Londres – Dez mulheres jornalistas foram mortas em crimes relacionados ao trabalho em 2022, a maioria delas trabalhando em zonas de conflito, em um ano marcado pelo aumento da violĂȘncia contra a imprensa

Aproveitando o Dia Internacional da Mulher, a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) estĂĄ colocando as mulheres que relatam conflitos no centro das atençÔes para destacar os desafios diĂĄrios que enfrentam, suas necessidades de segurança e a importĂąncia da adoção de instrumentos internacionais que proĂ­bam a violĂȘncia e os ataques contra jornalistas.

“Mulheres jornalistas enfrentam desafios extremos ao fazer reportagens em zonas de guerra, desde ataques e ameaças militares atĂ© intimidação policial, vigilĂąncia e violĂȘncia de gĂȘnero. Mas registrar o que acontece em dzonas de conflito e ĂĄreas de agitação civil tambĂ©m Ă© uma oportunidade para as mulheres ajudarem a mudar a narrativa”, diz a organização. 

ViolĂȘncia contra mulheres jornalistas maior em zonas de guerra 

Da cobertura de guerras a movimentos de protesto, mulheres jornalistas que trabalham em åreas violentas assumem riscos imensos em nome da liberdade de informação, salienta a organização.

“Lutar contra a censura do governo, a retaliação e desconstruir a desinformação Ă© um desafio diĂĄrio para muitas”

“Podemos cobrir e veicular reportagens sobre pobreza, inflação e atĂ© mesmo crĂ­ticas do pĂșblico a questĂ”es polĂ­ticas e polĂ­ticos, mas falar sobre os responsĂĄveis ​​por essas guerras – cujas polĂ­ticas foram a razĂŁo pela qual elas estouraram – Ă© extremamente difĂ­cil, “, disse Farzana Ali , chefe do departamento de TV da Aaj News em Peshawar, que enfatizou quantas histĂłrias humanas nĂŁo sĂŁo contadas por medo da repressĂŁo.

Foto: Kamran Ali / divulgação IFJ)

“Temos que trabalhar com muito cuidado ao fazer essas reportagens. Por exemplo, logo apĂłs o 11 de setembro, acompanhamos as operaçÔes (militares) realizadas contra terroristas e muitas reportagens foram ao ar. 

Mas na segunda fase das operaçÔes, como a Operação Zarb-e-Azb (2014), a mĂ­dia nĂŁo foi capaz de cobrir a situação com a mesma liberdade. Tivemos que cortar muitas coisas.”

Jornalista da UcrĂąnia: violĂȘncia x emoçÔes 

HĂĄ um ano, a jornalista ucraniana Hanna Chernenko, natural da regiĂŁo de Donbass. cobre a guerra em seu paĂ­s para as empresas de mĂ­dia locais Visti Television News Service e Hromadske Radio. Ela tambĂ©m regularmente auxilia equipes de mĂ­dia internacional que viajam para a UcrĂąnia, atuando como “fixer”. 

Diferentemente de outras colegas, ela conta que não se sentiu ameaçada particularmente por ser mulher, e que sempre recebeu apoio de outros jornalistas e das forças oficiais e militares. Mas o maior desafio é emocional.

jornalista UcrĂąnia violĂȘncia guerra
 Hanna Chernenko / Foto: NUJU/divulgação IFJ

Fiz reportagens nos meses em que Kharkiv era um front de batalha. Aldeias nos subĂșrbios estavam ocupadas, e os russos estavam a algumas centenas de metros dos locais onde trabalhĂĄvamos. […]  

Os problemas que enfrentei estavam principalmente relacionados a medos e emoçÔes pessoais. Uma cidade, um vilarejo que ontem era seguro, […] onde sonhava construir uma casa Ă  beira do lago, de repente se torna um local de batalha. Para poder realizar seu trabalho nessas condiçÔes, Ă© preciso superar medos e apreensĂ”es.”

