A Universidade de Harvard está processando o governo de Donald Trump por sua tentativa sem precedentes de proibir alunos estrangeiros.

No mais recente ataque, o governo anunciou o cancelamento de todos os recursos federais destinados à instituição, totalizando US$ 100 milhões.

Embora um juiz federal tenha bloqueado temporariamente a ordem de proibir estudantes estrangeiros, muitos observadores estão expressando, profunda preocupação com as ramificações globais da batalha sobre a reputação dos EUA.

A contribuição dos estudantes estrangeiros para Harvard

Tenho uma visão pessoal do caso. Durante a última década, dei aulas todos os anos em um curso sobre globalização na escola de verão de Harvard.

Embora 27% do corpo discente de Harvard seja internacional, meu curso – devido ao seu foco tópico – atrai um número significativo de estudantes internacionais, muitos de economias emergentes.

Como pude testemunhar diretamente, esses alunos contribuem enormemente para a experiência em sala de aula.

Seus insights, moldados por contextos nacionais distintos, ampliam a discussão e uma maior compreensão para todos — estudantes internacionais e nacionais.

Sem eles, a sala de aula não é apenas mais silenciosa; é mais pobre em perspectiva.

No entanto, minha preocupação com a última tentativa de Trump de colocar um alvo político nas costas de Harvard se estende além dos estudantes estrangeiros. 

Durante séculos, Harvard e inúmeras outras instituições líderes de ensino superior dos EUA receberam estudantes internacionais em seus campi.

Isso não é puramente um ato altruísta. Esses estudantes são uma bênção para os EUA em casa e no exterior. Aqui está o porquê.

Consequências da proibição de alunos estrangeiros em Harvard por Trump

1. Disseminando a democracia

As universidades não são apenas um importante impulsionador econômico para os Estados Unidos. Eles também são um reflexo de seus valores democráticos.

Os estudantes que frequentam Harvard e universidades semelhantes, especialmente aqueles de democracias externas, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), geralmente retornam aos seus países nativos depois de receberem seus diplomas prontos para fazer a diferença na política nacional.

Uma pesquisa que fiz sugere que isso pode ajudar a promover a democracia em partes autocráticas do mundo.

Devido à socialização dentro e fora da sala de aula, os alunos que frequentam universidades ocidentais e se tornam líderes nacionais são mais propensos a abraçar valores democráticos. E líderes altamente educados também tendem a aumentar o crescimento econômico.

Líderes com impacto positivo no mundo

Conexões pessoais que eles forjaram no Ocidente também os ligam a redes internacionais que são pró-democracia.

Um exemplo: Ellen Johnson Sirleaf, a ex-presidente da Libéria, frequentou a Harvard Kennedy School, depois passou a servir como chefe de seu país de 2006 a 2018.

Como a primeira mulher eleita chefe de Estado na África, Sirleaf ganhou o prêmio Nobel da paz em 2011 por seus “esforços não violentos para promover a paz e sua luta pelos direitos das mulheres”.

2. Projetando soft power

As melhores universidades dos EUA também são um componente crucial do que o falecido cientista político de Harvard Joseph Nye chamou de “soft power”.

O poder suave [em tradução livre] significa a influência global de nações ocidentais, como os EUA,  sem uso de balas e tanques. É uma abordagem para as relações exteriores que projeta a cultura dos EUA ao conquistar “corações e mentes”.

Harvard não é apenas uma das principais marcas no ensino superior dos EUA – é uma das principais marcas dos EUA.

De forma mais geral, as universidades americanas dominam as tabelas de classificação internacionais, como o QS World Rankings, onde dez das 25 melhores escolas estão sediadas nos EUA. Isso torna as universidades embaixadoras-chave para os EUA.

Há uma razão pela qual Harvard atrai estudantes de mais de 140 países. Sua reputação de excelência acadêmica, combinada com sualíderança mundial em pesquisa em áreas tão diversas quanto a cura de doenças neurogenerativas para melhorar a mobilidade econômica, a tornam um ímã para os alunos que querem estar entre os melhores e mais brilhantes.

3. Impulsionando a economia dos EUA

Muitos alunos estrangeiros das principais universidades dos EUA se tornaram empreendedores ou seguiram carreiras em áreas de ponta em empresas como Apple, Google e Meta, ocupando vagas para ss quais há escassez de talentos no mercado de trabalho dos EUA.

O mundo executivo nos EUA também está cheio de líderes que já foram estudantes internacionais no país.

O CEO da Tesla, Elon Musk, que estudou na Universidade da Pensilvânia, e o CEO da Microsoft, Satya Nadella, que estudou na Universidade de Chicago, são dois exemplos reconhecidos.

De acordo com um relatório da National Foundation for American Policy, aproximadamente 25% das empresas americanas avaliadas em pelo menos um bilhão de dólares tinham um fundador que estudou em uma universidade dos EUA como aluno estrangeiro. 

Também é importante observar que os estudantes estrangeiros são mais propensos a pagar taxas de matrícula muito mais altas do que os estudantes americanos.

Esses dólares subsidiam a programação acadêmica e estudantil para estudantes nacionais, permitindo que organizações como Harvard mantenham seus reconhecidos altos padrões.

Dados recentes da Associação de Educadores Internacionais mostram que estudantes internacionais em faculdades e universidades dos EUA “contribuíram com  US$ 43,8 bilhões para a economia dos EUA durante o ano acadêmico de 2023-2024 e apoiaram mais de 378 mil empregos”.

Uma batalha de poder 

Mas, diz o editor da revista The Economist nos EUA, John Prideaux, toda essa batalha é realmente em torno de poder.

“Se você se levantar contra a administração Trump, eles virão atrás de você.”

O ex-presidente de Harvard, Larry Summers, disse que a proibição de alunos estrangeiros “seria devastadora, não apenas para a universidade, mas para a imagem dos Estados Unidos no mundo, onde nossas universidades em geral, e Harvard em particular, têm sido um farol”.

A reputação das universidades dos EUA em todo o mundo é especialmente vital hoje, já que a política externa “América em primeiro lugar” de Trump sinaliza uma descida rumo ao isolacionismo beligerante.

À medida que os EUA se isolam do mundo e seu presidente ataca instituições multilaterais e mostra falta de respeito pelos aliados, essa última luta com Harvard pode corroer ainda mais a imagem internacional dos EUA.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons