Há quase um ano o coronavírus contagiou o noticiário, deixando em segundo plano outras pautas relevantes. A mudança climática foi uma delas.

Mas mesmo antes da Covid, dois jornalistas americanos, Mark Hertsgaard e Andrew McCormick, já achavam que a imprensa deveria cobrir mais e melhor a emergência climática. E criaram em 2019 uma uma rede global de veículos comprometidos a intensificar e aprimorar cobertura ambiental.

Dois anos depois, a Covering Climate Now reúne mais de 400 jornais, revistas, emissoras de TV, sites e agências de notícias, com uma audiência combinada de 2 bilhões de pessoas. Fazem parte veículos como Bloomberg, France Presse, CBS, NBC, Reuters, BuzzFeed, Newsweek, Liberation, La Repubblica e El País. E o MediaTalks by J&Cia acaba de se tornar um deles.

A ideia da rede é simples, eficiente e altruísta. Os membros colocam à disposição algumas de suas matérias, vídeos e imagens para republicação sem cobrança de direitos autorais. E ganham o direito de reproduzir eles próprios conteúdo dos parceiros, o que abre um imenso leque de oportunidades, oferecendo a quem participa um acervo de altíssima qualidade jornalística.

Ao ser aceito como membro da Covering Climate Now, o MediaTalks by J&Cia passa não apenas a publicar artigos sobre jornalismo ambiental produzidos pela própria organização e por veículos que integram a rede, em uma tag dedicada, mas também assume a missão de incentivar veículos brasileiros a aderirem a essa iniciativa.

Nossa curadoria vai privilegiar conteúdo voltado para jornalistas, como orientações para cobrir melhor o tema, resumos de seminários e dicas de pautas levantadas pela CCNow. E ajudar os veículos que estiverem interessados em aderir à iniciativa a tornar-se parte do compromisso.

Com Joe Biden, chances reais de o mundo afastar-se da catástrofe climática

Mark Hertsgaard e Andrew McCormick, cofundadores da CCNow, estão animados com 2021. Em um artigo sobre o que esperar deste ano, primeiro publicado aqui no MediaTalks by J&Cia com parte do acordo firmado, eles disseram que, com Biden dando sinais de que tratará a questão ambiental de forma diferente do seu antecessor na Presidência americana, a humanidade entrou em 2021 com uma chance real de afastar-se da catástrofe climática.

Os jornalistas fizeram um chamado eloquente aos colegas ao redor do globo, propondo como resolução de ano novo redobrar o compromisso com a cobertura sobre o clima.

Eles defendem que toda redação deve aprofundar conhecimentos sobre a questão ambiental − de repórteres e editores a redatores de manchetes e equipes de mídia social. Exatamente o que ocorreu na crise do coronavírus, que levou profissionais de todas as áreas a aprender sobre saúde e ciência.

No artigo falam também da necessidade de suavizar a abordagem técnica e científica, tentação difícil de resistir diante de tantos dados e pesquisas. Hertsgaard e McCormick lembram que a mudança climática é acima de tudo uma pauta sobre vidas humanas.

E lembram que o Brasil é um ator importante no cenário, merecendo um jornalismo robusto para cobrar responsabilidades dos que destroem o meio ambiente.

Consenso científico ou opinião?

Ainda que o jornalismo tenha absorvido o consenso científico sobre mudança climática, a cobertura esbarra às vezes na delicada seara da liberdade de expressão. É legítimo abrir espaço para quem discorda da existência ou da gravidade da crise ambiental?

O dilema “publicar ou não publicar”, sobre o qual escreveu o professor Denis Muller, da Universidade de Melbourne, aplica-se à perfeição. Embora não aborde especificamente a questão do clima, ele defende o direito de não noticiar algo em caso de risco à sociedade.

Mas o problema pode não estar somente nas mãos de quem escreve e edita matérias. Em um artigo no portal acadêmico The Conversation, Sarah Coen, professora de psicologia de mídia da Universidade de Salford e ativista ambiental, fez uma observação sobre a presença de vozes dissonantes na mídia.

Ela aponta que embora o consenso científico esteja consolidado na imprensa, estudos identificam vozes céticas em artigos de opinião ou editoriais, sobretudo em veículos alinhados à direita.

O malabarismo para respeitar a liberdade de expressão em um assunto científico pode levar a constrangimentos, como o que envolveu a BBC ano passado, citado pela professora. Ao responder a uma reclamação sobre a posição manifestada pelo apresentador de rádio Justin Webb sobre a emergência climática, classificada por ele como uma questão de opinião, a emissora escorregou.

Escreveu em um comunicado que, “embora haja consenso sobre a existência de mudanças climáticas causadas pelo homem, a noção de emergência climática é objeto de algum debate”. Resultado: o comunicado acabou sendo objeto de alguma controvérsia nas redes sociais. E serviu para alimentar os que não perdem a chance de alfinetar a BBC por parcialidade.

 

Corporações em alerta

A questão ambiental não será este ano um desafio apenas para redações. O mundo corporativo deve estar preparado para uma retomada da atenção sobre a performance ambiental das empresas, com determinadas indústrias cada vez mais expostas.

Isso porque em algum momento a cobertura sobre a Covid deve arrefecer, permitindo aos bem organizados grupos de pressão retomarem suas ações públicas. E em novembro − se a Covid permitir − tem a COP26, conferência promovida pelas Nações Unidas em Glasgow. Ela vai reunir líderes mundiais e os maiores especialistas em clima. E devolver à questão ambiental a primazia de pauta dominante. Se a Covid permitir…