A realidade vivida pela ucraniana Ă© uma exceção Ă  regra. A segurança Ă© uma das principais preocupaçÔes das mulheres repĂłrteres, expostas a riscos de serem sequestradas, abusadas fisicamente ou presas. 

Em muitas zonas de conflito, ser jornalista nĂŁo garante pr0teção, apesar das convençÔes internacionais. E a falta de equipamentos de segurança adaptados ao corpo da mulher e a ausĂȘncia de protocolos de segurança da mĂ­dia colocam as mulheres jornalistas em risco ainda maior, diz a IFJ. 

“O assassinato de Shireen Abu Akleh [jornalista palestina] dobrou o medo de ir a campo entre os jornalistas. Matar um jornalista tĂŁo proeminente tornou o trabalho do resto de nĂłs ainda mais difĂ­cil e assustador, pois percebemos que ninguĂ©m estava seguro ”, diz a jornalista e instrutora de segurança da IFJ Areen Amleh, da emissora de TV pĂșblica palestina. 

“Geralmente, os desafios na Palestina decorrem da ocupação israelense, o que significa que somos forçados a desempenhar nossas funçÔes em condiçÔes extremamente perigosas, muitas vezes colocando nossas vidas em risco”, diz a jornalista.

Mulher jornalista Palestina
Areen Al-Amleh (divulgação IFJ)

O ataque direto a jornalistas durante a cobertura tornou o desempenho de nossa atividade profissional ainda mais perigoso. 

O simples fato de sermos jornalistas nĂŁo garante mais que nĂŁo seremos alvos diretos. Como jornalista mulher em uma sociedade nĂŁo completamente liberta de suas restriçÔes tradicionais, isso torna minha situação e a de minhas colegas ainda mais ĂĄrdua.”

Ter uma visĂŁo clara da situação no terreno, evitar divulgar locais onde estarĂĄ, encontrar amigas prĂłximas que possam ajudar em caso de problemas, adotar cĂłdigos de emergĂȘncia com a redação e traçar um plano B antes da reportagem sĂŁo algumas das dicas compartilhadas pelas mulheres repĂłrteres. 

“Minha prisĂŁo deu um bom exemplo para o veĂ­culo onde trabalho e meus colegas jornalistas serem extremamente cuidadosos com a segurança ao fazer reportagens ”, disse a jornalista de Mianmar Naw Betty Han.

Ela trabalhava para o independente Frontier Mianmar antes do golpe militar em 2021, que tornou o paĂ­s um lugar ainda mais perigoso para  jornalistas. Mas a situação jĂĄ era crĂ­tica antes. 

Jornalista de Mianmar violĂȘncia contra mulher
Foto: Naw Betty Han/ divulgação IFJ

Em 2020, enquanto investigava um investimento chinĂȘs de bilhĂ”es de dĂłlares na fronteira entre TailĂąndia e BirmĂąnia, ela e um fotĂłgrafo foram detidos por uma milĂ­cia patrocinada pelo exĂ©rcito birmanĂȘs.

Os dois foram vendados, algemados, conduzidos a um seringal e espancados. Ela vive hoje na TailĂąndia, de onde continua trabalhando. 

“ApĂłs o golpe de estado, a situação piorou. No passado, era perigoso cobrir notĂ­cias, mas depois do golpe militar, ser jornalista tornou-se muito perigoso, com risco de prisĂŁo a qualquer momento.

Mesmo antes de deixar Mianmar, tive que manter minha profissĂŁo de jornalista em segredo. Quando meus pais eram questionados sobre mim, diziam que eu havia parado de trabalhar como jornalista hĂĄ muito tempo.”

Riscos para mulheres no AfeganistĂŁo 

O AfeganistĂŁo Ă© o exemplo mais contundente de paĂ­s palco de conflito que reprimiu as mulheres jornalistas em uma escala que obrigou a maioria a deixar a profissĂŁo ou mesmo a se exilar. 

