticas fiquem tecnicamente liberadas só para adultos, grandes modelos de linguagem podem ser “jailbreakados” — induzidos a produzir conteúdo proibido.
Isso envolve prompts encadeados, enquadramentos de interpretação/role-play ou linguagem codificada para contornar as salvaguardas.
Usuários já desenvolveram formas de burlar filtros que normalmente impedem chatbots de gerar material explícito ou perigoso.
O modo erótico da OpenAI virá com um alinhamento ético especial para bloquear temas ilegais ou abusivos. Ainda assim, essas barreiras provavelmente serão tão vulneráveis a jailbreaks quanto quaisquer outras.
Uma vez gerado o material em texto, ele pode circular facilmente online, fora do controle de qualquer plataforma.
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Zonas cinzentas e lacunas legais
A IA erótica também expõe lacunas profundas de regulação. No Reino Unido, por exemplo, erotismo escrito é legal e não exige verificação de idade — ao contrário de imagens e vídeos pornográficos.
Isso cria uma brecha: conteúdo banido em sites adultos pode ainda ser gerado como texto por um chatbot.
As leis variam pelo mundo. Alguns países, como China e Estados do Golfo, proíbem material erótico. Outros têm aplicação fraca ou inconsistente.
O futuro AI Act da União Europeia deve classificar bots sexuais de companhia como “alto risco”, mas a implementação ainda está distante.
Enquanto isso, empresas podem ajustar seus “alinhamentos éticos” à vontade, fazendo com que o que hoje é proibido amanhã seja permitido.
Apesar de alegações de neutralidade, a IA erótica está longe disso. Algumas plataformas projetam seus companheiros majoritariamente como femininos, subservientes e sempre disponíveis.
O resultado é um ambiente digital que normaliza misoginia e ideias distorcidas sobre consentimento, especialmente entre meninos e jovens.
Mulheres e meninas já sofrem mais danos sexuais online. Elas são alvos de deepfakes não consensuais e abuso baseado em imagens — danos que a IA erótica pode tornar mais fáceis, rápidos e baratos de produzir.
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O que esperar do novo modo do ChatGPT erótico?
Esses temas seguem amplamente ausentes dos debates principais de política de IA. A IA erótica vem sendo construída de modo a privilegiar fantasias masculinas enquanto coloca mulheres e meninas em risco.
Ensina a uma geração de jovens ideias sobre mulheres que já deveriam ter sido abandonadas há muito.
A chegada de “companheiros eróticos” de IA soa como uma guinada em relação às tentativas da OpenAI de manter informações potencialmente nocivas longe dos usuários do ChatGPT.
O ambiente geral da IA erótica combina barreiras de idade frágeis, vulnerabilidade emocional, brechas legais e danos de gênero. O ChatGPT será diferente?
É provável que esses sistemas de proteção sejam quebrados. Que o conteúdo seja acessados por pessoas para as quais não foram concebidos — inclusive menores. E que os serviços venham a produzir conteúdo que testa ou cruza limites legais.
Antes que chatbots eróticos se tornem outra área não regulada da internet, governos, educadores e tecnólogos precisam agir.
Regulação é urgente.
Até lá, a IA erótica corre o risco de ampliar danos online existentes, com mulheres, meninas e outros usuários vulneráveis pagando o preço.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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