Londres – Protestos em diversas cidades do mundo e nas redes sociais marcam o aniversário do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que completou 51 anos neste domingo (3). É o quarto aniversário que ele passa na prisão de Belmarsh, em Londres, onde está desde 2019. 

Manifestantes pedem que o Reino Unido rejeite a extradição do jornalista para os Estados Unidos, exigem sua libertação ou o envio para a Austrália, país de origem de Assange.

Na sexta-feira (1º), a equipe jurídica dele entrou com recurso contestando a decisão da Secretaria Nacional do Interior do Reino Unido, chefiada por Priti Patel, de enviá-lo para julgamento nos EUA, onde ele pode pegar até 175 anos de prisão.

Aniversário de Assange reúne manifestantes em todo o mundo

No manhã do aniversário, a mulher de Assange, Stella, advogada que faz parte de sua equipe de defesa,  postou no Twitter um vídeo em que aparece com os dois filhos do casal, Gabriel e Max, preparando “lamington”, um bolo típico australiano. As crianças cantam parabéns para o pai.

Diante da prisão, apoiadores fizeram discursos criticando a posição do governo britânico no caso. A decisão de Patel, anunciada em 17 de junho, intensificou a pressão tanto sobre o Reino Unido quanto sobre os EUA para que as denúncias contra Julian Assange sejam retiradas.

Ele é acusado pelas autoridades americanas de divulgar no site WikiLeaks documentos confidenciais sobre atos do governo dos EUA nas guerras do Iraque e do Afeganistão. Ao todo, são 18 processos movidos pelo governo americano contra ele.

O caso é considerado um marco para a liberdade de imprensa, por colocar em risco de punição semelhante quaisquer jornalistas ou fontes da imprensa que tornem públicas informações confidenciais de interesse da sociedade, inibindo a denúncia de crimes e más práticas.

Entidades globais como Repórteres Sem Fronteiras, Anistia Internacional, Federação Internacional de Jornalistas e PEN Club têm feito pressão constante sobre os governos envolvidos para que Assange seja libertado sem julgamento. 

Manifestações foram convocadas para  Paris (França), Sydney (Austrália), Toronto (Canadá), Berlim (Alemanha), Auckland (Nova Zelândia), Milão (Itália) e muitas outras cidades, usando uma fita amarela como símbolo. 

Na Austrália, a vigília teve participação de políticos que tentam forçar o governo a tomar uma posição e interferir no caso para que o fundador do Wikileaks seja transferido para o país. A senadora do Partido Verde Janet Rice pediu ao primeiro-ministro Anthony Albanese para ‘pegar o telefone e exigir de Joe Biden que as acusações de espionagem sejam retiradas”. 

No dia em que os advogados de Assange apresentaram a apelação, protestos também aconteceram em Londres, com a presença de ativistas, apoiadores e familiares de Assange, incluindo o pai e o irmão que viajaram ao Reino Unido, e sua mulher, Stella.

Os familiares do jornalista se juntaram a manifestantes em um ônibus que andou pelas ruas do centro de Londres, alertando sobre o impasse legal vivido por ele há 10 anos.

Para ajudar na pressão sobre os governos britânico e americano, entidades defensoras da liberdade de imprensa, incluindo a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) e a PEN America, se posicionaram nas redes sociais pedindo a libertação de Assange.

A FIJ lançou a campanha #FreeAssangeNOW exigindo que o governo dos EUA retire todas as acusações contra ele. “Punir Assange por expor crimes de guerra é uma ameaça para todos os jornalistas ao redor do mundo”, alertou.

No ano passado, quando Assange completou 50 anos, protestos ao redor do mundo também foram realizados pedindo a sua libertação. Na ocasião, os organizadores levaram um bolo de aniversário, e a estilista Vivienne Westwood esfregou pedaços no rosto para protestar contra o que chamou de “um mundo doente”.

Stella, que é advogada e iniciou sua relação com Assange durante o asilo na Embaixada do Equador em Londres, é a principal face da luta pela libertação do fundador do Wikileaks. Eles se casaram em março de 2022 dentro da prisão, em cerimônia sem fotógrafos e restrita a poucos membros da família. 

No aniversário, relembre o caso Assange

O motivo de Julian Assange estar preso na penitenciária de Belmarsh, nos arredores da capital britânica, foi o fato de ter buscado asilo na Embaixada do Equador em Londres em 2012, naquele momento para escapar de um outro pedido de extradição, feito pela Suécia, onde respondia a um processo de agressão sexual. 

A ação acabou arquivada e foi vista por ativistas como um ato em conluio com os EUA, que passaram a processar Assange. Por causa disso, ele permaneceu na Embaixada por quase sete anos. Inicialmente contava com o apoio do governo equatoriano, na gestão do presidente Rafael Correa, até 2017. 

Depois que o sucessor, Lenín Moreno, foi eleito, o apoio acabou. Em 2019 a embaixada autorizou a polícia britânica a entrar no prédio e levá-lo para a prisão de segurança máxima, onde está até hoje.

Em 2021 Assange perdeu a cidadania equatoriana, que tinha sido concedida como uma tentativa de tirá-lo do Reino Unido com imunidade diplomática, mas o pedido de credenciamento como diplomata não foi aceito pelo país. 

Com a detenção de Assange pelo Reino Unido, iniciou-se a pressão dos EUA pela extradição. As batalhas legais tiveram diversos capítulos e este é o quarto aniversário em que Assange passa preso. 