Desde que o TalibĂŁ tomou o poder, em 2021, o cerco se fechou para as mulheres no paĂ­s, e particularmente para as mulheres jornalistas. Algumas tentaram resistir, mas acabaram desistindo mesmo diante do apoio corajoso de colegas. 

A paquistanesa Farzana Ali relatou sua experiĂȘncia fazendo reportagens no paĂ­s, hĂĄ dois anos. 

“Foi uma experiĂȘncia extremamente difĂ­cil, e enfrentamos muitos problemas. O TalibĂŁ capturou minha equipe e me senti culpada por isso ter acontecido porque eu era mulher e poderia ser a razĂŁo.

Em uma ocasião, disseram-nos para não seguir em frente e ir para Jalalabad – era difícil tomar uma decisão que poderia nos colocar em perigo ainda mais. Havia uma pressão psicológica sobre mim por ser a “chefe”.

O lĂ­der do TalibĂŁ questionou minha equipe sobre por que eles estavam viajando com uma mulher quando isso era contra a [lei islĂąmica] sharia, acrescentando que as mulheres nĂŁo podem ser chefes de acordo com a religiĂŁo. Foi bastante alarmante.”

A precariedade na profissĂŁo Ă© outro problema crescente, segundo a IFJ. Em muitas partes do mundo, a ausĂȘncia de contratos de trabalho ou seguro, brechas de segurança digital e salĂĄrios em atraso obrigam muitos jornalistas a assumirem riscos adicionais para sobreviver.

Mas reportar de zonas de conflito e zonas de tensĂŁo tambĂ©m Ă© uma oportunidade para as mulheres jornalistas fazerem uma mudança na narrativa do conflito, desafiarem os estereĂłtipos de gĂȘnero e reportarem de forma diferente.

Um olhar diferente sobre a guerra 

“Às vezes, ser mulher atĂ© se torna um trunfo para acessar determinados locais e conversar com fontes”, diz a IFJ. 

“As mulheres podem ser mais capazes de realizar tarefas jornalĂ­sticas, seja na cobertura da guerra ou nĂŁo, devido ao duplo impacto da natureza, cultura e tradiçÔes da sociedade iemenita ”, diz Thuraya Dammaj, editora da mĂ­dia online Yemen Future .

O paĂ­s, que vive desde 2014 um conflito sangrento, teve dois episĂłdios recentes de violĂȘncia contra profissionais de imprensa, um deles vitimando uma mulher jornalista grĂĄvida que ia para a maternidade. 

Dammaj Ă© testemunha da instabilidade polĂ­tica do paĂ­s e da crescente hostilidade Ă  imprensa.

Mulher jornalista IĂȘmen violĂȘncia conflitos
Thuraya Dammaj (foto: divulgação IFJ)

“O IĂȘmen Ă© classificado como um dos piores lugares para jornalistas do mundo. O paĂ­s estĂĄ em guerra hĂĄ quase nove anos e testemunha terrĂ­veis incidentes de violaçÔes contra jornalistas que impedem as formas mais simples de liberdade e independĂȘncia de imprensa.

Ccerca de 50 jornalistas iemenitas foram mortos pelos grupos em guerra desde 2014.

Todos os meios de comunicação da oposição em ĂĄreas densamente povoadas de Houthi foram fechados, enquanto aqueles localizados em ĂĄreas do governo iemenita internacionalmente reconhecido sucumbiram Ă  polarização e retĂłrica de contra-incitação.”

Nas comemoraçÔes pelo dia 8 de março, a IFJ voltou a cobrar de governos de todo o mundo o combate Ă  impunidade e violĂȘncia perpetrada contra mulheres jornalistas.

A entidade pressiona os Estados a ratificarem a Convenção nÂș 190 da OIT contra a violĂȘncia e o assĂ©dio no mundo do trabalho e a apoiarem a Convenção liderada pela IFJ sobre a segurança e a independĂȘncia dos jornalistas e profissionais que trabalham em meios de comunicação.