A morte do Príncipe Philip, na manhã da última sexta-feira (9/4), tem sido o momento de glória para os setoristas que cobrem a família real, uma prática estabelecida na imprensa britânica. E para os “royal commentators”, fontes exaustivamente entrevistadas para explorar cada aspecto desse fato histórico.
Para os editores, ela colocou mais uma vez sobre a mesa uma pergunta recorrente no jornalismo: qual o tamanho e o tempo da cobertura adequados para noticiar o falecimento de uma personalidade?
No caso do jornalismo britânico, até a sexta-feira essa era uma pergunta sem resposta baseada em exemplos recentes, já que em 69 anos foram apenas três as mortes de monarcas ou consortes (cônjuges de monarcas): o Rei George em 1952, a Rainha-mãe em 2002 e agora o Duque de Edinburgh, que passou 73 anos ao lado da Rainha Elizabeth.
Houve ainda a Princesa Diana, que morreu em 1997, mas não era tecnicamente membro do núcleo principal da família real, pois já estava divorciada do Príncipe Charles. E a princesa Margareth, irmã da rainha, falecida em 2002.
Fazendo quase 20 anos desde a morte do último integrante sênior da família real britânica, jornalistas que vêm tomando decisões editoriais a respeito da morte do Príncipe Philip talvez nunca tenham passado por experiência parecida. Mesmo para os veteranos, no entanto, há um ineditismo: a morte é a primeira de um monarca ou consorte na era das redes sociais.
E isso faz uma grande diferença. Logo nas primeiras horas, o tratamento que as TVs deram à notícia virou objeto de controvérsia nas mídias sociais. Começou com críticas ao Channel 4 por não ter dado a devida atenção, mantendo no ar um programa de culinária enquanto as demais redes paralisaram suas programações para cobrir a morte do Príncipe Philip.
O canal foi tachado nas redes de “insensível” e teve que emitir um comunicado explicando a decisão.
Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Horas depois, as baterias voltaram-se contra a BBC pelo motivo oposto: o “excesso de atenção”, porque todos os canais da rede continuaram a transmitir especiais sobre a morte do duque, suspendendo seriados e programas de variedades. Muitos reclamaram também de dois canais da rede estarem transmitindo ao mesmo tempo o mesmo documentário.
A gritaria foi tamanha que a BBC foi obrigada a abrir um canal especial de reclamações na noite de sexta-feira.
O Dear BBC destacou-se entre os trending topics.
E como tudo o que envolve redes sociais, a BBC e a família real britânica, as opiniões ficaram divididas. As críticas foram variadas, comparando o tratamento com o espaço dedicado à morte de 150 mil pessoas por Covid-19, associando o culto à personalidade ao do que seria feito por uma TV norte-coreana. E sugerindo uma tentativa de fugir da cobertura dos conflitos na Irlanda do Norte.
Na análise do The Guardian, embora a corporação esteja acostumada a viver no meio das guerras culturais da Grã-Bretanha, a maneira como lidou com a morte de Philip aponta para uma questão mais profunda sobre a capacidade de uma emissora nacional de forçar o país a se unir em luto por um único indivíduo em uma era em que o público é fragmentado e menos cerimonioso.
Nem o fator geracional parece ter influenciado o humor dos britânicos em relação ao tratamento que a BBC deu à morte do príncipe consorte, como se pode observar por dois tweets com posições opostas.
Não era um bom momento para a BBC passar por isso, já que ela vem sendo questionada seguidamente pela sua cobertura por todos os lados do espectro político, pela falta de regionalização e por tudo o mais que se pode imaginar. E vive uma ameaça de perder sua principal fonte de renda, a taxa obrigatória paga pelas residências britânicas para sintonizar seus canais.
Isso emergiu nas redes sociais a propósito da morte do príncipe, com gente reclamando da ausência da programação normal dos canais e agradecendo pela existência da Netflix.
Foi bom para a audiência?
Pelos primeiros números, não. Em um tweet na manhã de sábado, o site Deadline revelou que na noite da morte do Príncipe Philip houve queda na audiência dos principais canais em relação à sexta-feira anterior.
The verdict is in: wall-to-wall TV coverage of Prince Philip's death was a turn-off for Brits, with major channels losing primetime (7pm-11pm) viewers compared with Friday, April 2.
BBC1: -6%
ITV: -60%
BBC2: -65%
C4: -8.5%— Jake Kanter (@Jake_Kanter) April 10, 2021
A dificuldade de achar um ângulo original
Em busca de audiência, outro desafio para os editores é encontrar um ângulo original em uma história que todos estão cobrindo e têm acesso às mesmas imagens e informações históricas. Foi o que tentou a Reuters, questionando um ponto delicado para os britânicos: o futuro da Rainha. A agência ouviu os “royal commentators” sobre a possibilidade de renúncia, uma especulação recorrente, mas tranquilizou os súditos assegurando que a probabilidade é pequena.
Quem foi mais longe?
