O Senado americano entrou nesta quarta-feira (27) na batalha pela libertação do colunista do Washington Post Vladimir Kara-Murza, preso no dia 11 de abril após criticar o presidente da Rússia, Vladimir Putin durante uma entrevista para a CNN.
Um dos principais opositores do regime Putin e alvo de duas tentativas de envenenamento, ele foi acusado formalmente na sexta-feira (22) por um tribunal russo de divulgar informações “falsas” sobre o Exército do país.
Uma nota oficial do Comitê de Relações Exteriores do Senado distribuída ontem classificou a acusação de “invenção descarada”, baseada em “leis draconianas”.
Colunista é preso na Rússia após entrevista na CNN
Kara-Murza, que também é escritor, foi preso diante de sua casa, em Moscou, depois de chamar o governo russo de “um regime de assassinos” por sua atuação na invasão à Ucrânia. Não foi a primeira vez que ele falou contra o regime.
Além de seu espaço em um dos mais influentes jornais do mundo, ele foi um dos poucos dissidentes a continuar no país e vinha dando entrevistas para a mídia internacional, salientando a propaganda política em meios de comunicação estatais e a repressão a manifestantes.
O comunicado do Senado condena a detenção do opositor de Putin e ressalta a preocupação com a segurança de Kara-Murza, uma das vítimas da lei de fake news do país, decretada em março.
Ela prevê penas de até 15 anos a jornalistas e cidadãos pela divulgação de informações não-oficiais sobre a “operação especial” que acontece na Ucrânia. A invasão não pode ser chamada de “guerra”.
Para o Senado dos EUA, a perseguição ao colunista do Washington Post tem motivação política:
“[O objetivo é] distrair a atenção dos crimes de guerra de Putin e impedir que outros russos corajosos se manifestem contra o Kremlin”, diz a nota.
O engajamento do Senado está alinhado à posição do governo Joe Biden.
Logo após a captura do colunista do Washington Post, há duas semanas, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, publicou no Twitter que os EUA estavam “preocupados” com a detenção de Kara-Murza e pediu sua libertação imediata.
The United States is troubled by Russian authorities' detention today in Moscow of prominent civil society leader Vladimir Kara-Murza. We are monitoring this situation closely and urge his immediate release.
— Secretary Antony Blinken (@SecBlinken) April 12, 2022
A nota do Senado dos EUA emitida nesta quarta-feira destaca:
“Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, mais de 15 mil russos foram detidos por criticar, se opor à guerra ou se manifestar pacificamente contra ela.
Além disso, centenas de russos foram acusados sob a mesma lei orwelliana que Vladimir Kara-Murza é acusado de infringir.
Putin e seu regime mostraram-se dispostos a violar qualquer lei, doméstica ou internacional, para suprimir a oposição política em casa e subjugar os países vizinhos.”
“(…) Condenamos a brutal repressão do regime de Putin à liberdade de expressão e à mídia independente na Rússia e exigimos a libertação imediata de Vladimir Kara-Murza e de todos os prisioneiros de consciência que o governo russo deteve”.
Colunista preso falou à CNN e a outras redes internacionais
A entrevista dada à CNN pode não ter sido o único motivo para a prisão. O último tweet the Vladimir Kara-Murza antes de ser capturado diante de sua casa foi uma entrevista para a americana MSNBC.
Na postagem, ele alertou a mídia ocidental para não repetir acriticamente pesquisas de opinião atestando que a maioria dos cidadãos russos estaria a favor da “agressão”.
“It is important that Western media organizations do not repeat uncritically those so-called opinion poll numbers alleging that the majority of Russian citizens support this aggression… That's what Putin wants you to believe.”https://t.co/p0vZ18wvSg pic.twitter.com/Io3IajQEGq
— Vladimir Kara-Murza (@vkaramurza) April 11, 2022
Na mesma data, a CNN exibiu a entrevista com ele, mas nem chegou a ser postada em suas contas de mídia social, pois ele foi preso horas depois.
