Londres – Três meses depois da tomada do poder pelo grupo extremista Talibã, os líderes do país anunciaram um pacote de regras para o setor audiovisual, com restrições severas para as mulheres no Afeganistão.

Elas não podem mais aparecer em programas ficcionais (como novelas) ou de entretenimento. E as apresentadoras de noticiários ficam obrigadas a cobrir a cabeça com o hijab (véu islâmico). No entanto, poucas continuam no ar.

O conjunto de oito diretrizes foi emitido no domingo (21/11) pelo Ministério da Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, e confirma temores de entidades de liberdade de imprensa e de direitos humanos manifestadas há três meses, prevendo a volta da censura aos meios de comunicação. 

Censura no Afeganistão 

Na primeira fase de governo liderado pelo Talibã, entre 1996 e 2001, a televisão chegou a ser proibida, e o jornalismo foi praticamente suprimido no país. A rádio Voz da Sharia transmitia programação religiosa.

No período entre a invasão do país pelos EUA até a retirada das tropas estrangeiras, que ocorreu em agosto, a mídia voltou a funcionar, com programação artística local, novelas turcas e indianas e concursos musicais sem as restrições que agora voltam a ser impostas. 

Cinco semanas após a tomada do poder, o Talibã anunciou regras para o jornalismo, e não proibiu o trabalho das mulheres no Afeganistão, pelo menos oficialmente. Um dos veículos mais importantes do país, o canal de notícias Tolo News, não destaca nenhum clipe com jornalistas mulheres em suas contas de mídia social nas últimas semanas. 

Mídia de entretenimento no alvo 

O novo pacote anunciado domingo trata mais diretamente da mídia de entretenimento e de programas não-jornalísticos, embora o uso do véu para apresentadoras de notícias faça parte da lista. 

Além de restringir a presença de mulheres em programas, as novas regras proíbem também a exibição de conteúdo que questione a leis islâmicas e os valores afegões, assim como filmes nacionais ou internacionais que promovam cultura e valores estrangeiros. 

Os homens devem usar “roupas adequadas”, ainda que as instruções não deixem claro os trajes aceitos. Partes íntimas não podem ser exibidas. 

Ficaram ainda proibidos programas de entretenimento e comédia que se baseiem no insulto aos outros, à dignidade humana e aos valores islâmicos. E programas que retratem Maomé.

“Estas não são regras, mas orientações religiosas”, disse o porta-voz do ministério, Hakif Mohajir, à agência de notícias AFP. 

O setor audiovisual havia prosperado no país nos últimos 20 anos, exibindo novelas indianas e turcas e até concursos musicais no estilo ocidental. 

Críticas ao Talibã ao vivo 

Na véspera das novas regras serem anunciadas, um episódio inusitado aconteceu no país em que a mídia está operando sobre controle estrito. Faizullah Falal, professor de direito na Universidade de Cabul, desafiou o porta-voz do Talibã durante uma entrevista ao vivo no canal Tolo News.

Falando em voz alta e tom irritado, ele reclamou da condução do país, disse que pessoas estão passando fome em Cabul e questionou a liberdade de expressão, para desespero do âncora com expressão de pânico diante do desabafo ao vivo.  O vídeo viralizou nas redes sociais. 

Normas para a imprensa no Afeganistão 

O episódio é um fato raro, pois as dificuldades para a mídia no Afeganistão sob o comando do Talibã começaram a aparecer antes mesmo da tomada da capital, Cabul.

Uma comitiva da organização Repórteres Sem Fronteiras reuniu-se com líderes do grupo dias antes da chega a Cabul e recebeu deles garantia de segurança aos jornalistas, mas não conseguiu fazer com que assinassem  um compromisso

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Durante uma coletiva de imprensa na primeira semana de liderança do grupo extremista, um porta-voz foi indagado pela RSF sobre se as jornalistas mulheres seriam autorizadas a trabalhar da mesma  forma que antes.

A resposta foi evasiva. O porta-voz afirmou que isso seria tratado à luz dos direitos das mulheres estabelecidos pelo Islã. Cinco semanas depois o regime divulgou as 11 normas para a imprensa, recebidas com preocupação por entidades internacionais.

Entre elas estavam a proibição de transmitir matérias contrária ao Islã e a exigência de “cuidado” ao veicular informações não confirmadas por funcionários do governo. 

A Repórteres Sem Fronteiras fez uma análise das regras, anunciadas em uma reunião com representantes da imprensa no dia 19 de setembro. E achou que eram vagas, perigosas e poderiam ser usadas para perseguir os jornalistas. 

Na véspera das novas regras serem anunciadas, Faizullah Falal, professor de direito na Universidade de Cabul, desafiou o porta-voz do Talibã durante uma entrevista ao vivo no canal Tolo News. O vídeo viralizou nas redes sociais. 

 Afeganistão teve 90 publicações fechadas, diz federação

O êxodo não demorou. Ao fim de agosto, a Federação Internacional de Jornalistas informou ter registrado mais de 2 mil pedidos de assistência de profissionais da mídia que tentavam fugir, buscar refúgio ou apoio financeiro após o fechamento de mais de 90 veículos de comunicação no Afeganistão. 

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No dia 29/8, combatentes armados apareceram em um programa afegão de TV e fizeram um comunicado ser lido, pedindo a cooperação da população. “Não tenham medo”, leu o apresentador do canal Peace Studio, cercado de homens armados.

Assassinatos sob o Talibã

O ambiente para o trabalho de jornalismo no Afeganistão, extremamente repressivo para as mulheres, oferece igual perigo para qualquer um que exerça a profissão, não importa o gênero.

A Deutsche Welle (DW), emissora pública alemã, denunciou que um de seus editores foi caçado em agosto no Afeganistão pelas tropas do Talibã.

Como o jornalista não foi encontrado por já estar na Alemanha, os radicais mataram um de seus parentes e deixaram outro gravemente ferido.

Mulheres no Afeganistão 

As restrições impostas às mulheres no Afeganistão não se resumem ao setor audiovisual. Assim como ocorreu na primeira fase de controle do país pelo Talibã, elas também voltaram a enfrentar barreiras para estudar e trabalhar. 

Uma manifestação em Cabul na semana passada cobrou o direito de ir à escola e continuar trabalhando como acontecia até agosto passado. 

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