Após o encerramento da operação do LinkedIn na China, em outubro, o Yahoo decidiu também interromper todos os seus serviços de internet no país nesta segunda-feira (1/11), num ambiente marcado pela pressão do governo chinês para interferir na moderação de conteúdo em plataformas estrangeiras ainda permitidas pelo regime.

“Em reconhecimento ao ambiente jurídico e de negócios cada vez mais desafiador na China, o pacote de serviços do Yahoo não estará mais acessível da China continental a partir de 1º de novembro”, disse a empresa em um comunicado.

A empresa ressalta que os seus produtos digitais seguem disponíveis em outros países.

O endurecimento de leis relativas a informação e internet vem ocorrendo em uma verdadeira ofensiva do regime de Pequim, que tem aumentado a censura e regulação de conteúdo em redes sociais, punindo empresas e artistas, e também oprimindo fortemente quaisquer movimentos de oposição em Hong Kong, que vem assistindo ao fechamento de jornais, museus e à censura de filmes que, na visão governamental, são “ameaças à segurança nacional”.

Yahoo é “mais uma vítima” da pressão sobre plataformas americanas na China

Com mais esta retirada, a presença dos Estados Unidos (EUA) no mercado online da China hoje se resume a Apple, Microsoft, Google e Amazon em termos de sistemas operacionais e hardware, bem como marketing e serviços em nuvem necessários para empresas chinesas fora do país.

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Desde 2009 os usuários chineses já não têm acesso a Twitter, Facebook e YouTube, usando versões nacionais de redes sociais e aplicativos imensamente populares, como Weibo e WeChat, ao alcance da ingerência do governo.

O Yahoo reforçou a situação de censura e cerceamento do acesso à informação, afirmando em seu comunicado que “continua comprometido com os direitos de nossos usuários e com uma internet livre e aberta”.

Serviços do Yahoo, como artigos de notícias em línguas estrangeiras, permaneceram acessíveis na China até dias atrás, no final de outubro. O número de usuários restantes do Yahoo no país é desconhecido, embora seja geralmente considerado pequeno em comparação a plataformas online chinesas.

Usuários chineses ainda podem baixar dados pessoais de plataformas do Yahoo

A empresa, atuante na China desde 1999, fechou o último escritório no pais em março de 2015, quando sua operação de pesquisa e desenvolvimento em Pequim foi encerrada, após uma negociação que cedeu o controle das operações na China ao grupo Alibaba.

Serviços de notícias e comunidade na China já haviam sido encerrados em 2013, assim como o serviço de e-mail local — os produtos que ficaram disponíveis aos usuários chineses até o encerramento da operação têm sua gestão desempenhada fora do país asiático.

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Na segunda-feira, o aplicativo Weather do Yahoo, de previsão do tempo, as páginas de notícias e a versão chinesa do blog de tecnologia para consumidores Engadget não estavam disponíveis. O site chinês Engadget exibe apenas o anúncio do Yahoo sobre o não fornecimento de conteúdo no país.

Os usuários chineses ainda podem acessar o Yahoo Mail, o AOL Mail e o painel de privacidade para baixar seus dados de três endereços da web, de acordo com o anúncio da empresa.

O Yahoo é operado pela empresa homônima Yahoo!, que é 90% detida por fundos de investimento administrados pela Apollo Global Management e 10% pela Verizon Communications.

China cria conjunto de leis com “efeito mordaça” sobre a imprensa e as redes sociais

A empresa americana encerra seus serviços online restantes na China justamente no momento em que entrou em vigor mais uma lei com potencial de censura e invasão de privacidade, a Lei de Proteção de Informações Pessoais (PIPL).

Por meio do PIPL, incluída na Lei de Cibersegurança, que entrou em vigor em maio de 2017, e da Lei de Segurança de Dados, que foi implementada em setembro, a China possui uma série de medidas que restringem os fluxos de dados de plataformas estrangeiras no país e impõem a localização de informações.