No vale-tudo para se diferenciar, um dos maiores esforços de reportagem coube ao Daily Telegraph, que acabou pautando outros veículos como a Sky News. O jornal resgatou a história de uma tribo em Vanatu que idolatra o Duque de Edimbrugh desde sua visita à ilha, na década de 60, por considerá-lo a reencarnação de um guerreiro que deixou o arquipélago para lutar em terras distantes.
Revelou que haverá um ritual pela sua morte e citou um antropólogo dizendo que o Príncipe Charles deve ser entronizado como o novo ídolo da tribo.
Gafes ou “frases de efeito para alegrar o nosso dia”, dependendo do jornal
Apesar de toda a solenidade, a cobertura da morte do Príncipe Philip não poderia ignorar suas famosas gafes. Que para um ultramonárquico jornal como o Daily Mail são na verdade frases de efeito para alegrar o nosso dia.
Uma das matérias da extensa cobertura do jornal, intitulada “Dane-se a diplomacia”, lembrou os melhores momentos com direito a um vídeo. Até um fotógrafo entrou na mira do duque, que ganhou dele um impaciente “tira logo a f*** foto”.
Operação Forth Bridge
Os planos para o funeral do Príncipe Philip eram chamados de Operação Forth Bridge. Ele não queria uma cerimônia de Estado, como seria a de um monarca. Mas a Covid fez com que os planos tivessem que ser ainda mais enxutos. O funeral será no Castelo de Windsor, onde ele e a Rainha passaram boa parte dos últimos meses e onde ele morreu, para apenas 30 pessoas.
Ainda assim, o luto está por todos os lados, até em uma das principais rodovias que cortam o país, a A2, o que foi alvo da costumeira ironia britânica nas redes sociais.
📢 CITIZENS OF ENGLAND, PLEASE CONTINUE TO MOURN. BEING ON THE A2 IS NO EXCUSE 📢 pic.twitter.com/STyf8PFdFn
— James Felton (@JimMFelton) April 10, 2021
Nos impressos, tudo preparado de véspera
Os jornais impressos do sábado cumpriram o roteiro esperado para a morte do príncipe Philip: fotos ocupando toda a capa, manchetes emotivas nos tabloides, encartes para os súditos guardarem como lembrança.
E matérias que exploraram todos os aspectos da vida de Philip, inclusive as gafes. Uma das capas mais impactantes foi a do Daily Telegraph, que utilizou um fundo negro para a foto do Duque em trajes militares.
Tudo pôde ser preparado com antecedência, já que a morte de uma pessoa prestes a completar 100 anos e que havia passado três semanas internado em um hospital recentemente não foi exatamente uma surpresa. O Daily Mail saiu com uma edição gigantesca, de 144 páginas, incluindo o encarte de fotos.
Dos onze principais jornais, sete ocuparam toda a primeira página com uma foto, quatro deles com o Príncipe em trajes militares. Entre os que optaram por trajes civis, três preferiram o aceno de despedida com o chapéu.
O The Sun foi um dos que preferiu o traje militar, mas foi além e deu uma capa dupla, englobando a primeira e a última página. E mudou o tradicional vermelho da sua logomarca para roxo.
Os outros seis jornais que destacaram uma foto tomando toda a primeira página foram Daily Telegragh, Daily Express, Daily Mail (todos preferindo a versão militar), The Independent, Daily Mirror e i.
Outros quatro (Daily Star, The Times, The Guardian e Financial Times) deram a notícia da morte do Príncipe como a principal chamada, mas sem ocupar toda a página:
As chamadas mais sóbrias e discretas foram as do Telegraph, The Independent, The Guardian e Financial Times, centrando-se no nome do Príncipe e seus títulos.
Dois aludiram à despedida da Rainha ao amado: Farewell, my beloved (Daily Mail) e Goodbye, my beloved (Daily Mirror). Dois enfatizaram a tristeza do momento: Deep Sorrow (Daily Express) e We’re all weeping with you Ma’am (The Sun).
O Daily Star ressaltou que o Príncipe era a sustentação da Rainha: Her Rock. O Times destacou o trecho do discurso das bodas de ouro no qual a Rainha se referiu ao marido: My strength and stay. O i enfatizou sua vida dedicada a servir: A life of duty.
Na comunicação gráfica, quatro usaram o fundo preto nas fotos: The Sun, The Telegraph, The Guardian e Financial Times. Quatro utilizaram detalhes em roxo: The Sun, Daily Mail, Daily Star e The Times.
No fim de semana a cobertura continuou, repercutindo as declarações dos filhos Charles, Edward, Andrew e Anne e os preparativos para o funeral. E para não fugir à regra, muitas especulações em torno da participação de Meghan Markle e do príncipe Harry, depois da polêmica entrevsita dada pelo casal à Oprah Winfrey em março, em que acusaram a imprensa de racista e sugeriram preconceito dentro da família.
Lições aprendidas ?
A Rainha Elizabeth é uma referência em longevidade. Suas aparições recentes, em ótima forma e com discurso articulado, sinalizam que não deve haver outra morte de monarca ou consorte tão cedo.
Pode ser que os aprendizados a partir da cobertura da morte do Príncipe Philip estejam ultrapassados quando houver novo falecimento para a imprensa britânica cobrir.
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