Londres – O jornalista iraniano Pouria Zeraati, apresentador do canal de TV Iran International, foi esfaqueado nesta sexta-feira quando saía de sua casa, no sul de Londres, para ir trabalhar. Ele foi internado para tratar os ferimentos e não sofre risco de morte.
O canal, baseado em Londres, é crítico feroz do regime do Irã e fez uma extensa cobertura dos protestos que convulsionaram o país após a morte da jovem Mahsa Amini. Ela havia sido presa pela polícia moral por uso indevido do véu.
O ato acontece na sequência de ameaças que levaram a Iran International a transferir suas operações para Washington durante seis meses em 2023, depois de alertada pela Scotland Yard sobre um plano para matar dois de seus apresentadores, que seria executado por membros da Guarda Revolucionária do Irã.
Jornalista esfaqueado em Londres não era um dos ameaçados
Pouria Zeraati, que apresenta o programa Last Word da Iran International, não estava entre os apontados como alvo do plano de assassinato revelado pelas autoridades britânicas na época. Os jornalistas visados eram Fardad Farazhad e Sima Sabet.
Em fevereiro de 2023, após a prisão de um homem nos arredores da redação, a Iran International deixou seu antigo prédio e retornou a Londres em setembro em um outro local mais protegido, seguindo orientações de segurança da Scotland Yard. O homem foi condenado a três anos e meio de cadeia.
O ataque a Pouria Zeraati está sendo investigado por forças antiterrorismo, conforme comunicado da Sctotland Yard:
Devido à ocupação da vítima como jornalista numa organização de comunicação de língua árabe com sede no Reino Unido, juntamente com o fato de ter havido uma série de ameaças dirigidas a este grupo de jornalistas nos últimos tempos , o incidente está sendo investigado por oficiais especializados do Comando Contra Terrorismo da Polícia Metropolitana.”
Em fevereiro deste ano, o Reino Unido aplicou sanções a uma unidade da Guarda Revolucionária Islâmica e a sete pessoas acusadas de “ameaça representada pelo regime do Irã, que procura exportar a repressão, o assédio e a coerção contra jornalistas e defensores dos direitos humanos”.
Os atingidos pela medida são membros da Unidade 840 do Corpo da Guarda Revolucionária (IRGC, na sigla em inglês), que tinham sido denunciados em dezembro em uma reportagem investigativa da emissora ITV como responsáveis pelo plano de assassinato.
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Sindicato de Jornalistas condena atentado
O Sindicato Nacional de Jornalistas do Reino Unido condenou o ataque ao jornalista Pouria Zeraati. Michelle Stanistreet, secretária geral do NUJ, disse em nota:
“Este ataque covarde é profundamente chocante e nossos pensamentos estão com ele, sua família e todos os seus colegas da Iran International. Esperamos que ele recupere rapidamente… este esfaqueamento brutal irá inevitavelmente levantar receios entre os muitos jornalistas visados da Iran International e do serviço persa da BBC de que não estão seguros em casa ou no seu trabalho.”
O Sindicato lembrou que o ataque surge após revelações no mês passado de que jornalistas que viviam e trabalhavam no Reino Unido foram julgados e condenados à revelia pelo Tribunal Revolucionário de Teerã sob a acusação de “propaganda contra a República Islâmica”.
Todos os condenados desconheciam completamente que o processo secreto havia ocorrido até que as revelações foram tornadas públicas em vazamentos de um grupo de hackers, disse a organização.
A Foreign Press Association de Londres também divulgou nota sobre o ataque, expressando preocupação com o risco de as ameaças intimidarem os profissionais da Iran International e de outros veículos dissidentes que atuam no Reino Unido.
Na nota em que anunciou a abertura de investigações sobre o jornalista esfaqueado, a Scotland Yard de Londres informou estar também em contato com outros veículos de imprensa em língua árabe para fornecer aconselhamento de segurança.
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Como as ameaças aos apresentadores da TV do Irã foram reveladas
A Iran International transmite programação 24 horas por dia e é assistida por um público estimado por ela em mais de 30 milhões de pessoas, entre a população iraniana que consegue acessá-la via internet e a diáspora global.
Os detalhes sobre as ameaças aos dois apresentadores, que levaram a emissora a se exilar temporariamente em Washington, foram revelados em um programa da rede britânica ITV.
Segundo a investigação da ITV, o plano de assassinato foi frustrado porque o homem contratado para fazer o trabalho era um “agente duplo” que trabalhava para uma agência de inteligência ocidental. Ele passou as informações sobre o caso para a emissora.
A reportagem afirma que o complô foi encomendado por Mohammad Reza Ansari, o comandante do IRGC encarregado de assassinatos fora do Irã, um dos que recebeu sanção do governo britânico. Ele estaria baseado na Síria e teria ligações com a família de Bashar al-Assad.
De acordo com a ITV, Ansari contratou e orientou o assassino por meio de outro homem ligado a Assad, Mohammad Abd al-Razek Kanafani, exigindo primeiro que usasse um carro-bomba para atingir a redação.
Depois que a proteção policial foi reforçada no local, a encomenda mudou para uma forma ‘silenciosa’ de matar os alvos: “simplesmente esfaqueie-os com uma faca de cozinha” – mesma arma usada agora no ataque a Pouria Zeraati.
O valor para o trabalho seria de US$ 200 mil, e os dois apresentadores a serem assassinados receberam o apelido de “a noiva e o noivo”. A ITV obteve gravações de vídeo e mensagens de texto relacionadas ao plano.
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