Covering Climate Now
Mark Hertsgaard

Na próxima semana, o Congresso americano vai receber os CEOs das quatro maiores companhias da indústria petrolífera, em um audiência crucial para a crise climática.

O jornalista americano Mark Hertsgaard, diretor executivo da coalizão global Covering Climate Now (da qual o MediaTalks faz parte), analisa como este pode ser um momento em que essas empresas passem a responder diretamente pela contribuição dos combustíveis fósseis para as mudanças climáticas, assim como a indústria tabagista foi responsabilizada pelo seu impacto no sistema de saúde.


O executivo Darren Woods enfrentará no dia 28 de outubro um momento que pode lembrar o dia do Juízo Final diante dos parlamentares americanos.

Como CEO da ExxonMobil, Woods recebeu US$ 15,6 milhões (RS 88,8 milhões) no ano passado para dirigir a mais rica e poderosa empresa privada de petróleo da história. 

Mas seus ganhos e influência estarão em jogo quando ele comparecer perante o Comitê de Supervisão e Reforma da Câmara. Seu depoimento pode marcar o início do fim da fuga das grandes petrolíferas da responsabilidade legal e financeira pela crise climática.

Juntando-se a Woods, presumindo que todos eles apareçam sem serem obrigados por intimações, estarão os chefes de três outras empresas petrolíferas gigantes: Michael Wirth da Chevron, David Lawler da BP (British Petroleum) e Gretchen Watkins, da Shell.

Os “quatro grandes do petróleo”, vamos chamá-los assim, serão questionados sobre o que os membros do Congresso chamam de “campanha de longa duração em toda a indústria para espalhar desinformação sobre o papel dos combustíveis fósseis na causa do aquecimento global”.

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Para os quatro grandes e seus assessores de relações públicas, o cenário de pesadelo é que 28 de outubro repita a terrível audiência no Congresso que levou ao abalo da indústria do cigarro.

Pergunta sobre vício em nicotina foi o começo de uma crise na indústria tabagista

Em 14 de abril de 1994, os principais executivos das sete maiores empresas tabagistas dos EUA compareceram perante o Subcomitê de Saúde e Meio Ambiente do Comitê de Comércio e Energia do Congresso, presidido por Henry Waxman, da Califórnia. 

Cada executivo testemunhou solenemente que, não, eles não achavam que a nicotina vicia.

As emissoras de TV CNN e a C-Span transmitiram a audiência ao vivo, e as grandes indústrias tabagistas tornaram-se motivo de chacota nacional — e alvo legal — da noite para o dia.

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Uma foto dos CEOs de Phillip Morris, RJ Reynolds e suas contrapartes, com as mãos direitas levantadas durante o juramento, saiu na primeira página do New York Times do dia seguinte, gerando mais cobertura da mídia.

Esta é a parte que os grandes chefes do petróleo de hoje em particular não querem ver repetida: cinco semanas depois daquela audiência, o primeiro processo foi aberto no que se tornou uma avalanche de litígios que resultou em um julgamento de US$ 206 bilhões (R$ 1,1 trilhão) contra as tabagistas e uma mancha permanente de sua imagem pública.

Substitua “a crise da saúde” por “a crise climática”

Os paralelos com as grandes petrolíferas hoje são estranhos. 

A grande ação judicial do tabaco foi “baseada em uma noção simples”, disse Mike Moore, o procurador-geral do estado americano do Mississippi, que iniciou o caso:

“Você causou a crise de saúde — você paga por ela”, reembolsando os estados pelos custos extras impostos pelo fumo em seus sistemas de saúde pública. 

Substitua “a crise da saúde” por “a crise climática” e você terá o mesmo argumento que Nova York, Massachusetts, Minnesota e dezenas de outros governos estaduais e locais usaram em seus processos judiciais pendentes contra as empresas de petróleo.

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E assim como as empresas tabagistas mentiram durante 40 anos sobre os perigos do fumo, também as empresas de petróleo mentiram durante décadas sobre os perigos da queima de combustíveis fósseis. 

Eles viram a crise climática de hoje chegando — seus próprios cientistas alertaram repetidamente os altos executivos sobre isso — e decidiram ir adiante.

Uma pergunta para a indústria do petróleo

Dadas as apostas, é estranho que os CEOs da ExxonMobil, BP, Chevron e Shell não sejam mais conhecidos. Tanto quanto qualquer um, eles estão levando o clima da Terra ao caos, mas a maioria de nós nem mesmo sabe seus nomes. 

A conversa sobre o clima geralmente se concentra nos governos e nos políticos que os dirigem, enquanto as empresas cujos produtos causam o problema — e os executivos que recebem quantias astronômicas por isso — permanecem em segundo plano. Que é, sem dúvida, como eles preferem.

Então, vamos lembrar os nomes dos quatro grandes — Darren Woods da ExxonMobil, Michael Wirth da Chevron, David Lawler da BP e Gretchen Watkins da Shell Oil — e prestar atenção ao que eles dizem, ou não dizem, na audiência do próximo dia 28.

Se tivermos sorte, redes de cabo vão transmitir a audiência ao vivo. 

Assistir ao quatro grandes do petróleo se contorcerem para evitar uma repetição do desastre da indústria tabagista seria um grande entretenimento, para não mencionar uma lição estimulante sobre como os governantes eleitos podem responsabilizar as corporações amorais.

A grande audiência do caso das tabagistas fez história com uma pergunta simples: Você acha que a nicotina vicia?

Aqui está a pergunta para o setor do petróleo: Você vai pedir desculpas, aqui hoje, pelas décadas de mentira de sua empresa sobre as mudanças climáticas?


(matéria publicada originalmente no The Guardian/ republicada como parte da rede CCNow)


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