Londres – Dois dias antes de sua morte, a rainha Elizabeth cumpriu seu último compromisso oficial: uma reunião com a primeira-ministra eleita, Liz Truss, no castelo de Balmoral, na Escócia, onde durante 70 anos de reinado passou as férias e recebeu ocupantes do cargo de primeiro-ministro para encontros sociais durante o verão.
A cena com Truss, reproduzida pela mídia em todo o mundo por marcar a passagem da chefia de governo de uma das principais potências do planeta, foi diversas vezes repetida em seus 70 anos de reinado, em que conviveu com 15 primeiros-ministros. O primeiro deles, Winston Churchil, já estava no cargo quando ela subiu ao trono, em 1952.
Liz Truz foi a terceira primeira-ministra mulher a ser convidada pela rainha Elizabeth a formar um governo – as três eram do partido Conservador. Antes dela vieram Margaret Thatcher e Theresa May – que arrancou risos do Parlamento nesta manhã ao relatar seus encontros com a rainha.
Os primeiros-ministros da rainha Elizabeth II
Um vídeo produzido pelo canal The Royal Family no You Tube relembra com imagens históricas os primeiros-ministros que passaram pelo reinado de Elizabeth II, a maioria já falecidos.
Veja aqui a história de cada um deles
Winston Churchill (1951 a 1955)
Churchill foi primeiro-ministro do Reino Unido por duas vezes, a primeira durante a Segunda Guerra Mundial. Ele tinha 77 anos e estava no cargo em 1952 quando a jovem de 25 anos virou rainha com a morte do pai, George VI.
Alguns historiadores afirmam que ele não tinha confiança na herdeira do trono, mas se isso é verdade, nunca transpareceu.
E o experiente político pode ter ensinado boas lições à monarca, que sempre navegou com segurança no mundo da política britânica e internacional, dialogando com chefes de estado de pelo menos 117 países que visitou.
Os dois viraram amigos, unidos por paixões comuns, como pelos cavalos. A história registra que as audiências semanais, que fazem parte do protocolo, chegavam a durar duas horas.
Sob o reinado da rainha Elizabeth II, o primeiro-ministro Winston Churchill teve um derrame cerebral (em 1953) e renunciou ao cargo dois anos depois. Ela escreveu então uma carta carinhosa dizendo:
“Nenhum outro nunca poderia ocupar o lugar de meu primeiro primeiro-ministro, a quem tanto meu marido quanto eu devemos e por cuja sábia orientação durante os primeiros anos de meu reinado sempre serei tão profundamente grata”.
Quando ele morreu em 1965, a rainha quebrou o protocolo real e chegou ao seu funeral antes de sua família.
Sir Robert Anthony Eden (1955 a 1957)
Embaixador durante a Segunda Guerra Mundial, Eden assumiu o cargo após a saída de Churchill. A convivência do primeiro-ministro com Elizabeth II foi curta e marcada por turbulências.
Uma delas familiar, envolvendo o novidade da princesa Margaret, irmã da rainha, com o divorciado Peter Townsend. A outra foi a crise do Canal de Suez, que custou o cargo do político.
Harold Macmillan (1957 a 1963)
Macmillan lutou na Primeira Guerra Mundial e pensava sempre nos perigos de uma guerra nuclear, apoiando o banimento de testes nucleares juntamente com os soviéticos. Ocupou os cargos de Ministro do Interior, da Defesa, das Relações Exteriores e do Tesouro antes de se tornar primeiro-ministro sob o reinado de Elizabeth II em meio à crise de Suez.
Ao se encontrar pela primeira vez com a rainha, conforme registram matérias da época, ele disse achar que seu governo duraria seis semanas, mas acabou se estendendo por seis anos.
Em seus diários, o primeiro-ministro revelou-se impressionado com o conhecimento de assuntos internacionais por parte da rainha Elizabeth.
Alec Douglas-Home (1963-1964)
Home havia sido por duas vezes o Secretário Nacional de Relações Exteriores da Grã-Bretanha e fazia parte do mesmo círculo aristocrático da rainha Elizabeth. Ela já o conhecia quando ele assumiu o cargo para o mais curto mandato de um primeiro-ministro britânico no século 20.
Os dois gostavam de cães e ele teria dado o nome a alguns dos cavalos da monarca.
Harold Wilson (1964 a 1970 /1974 a 1976)
Quem o substituiu foi um político que veio do outro extremo do espectro político. Harold Wilson era do Partido Trabalhista, ao contrário de seus antecessores.
Os registros históricos dizem que ele foi hábil em mostrar à rainha Elizabeth a realidade dos súditos que não pertenciam às classes sociais mais abastadas e nobres.
Os dois tinham ótimo relacionamento, segundo os relatos da época. Ele se demitiu por discordar do fim da gratuidade no sistema público de saúde do país, determinado para levantar fundos para a Guerra da Coreia.
Edward Heath (1970 a 1974)
Heath foi um dos quatro primeiros-ministros do Reino Unido que nunca se casou. Foi parlamentar na Câmara dos Comuns pelo distrito londrino de Bexley por mais de 50 anos, sendo eleito 14 vezes consecutivas para o cargo.
Foi eleito deputado pela primeira vez em 1950. Sua maior conquista nos quatro anos como primeiro-ministro foi ter negociado, em 1973, a entrada da Grã-Bretanha na comunidade europeia.
Mas a história registra que foi um dos menos queridos pela rainha. Morto em 2005, ele foi investigado posteriormente por alegações de abuso sexual infantil envolvendo meninos.
James Callaghan (1976 a 1979)
Originário da classe operária e sem diploma universitário, Callaghan iniciou sua carreira pública ao se tornar dirigente sindical. Após a Segunda Guerra entrou no Partido Trabalhista e foi eleito deputado por Cardiff em 1945.
Ele foi Secretário de Estado e depois ministro de Finanças, Interior e Negócios Estrangeiros nos governos de Harold Wilson. Em 1976 substituiu Wilson como primeiro-ministro.
Três anos mais tarde, não resistiu à agitação social e à renovação conservadora protagonizada pela líder do Partido Conservador, Margaret Thatcher, para quem perdeu as eleições em 1979.
Dizem os analistas políticos e historiadores que Harold Wilson foi um dos primeiros-ministros favoritos da rainha, e Callaghan um dos menos admirados por ela, com um relacionamento considerado “difícil”.
Ele foi outro que elogiou o amplo conhecimento geral da rainha Elizabeth, descrevendo-a como “sem dúvida uma das pessoas mais bem informadas do mundo”.
Margaret Thatcher (1979 a 1990)
Thatcher foi a primeira-ministra com o maior período no cargo durante o século 20 e a primeira mulher a ocupá-lo. Era conhecida como ‘Dama de Ferro’. Como primeira-ministra, implementou políticas que passaram a ser conhecidas como Thatchereismo.
Diferentemente do que se poderia imaginar com duas mulheres dividindo a liderança do país, uma como chefe de Estado e outra de Governo, as duas não se tornaram próximas. O relacionamento era formal e distante.
Dizem as más-línguas que a sempre elegante rainha se referia à primeira-ministra como “aquela mulher”.
Nesta foto, parece que as duas estão se estranhando, embora provavelmente seja apenas coincidência do momento capturado pelo autor da imagem.
Como mostram os seriados e documentários, Thatcher era uma mulher simples, que cozinhava o jantar em casa. Um de seus biógrafos, Charles Moore, relatou que ela não se sentia à vontade com o protocolo real e achava os prestigiados convites para passar dias no castelo de Balmoral “uma perda de tempo”.
Os relatos são de que a rainha se incomodava com a forma de a primeira-ministra debater assuntos governamentais, como se estivesse dando um sermão. Mas foi ela a conduzir o país num momento histórico marcante do reinado de Elizabeth II, a Guerra das Malvinas.
John Major (1990 a 1997)
Político conservador, sucedeu Margaret Thatcher no cargo de primeiro-ministro do Reino Unido. Durante seu mandato, Elizabeth II enfrentou a crise do fim do casamento de Charles e Diana, ao mesmo tempo em que o país entrou na Guerra do Golfo, novamente tempos difíceis em família e para o país.
A rainha chamou 1992 – quando ss casamentos de três de seus filhos chegaram ao fim e um incêndio devastou o Castelo de Windsor – seu “annus horribilis”.
Major a descreveu como “compassiva, perspicaz, bem informada, pragmática e sábia”. Ele disse que ela fez “perguntas bem direcionadas… que qualquer primeiro-ministro seria tolo se não considerasse com cuidado”.
Em meio às tensões sobre Diana, ele afirmou:
“A rainha, longe de estar isolada de seu povo, está muito ciente das mudanças na opinião pública – na verdade, muitas vezes à frente dela”.
Tony Blair (1997 a 2007)
Líder do Partido Trabalhista de 1994 a 2007 e membro do Parlamento Britânico de 1983 a 2007, Blair não começou como um dos favoritos.
Ao recebê-lo pela primeira vez, Elizabeth II parece ter deixado a tradicional elegância de lado, lembrando que ele tinha apenas um mês de idade quando ela foi coroada, e que havia inaugurado seu reinado com o lendário Churchill como primeiro-ministro – nada animador para o novato no cargo.