A conversa no programa Newsroom, da CNN, aconteceu logo após uma apresentação de Vladimir Putin em um estádio lotado por apoiadores de seu governo, um ato de propaganda política transmitido pela mídia estatal para demonstrar aprovação do povo.
Um dos pontos mais sensíveis da entrevista foi a previsão da queda do presidente russo por causa da invasão à Ucrânia.
“Não tenho absolutamente nenhuma dúvida de que o regime de Putin vai acabar com esta guerra ”, disse à CNN. E acrescentou:
“As duas principais questões são tempo e preço.
E por preço, não quero dizer monetário – quero dizer o preço de sangue e vidas humanas que já foi horrendo. Mas o regime de Putin vai acabar por causa disso e haverá uma Rússia democrática depois de Putin.”
Na sexta-feira, quando ele foi formalmente indiciado, o documento de acusação feito pelo governo foi publicado no Facebook pelo advogado do escritor, Vadim Prokhorov.
A acusação alega que Kara-Murza “disseminou deliberadamente informações falsas [sobre] as forças militares da Federação Russa” que “causam danos significativos aos interesses” do país.
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Colunista preso na Rússia já foi envenenado duas vezes
Vladimir Kara-Murza, intelectual respeitado no mundo, escreveu dezenas de colunas para a seção de Opiniões Globais do Washington Post criticando o regime de Putin nos últimos anos.
Ele foi envenenado duas vezes, em 2015 e 2017, em incidentes que caracterizou como tentativas de silenciá-lo por instar países ocidentais a impor sanções contra autoridades russas suspeitas de violações de direitos humanos.
O escritor ficou em coma nas duas vezes e sempre acusou o governo da Rússia de ter orquestrado os crimes. O Kremlin nega qualquer relação com os casos.
Mesmo na prisão, Kara-Murza continuou criticando Putin. Em uma coluna publicada pelo jornal americano na semana passada, ele escreveu:
“Haverá um amanhecer”. “A Rússia será livre. Nunca tive tanta certeza disso como hoje”.
O escritor era amigo de longa data de Boris Nemtsov, o líder da oposição russa que foi assassinado fora do Kremlin em 2015.
O colunista também é autor, diretor de documentários e ex-candidato ao parlamento russo.
Segundo o Washington Post, ele desempenhou um papel fundamental em conseguir que os Estados Unidos, a União Europeia, o Canadá e o Reino Unido adotassem leis de sanções em 2012, conhecidas como Lei Magnitsky, que visam indivíduos na Rússia e em outros lugares que são cúmplices de violações de direitos humanos.
Em um comunicado na sexta-feira (22), o editor do jornal americano, Fred Ryan, disse que Kara-Murza “arriscou sua segurança repetidamente para dizer a verdade sobre as violações hediondas dos direitos humanos de Vladimir Putin” e disse que as acusações contra ele eram por uma “ofensa simulada”.
“Os americanos devem ficar furiosos com a escalada da campanha de Putin para silenciar Kara-Murza.
Todos que valorizam a liberdade de imprensa e os direitos humanos devem se enfurecer com essa injustiça e se juntar à exigência da libertação imediata de Kara-Murza.”
Outro colunista do Washington Post perdeu a vida
Em 2018, outro colunista do Washington Post foi capturado por suas posições políticas e acabou morrendo.
Jamal Khashoggi, jornalista saudita crítico do regime do país, entrou na embaixada Arábia Saudita em Istambul para receber documentos necessários ao seu casamento com uma turca e nunca mais foi visto.
O crime ganhou atenção internacional. A noiva do jornalista, Hatice Cengiz, empreende uma luta incansável para responsabilizar os autores do crime dentro da embaixada, que teria sido autorizado ou encomendado pelo príncipe Mohammed bin Salman, líder do país.
No início do mês, a justiça turca decidiu encerrar o processo, mandando o caso para ser julgado em Riad, onde dificilmente haverá punição.
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