A legislação se impõe ao compliance de empresas estrangeiras, que ao se negarem a colaborar com o governo chinês ficam sujeitas a sanções e multas pesadas.

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Companhias que não cumprirem as novas regulamentações de dados e privacidade, que permitem a interferência chinesa, podem ser multadas em até 5% do faturamento do último ano, e até mesmo ter as atividades de processamento de dados que acontecem fora da China estão sujeitas à jurisdição.

Yahoo mostra que leis da China são “gota d’água” para empresas dos EUA, diz especialista

James Lewis, chefe do programa de tecnologia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), centro de pesquisa sem fins lucrativos nos EUA, afirma que a lei de privacidade é, de certa forma, a “gota d’água” para as empresas americanas de rede social e conteúdo online que operam na China.

“Eles estão sendo expulsos da China, então é realmente uma questão de quando eles vai sair”, disse Lewis ao jornal South China Morning Post, acrescentando que apenas um punhado de empresas de tecnologia dos EUA obtém receita de empresas chinesas.

O especialista usa o exemplo do mercado de smartphones da China: o sistema operacional Android, do Google, e os iPhones da Apple ainda têm participação significativa, mas o horizonte para os negócios pode ser limitado, pois a política de tecnologia não oficial de Pequim “é tirar as empresas americanas da China e substituí-las por empresas chinesas”, afirma Lewis.

Yahoo fechou escritórios na China após negócio com grupo Alibaba

Além de sua presença em produtos digitais como página de busca a e-mail, o Yahoo também fez uma das apostas de maior sucesso na indústria de e-commerce: em agosto de 2005 investiu US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões na cotação atual) para adquirir uma participação de 40% na Alibaba Group Holding, hoje um gigante do comércio eletrônico mundial, além de controlar o jornal e site de notícias South China Morning Post.

Na mesma negociação, o Yahoo China foi totalmente adquirido pelo Alibaba Group.

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Anos depois, o fundador do Alibaba, Jack Ma, descreveu o “acordo simples” com o Yahoo como um marco para sua empresa. “A cooperação com o Yahoo foi muito importante para o crescimento do Alibaba”, disse Ma em 2013. “Se hoje eu tivesse a oportunidade de repensar, eu tomaria a mesma decisão”.

LinkedIn retira a rede social do mercado chinês, mas planeja produto para anunciar vagas

A Microsoft decidiu encerrar o LinkedIn na China após receber críticas da imprensa americana por ter bloqueado o perfil de jornalistas dos EUA para o público chinês, o que expôs uma possível colaboração entre a rede social e o esquema de censura do regime.

Ficou clara a pressão do governo para que a plataforma bloqueasse perfis de acadêmicos, ativistas e profissionais da mídia que escrevem sobre a China a partir de outros países.

O LinkedIn decidiu sair do país diante da repercussão negativa na mídia e críticas de entidades de defesa da liberdade de imprensa, como o CPJ (Comitê de Proteção de Jornalistas). 

Ao informar a saída, a rede também anunciou a intenção de voltar no fim de 2021 na forma de uma nova plataforma, chamada InJobs. Será um site de empregos, sem recursos que permitem aos usuários compartilhar artigos, ideias e opiniões.

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China Censura Rede Social Internet

O comunicado em que o LinkedIn explica a decisão de fechar de vez no país, assinado por Mohak Shroff, chefe de engenharia da empresa, refere-se indiretamente aos problemas com o governo, mas sem críticas diretas. 

“Embora tenhamos obtido sucesso em ajudar os membros chineses a encontrar empregos e oportunidades econômicas, não encontramos o mesmo nível de sucesso nos aspectos mais sociais de compartilhar e se manter informado.

Também estamos enfrentando um ambiente operacional significativamente mais desafiador e maiores requisitos de conformidade na China.”

A saída da China é um baque para o LinkedIn, que perde um de seus principais mercados. O número de usuários chineses cresceu rapidamente desde que a Microsoft o comprou em 2016, e é estimado em 54 milhões, atrás apenas dos Estados Unidos e Índia.

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