A Europa real não é só a que aparece em cartões-postais e selfies de turistas, aparentemente sem os mesmos problemas que afetam outras regiões do mundo, como mostra uma coletânea exibida em um festival de fotografia europeia realizado pela Fondazione Palazzo Magnani, na Itália.
As imagens produzidas por fotógrafos contemporâneos revelam questões universais que também estão presentes na região, como migração, direitos humanos, feminismo, ameaças ambientais e as raízes do conflito territorial que levou a uma guerra que já dura mais de um ano.
Um dos ensaios premiados é o da ucraniana Yelena Yemuchuk, fascinada desde criança pela cidade de Odessa, localizada na Crimeia disputada por Rússia e Ucrânia.
Conflitos na Europa contemporânea
Yemchuk começou a fotografar a cidade em 2015, um ano depois que a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia.Ela registrou imagens de jovens da Academia Militar de Odessa, quando combates aconteciam na fronteira oriental do país.
Embora a intenção inicial fosse documentar os rostos dos jovens indo para a luta, a fotógrafa percebeu a importância de dar mais contexto às suas vidas, retratando-as fora do combate.
Migrações do passado e do presente na Europa
Portugal: desconstrução do preconceito
Em “A Ilha”, Mônica de Miranda procura desconstruir preconceitos enraizados na sociedade portuguesa, valorizando a participação de homens e mulheres de origem africana que viveram e vivem em Portugal.
Sob uma perspectiva feminina negra, o trabalho conta histórias que desafiam as convenções patriarcais e questiona noções padronizadas de identidade baseadas em categorias de raça e gênero.
Itália: visões opostas dos dois lados da fronteira Bilateral, por Samuel Gratacap
O projeto de Samuel Gratacap, Bilateral, aborda a paisagem vista dos dois lados da fronteira – o sul da Itália e os Alpes pela ótica dos que tentam atravessá-la.
“É em um clima social de desconfiança que tenho procurado fotografar e ouvir as pessoas, que atravessam ou tentam transpor fronteiras”.
“Mas o desafio desse trabalho é também representar aqueles que lutam para tornar o mundo menos violento, mobilizando-se nos lugares onde vivem, como forma de reparar a violência”.
França: Do mar para a terra
Distanciando-se da fotografia documental, Cédrine Scheidig lança um olhar subjetivo e poético sobre os jovens da França e da Martinica.
A artista explora as narrativas pessoais da juventude na diáspora em seu processo de autodescoberta, ao mesmo tempo em que abre espaços de reflexão sobre temas políticos como o passado colonial, a dualidade cultural, a masculinidade modernas e a migração.
Turquia: Mudanças na sociedade
Adeus, por Jean-Marc Caimi e Valentina Piccinni
“‘GüleGüle’ (Adeus em turco), de Jean-Marc Caimi e Valentina Piccini, é um relato pessoal de Istambul e das dramáticas mudanças que estão ocorrendo na cidade e na sociedade turca contemporânea.
Uma das imagens é a de uma menina refugiada síria em Tarlabasi. Ela perdeu os pais durante a guerra e foi levada para Istambul por alguns amigos da família, que agora cuidam dela.
A gentrificação, a situação crítica de classes sociais vulneráveis, a crescente discriminação contra a comunidade LGBTQ+, o afluxo maciço de refugiados sírios e a endêmica questão curda são apenas algumas das realidades por trás dos temas retratados, explicam os autores.
“Em Istambul, a poluição do ar atingiu o nível mais alto dos últimos anos, principalmente nos distritos de Yenibosna, Kadıköy e Esenyurt, devido aos efeitos do transporte, do uso do carvão e da transformação urbana”.
Resgatando identidades da Europa
Itália: reconstrução da identidade cultural
Olhos Paralelos, de Alessia Rollo, é um projeto multimídia que se propõe a chamar a atenção para a construção da identidade cultural do sul da Itália em termos visuais e sociológicos, deixando para trás estereótipos que geraram a crença de uma sociedade arcaica e primitiva.
