As Olimpíadas de Tóquio ficarão na história por várias razões. A mais óbvia é por terem sido realizadas durante uma pandemia, que levou ao primeiro adiamento desde 1896, tirou o público de cena e desencadeou rejeição no país sede, algo incomum em um evento reconhecido pela hospitalidade dos locais.

Os Jogos são também os primeiros depois de as mídias sociais tomaram conta do mundo. Elas existiam há cinco anos, mas não com a dominância de hoje.

São ainda os primeiros em uma época em que saúde mental vai deixando de ser tabu.

Leia também: Ao admitir que pressões foram “um pouco demais”, Naomi Osaka mostra que desconforto com mídia e críticas persiste

Nesse contexto, a terça-feira, 27 de julho, entra para a história como o dia em que duas gigantes do esporte desabaram ao mesmo tempo, atingidas pela dificuldade em lidar com pressões e com as expectativas nelas depositadas. Diferentemente de atletas do passado que sofreram em silêncio, em Tóquio estas atletas adotaram a transparência.

Duas estrelas dos Jogos enfrentam seus demônios publicamente

As histórias têm semelhanças. Simone Biles, de 24 anos, e Naomi Osaka, de 23, têm o status de grandes estrelas dos Jogos. Ambas têm patrocínios milionários, aumentando a responsabilidade de brilhar. E são engajadas em causas sociais.

Mas há diferenças em como se posicionaram. Biles não se voltou contra a mídia. Corajosa, encarou uma entrevista coletiva em que chorou e expôs os sentimentos. E despertou uma onda de solidariedade, de gente comum a celebridades, como o jovem artista Tyler Gordon, que pintou um retrato da atleta e viralizou nas redes sociais. 

https://twitter.com/tygordonsworld/status/1420892979774951427?s=20

Já Osaka seguiu o padrão inaugurado há dois meses em Roland Garros, quando se recusou a participar das coletivas, abrindo uma crise que rendeu multa e levou-a a desistir do torneio. Mesmo nas duas partidas que venceu em Tóquio, conversou com poucos jornalistas, respondendo a apenas quatro perguntas.

Depois da derrota para Marketa Vondrousova, em 26 de julho, a equipe chegou a informar que ela não falaria com a imprensa. Deve ter sido convencida a rever a posição, e conversou com um pequeno grupo, dizendo que a pressão foi “um pouco demais” .

Não se trata de crítica à tenista, mas uma constatação: para ela, o contato com jornalistas e o tratamento da mídia é o que mais causa desconforto. Curioso, pois Osaka não é maltratada. Mas como qualquer atleta, é indagada sobre seu desempenho.

Leia também: Tóquio 2020: ‘Foto feia’ de atleta gera reclamação da China contra agência de notícias

Em alguns casos os questionamentos vão além. O australiano Will Swanton, celebridade da mídia esportiva, criticou em um artigo a escolha de Naomi Osaka para acender a pira representando o Japão, já que vive nos Estados Unidos desde os dois anos. Não deve ter ajudado a melhorar sua relação com a imprensa.

Caso da tenista Naomi Osaka mostra nova face da relação entre imprensa e celebridades
Tenista Naomi Osaka trouxe questão da saúde mental à tona em Roland Garros. (Reprodução/Twitter)
O peso das redes sociais

Curioso também é que desta vez as mídias sociais não foram as vilãs, como virou rotina, sobretudo devido ao racismo online. No Reino Unido, a Football Association, que comanda a Premier League, liderou em junho um boicote às redes, para pressionar as plataformas a agirem contra os abusos.

Em Tóquio 2020, as redes sociais disseminaram uma onda de apoio. No entanto, elas fazem parte de uma engrenagem que aumenta a exposição dos atletas e que contribuiu para exacerbar as pressões.

Simone Biles expressou isso, ao dizer na coletiva: “Tem dias que todo mundo tuíta sobre você, fazendo sentir o peso do mundo”.

Leia também: Emissora se desculpa após retratar Ucrânia com foto de Chernobyl e Itália com pizza em Tóquio 2020

Por isso, as atitudes da ginasta e da tenista foram transformadoras. Mesmo sendo atletas de elite, elas ousaram revelar fragilidades, correndo riscos de críticas e chacota. Mais do que ajudar atletas, ajudaram a sociedade. E por isso podem se tornar mais heroínas do que se tivessem levado o ouro olímpico.

Lema olímpico foi atualizado para uma versão mais solidária em Tóquio 2020. (Divulgação COI)
Solidariedade faz mudar slogan

Para organizadores e patrocinadores, ver duas estrelas caírem antes da hora decepciona. Mas o Comitê Olímpico Internacional estava com as antenas ligadas para a necessidade de humanizar disputas ferozes e amenizar tensões.

Até os jogos do Rio, o slogan da competição era Faster, Higher, Stronger (Mais rápido, mais alto, mais forte), cunhado em 1896. Na semana passada, os membros do COI aprovaram por unanimidade a adição da palavra together (juntos).

O presidente da entidade, Thomas Bach, explicou o motivo: “A solidariedade alimenta nossa missão de tornar o mundo um lugar melhor por meio do esporte. Só podemos ir mais rápido, só podemos almejar mais alto, só podemos nos tornar mais fortes permanecendo juntos − em solidariedade”.

Leia também

Federação de jornalismo aproveita Tóquio 2020 para pedir fim do sexismo no esporte e na cobertura esportiva

Eurocopa: racismo online contra negros que perderam pênaltis na final revolta Reino Unido