A defesa tentou convencer a Suprema Corte britânica de que ele corre risco de suicídio se for extraditado. Além disso,  argumenta que Assange não poderia ser extraditado para um país que tentou matá-lo, usando como base as revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o jornalista em 2007.

Mas a argumentação não teve sucesso. O Departamento de Estado dos EUA conseguiu revogar a decisão em dezembro de 2021, abrindo caminho para a extradição, aprovada no mês passado e que vive mais uma fase com a apelação da defesa de Assange.

“Jornalismo não é crime”, clamam defensores de Assange

Ainda que Assange nunca tenha trabalhado em um jornal  iniciou a carreira como hacker –, a defesa afirma que seus atos o caracterizam como jornalista, o que lhe dá direito às proteções da Primeira Emenda à Constituição americana para a publicação de documentos vazados que expuseram irregularidades militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão em 2010 e 2011. 

Essa posição vem sendo corroborada por entidades de direitos humanos, liberdade de imprensa e por grandes jornais. Em 2019, o New York Times  com o qual Assange compartilhou muitos dos documentos vazados  saiu em sua defesa publicando um editorial em que sustentava que o indiciamento pelo governo americano feria a Primeira Emenda.  

Mas essa tese não é unanimidade. Embora condenando a extradição, o Comitê para Proteção dos Jornalistas foi criticado em 2019 por não ter incluído Assange na lista de profissionais de imprensa presos daquele ano.

A explicação foi de que a organização não o considerava um jornalista no sentido formal porque o Wikileaks não era um meio de comunicação regular. Ele seria então uma fonte.

Os documentos vazados, obtidos pelo ex-soldado Chelsea Manning, foram reproduzidos pela imprensa global. No entanto, apenas Assange está sendo processado, como o espião que teria obtido os documentos de forma ilegal e feito a divulgação. 

A Repórteres Sem Fronteiras tem sido a mais ativa organização na defesa de Assange. Para a entidade, o caso não se restringe a uma pessoa, mas envolve o jornalismo como instituição.

Organizações como a Anistia Internacional entendem que o jornalismo independente está em jogo, já que a punição severa a Assange teria o poder de silenciar fontes que possam revelar informações de interesse público à imprensa, sujeitas a penas semelhantes. Por isso o slogan “jornalismo não é crime” virou o principal mote na defesa jurídica e nos protestos.

A mulher de Assange, Stella Moris, destaca um dos fatos revelados nos vazamentos: o massacre de Ishaqi, no Iraque, no qual 11 pessoas, incluindo quatro mulheres e cinco crianças, foram algemadas e executadas por tropas americanas.

Histórias como essas ficariam ocultas se não tivessem sido publicadas no WikiLeaks, argumentam os que não querem a extradição.

Os EUA são um importante aliado e parceiro comercial do Reino Unido, principalmente após o Brexit, já que as relações com a União Europeia ficaram estremecidas.

O antecessor de Priti Patel, o ex-Secretário do Interior Sajid Javid, que agora é o Secretário Nacional de Saúde do gabinete de Boris Johnson,  foi quem deu luz verde ao pedido de extradição em junho de 2019, iniciando uma saga de mais de dois anos de processos nos tribunais do Reino Unido. 

Os argumentos da defesa do fundador do Wikileaks

A defesa jurídica e as manifestações de apoio ao fundador do Wikileaks fundamentam sua posição em três argumentos:  o interesse público das informações que ele divulgou – com a punição representando violação da liberdade de imprensa -, riscos à sua saúde mental e de suicídio se for levado para uma prisão de segurança máxima nos EUA e o fato de que país tinha um plano para matá-lo quando ele estava na embaixada equatoriana, segundo reportagem do Yahoo. 

O risco de suicídio foi a base para a decisão da juíza distrital Vanessa Baraister, em janeiro de 2021, que aceitou o argumento da defesa baseado em laudos médicos. 

O professor de neuropsiquiatria Michael Kopelman disse na audiência original de extradição, em setembro de 2020, que havia um “risco muito alto de suicídio” e que, em sua opinião, “é a iminência da extradição ou uma extradição real que desencadeará a tentativa”.

Em seguida, os advogados do Departamento de Estado americano apresentaram à corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio, entre elas a de que ele não ficaria submetido a regime especial de isolamento em uma prisão de segurança máxima. 

Um dos advogados de Assange, Edward Fitzgerald, disse na época que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” da juíza distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.

Em nova audiência em outubro do ano passado, o advogado sustentou que a juíza Vanessa Baraister produziu em janeiro um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, acrescentando que estava “claro” que ela “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”. 

E disse ao tribunal: “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”.

Outro fundamento da defesa de Julian Assange na sessão de outubro é baseado em revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007.

Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.

Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo. As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.

Como seria Assange nos EUA 

Se o novo recurso apresentado na sexta-feira pela defesa de Assange não for acatado pela Suprema Corte, ele poderá ser extraditado rapidamente, a não ser que os advogados consigam questionar a decisão em cortes europeias.

Se extraditado, Assange seria julgado perante um grande júri. Até lá, seria mantido no Centro de Detenção de Alexandria, no estado da Virginia. Entre as garantias dadas pelo Departamento de Estado à justiça britânica está a de que ele não ficaria em confinamento ou em condições que possam afetar sua saúde emocional.

No entanto, a defesa criticou o fato de que essa garantia poderia ser revogada, conforme o próprio documento submetido pelos EUA, caso Assange viole regulamentos.

E a decisão sobre se algum regulamento foi violado caberia justamente ao Departamento de Estado que o processa.

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