O projeto combina materiais de arquivo histórico e fotografias produzidas pela artista, modificadas por meio de técnicas analógicas e digitais, para mostrar como rituais de um mundo mágico e festivo.
Reino Unido: o que é ser britânico?
O fotógrafo Simon Roberts explora desde 2007 eventos e lugares em toda a Grã-Bretanha que aproximam as pessoas, reunidas no projeto Merri Albion.
Um deles é o Broadstairs Dickens Festival, criado em 1937 para comemorar o centenário do nascimento do escritor Charles Dickens. É realizado anualmente em junho, e só deixou de acontecer nos anos da Segunda Guerra Mundial.
Os eventos incluem degustação de gim em um palácio vitoriano, um baile e um piquenique na praia em trajes de banho típicos.
Roberts retratou também pessoas caminhando nas falésias Seven Sisters. O local, entre a costa de Seaford e Eastbourne é um símbolo da Grã-Bretanha.
“Os penhascos representam para muitos, uma fronteira entre terra e mar, alto e baixo, entre a Grã-Bretanha e o mundo exterior”, diz o fotógrafo.
A Europa que protesta
Polônia: Ativismo social
Você nunca andará sozinho, por Joanna Musiał, Rafał Milach e Wojtek Radwański
Em “Você Nunca Andará Sozinho”, Joanna Musial, Rafal Milach e Wojtec Radwanski documentam o ativismo social e as iniciativas que se opõem às decisões políticas e às violações das normas democráticas e dos direitos humanos, “um alerta contra o populismo e a discriminação”, dizem.
Um desses momentos foi a greve de mulheres protestando contra a proibição quase total do aborto, em Varsóvia. As fotos mostram o protesto de outubro de 2020.
Leia também | Série retratando crise na Venezuela vence prêmio internacional de fotojornalismo; veja imagens
França: catadores de plantas silvestres e autodescoberta dos jovens
O ouro das ruínas, por Geoffroy Mathieu
Explorando um modo alternativo de subsistência em áreas suburbanas, o fotógrafo seguiu os personagens que buscam produtos naturais nas bordas de áreas cultivadas ou em terrenos baldios.
“Aqui, amoras, cerejas, cogumelos, plantas aromáticas ou plantas medicinais como a artemísia podem ser colhidos por pessoas sozinhas, em grupo ou em família”.
Mulheres da Europa contemporânea
Em dias claros você pode ver a Europa, por Myriam Meloni
O trabalho de Myriam Meloni constrói um retrato da ‘Europa contemporânea’ mostrando mulheres jovens, autônomas e profissionais.
Vivendo entre Barcelona e Tânger, a fotógrafa faz uma representação crítica sobre a contaminação cultural, enfatizando o diálogo dessas jovens que ‘da margem, em dias claros, olham a Europa’.
Albânia: a queda de um regime
Grande Pai, por Camila de Maffei
Camilla de Maffei, ganhadora do European Photography Open Call 2023, apresenta ‘Grande Pai’, um projeto de longo prazo que, a partir do caso particular da Albânia, convida à reflexão sobre a relação global entre o indivíduo, a sociedade e os poderes dominantes.
“O colapso do regime, simbolizado pela demolição da estátua de Enver Hoxha na Praça Skanderbeg, em 20 de fevereiro de 1991, confrontou os albaneses com a liberdade que eles ansiavam por décadas, mas também os deixou com um vazio enorme”.
O processo de investigação, iniciado em 2018 em colaboração com o jornalista Christian Elia, proporciona uma imersão na Albânia contemporânea e visa explorar as implicações e consequências da ascensão e queda de um regime totalitário após 45 anos.
As imagens foram publicadas com autorização da organização do Festival Fotografia Europea e não podem ser reproduzidas.
Leia também | Paisagens, natureza e arquitetura pelas lentes do iPhone: veja fotos premiadas em concurso internacional