Ela também nunca o chamou pelo diminutivo, Tony.
Por outro lado, ele não economizou comentários sarcásticos sobre o ambiente nas temporadas em Balmoral, que descreveu como “uma combinação de intrigante, surreal e totalmente esquisito”. Mas ressaltou que a realeza era acolhedora mesmo assim.
Gordon Brown (2007 a 2010)
Blair renunciou e foi sucedido por outro líder trabalhista, Gordon Brown, a quem a rainha seria mais simpática. Uma curiosidade quando ele deixou o governo é que Elizabeth II o recebeu para a audiência de despedida acompanhado da mulher e dos filhos, quebrando o protocolo.
Ele perdeu as eleições gerais de 2010, devolvendo o governo para as mãos do Partido Conservador depois de 13 anos de governos trabalhistas.
David Cameron (2010 a 2016)
Cameron foi o mais jovem primeiro-ministro e uma os autores de uma das maiores gafes públicas envolvendo a rainha. Em uma conversa com o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, ele disse que a Elizabeth II “ronronou” ao ouvir que a Escócia tinha votado para continuar parte do Reino Unido no plebiscito.
Ele foi forçado a se desculpar, dizendo que estava “muito envergonhado” e “extremamente arrependido” por sua escolha de palavras.
O episódio pode ter azedado um relacionamento que tinha tudo para ser favorável, pois David Cameron já conhecia a rainha quando assumiu a chefia do governo. Ele estudou na mesma escola de um dos filhos dela, o príncipe Edward.
E foi em seu governo que o Reino Unido realizou o plebiscito que decidiu pela saída do país da União Europeia.
A rainha nunca se manifestou oficialmente sobre o Brexit. Mas o resultado fez com que Cameron renunciasse, abrindo caminho para a terceira mulher primeira-ministra do reinado de Elizabeth II.
Theresa May (2016 a 2019)
Theresa May dirigiu o governo na fase crucial do Brexit, sendo responsável por costurar o acordo de saída com a União Europeia e aprová-lo no Parlamento. Uma missão que se revelou impossível e acabou lhe custando o cargo para Boris Johnson, depois de uma renúncia em que deixou o cargo às lágrimas.
Na sessão parlamentar em homenagem à rainha nesta sexta-feira (9), May arrancou gargalhadas dos parlamentares e dos milhões de espectadores colados na TV britânica desde que o estado de saúde da rainha se agravou, no meio do dia de quinta-feira.
Ela lembrou a longevidade da monarca:
“Ela conhecia muitos dos líderes mundiais. E em alguns casos, ela conhecia seus pais”.
May então contou uma anedota sobre um dos sonhos de seu marido, sob risos dos que conheciam o fim da história:
“Ele sonhou que estava sentado na traseira de um Range Rover trafegando por Balmoral.
“A motorista era Sua Majestade, a Rainha e o banco do passageiro estava ocupado por sua esposa, a primeira-ministra.
E então ele acordou e percebeu que era realidade”.
Boris Johnson (2019 a 2022)
Johnson foi outro que começou mal o relacionamento com a rainha Elizabeth, revelando à imprensa detalhes da conversa que tiveram quando foi recebido na audiência inicial, erro fatal para o padrão discreto da monarca.
Seu mandato foi marcado pela saída do Reino Unido da União Europeia, pela covid-19 e por episódios que custaram sua renúncia. Um deles foi o escândalo Partygate, nome escolhido para denominar a série de encontros sociais quebrando as regras de isolamento social da pandemia criadas pelo próprio governo.
Uma delas, que revoltou o país, aconteceu na véspera do velório do príncipe Philip, em que a rainha teve que ficar sozinha no banco da igreja por respeitar as regras que os assessores próximos do primeiro-ministro resolveram ignorar.
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Figura midiática, Boris Johnson deixou de ser primeiro-ministro dois dias antes de a rainha morrer, e dessa forma não vai ser o chefe de governo a conduzir as cerimônias oficiais do sepultamento, missão confiada à terceira primeira-ministra mulher do reinado de Elizabeth II.
Liz Truss (setembro de 2022)
Não há como saber como seria o relacionamento de Elizabeth II com Liz Truss. O primeiro encontro entre as duas foi amigável, e mostrou uma rainha frágil, que dois dias depois morreria no mesmo local onde a reunião aconteceu, o castelo de Balmoral.
A primeira-ministra entra para a história como a protagonista do último compromisso oficial da monarca.
Por uma ironia do destino, a chefia de Governo e de Estado britânicos mudaram de mãos na mesma semana. As audiências semanais do primeiro-ministro serão agora com o rei Charles III, e uma nova história começa a ser escrita.
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