Embora seja fato que a pandemia tenha provocado estragos na saúde mental dos jornalistas semelhantes aos de uma cobertura de guerra, falar sobre ansiedade, depressão e esgotamento é um grande estigma para os profissionais da área.
Para tentar ajudar os colegas a lidar com esse sofrimento, os jornalistas ingleses Hannah Storm e John Crowley lançaram esta semana o projeto Headlines Network (ou Rede de Manchetes), que terá ações de apoio e treinamento voltados, inicialmente, aos jornalistas do Reino Unido.
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“Ouvimos de colegas em todos os níveis da indústria que eles se sentem isolados e são incapazes de iniciar conversas e compartilhar suas experiências. Eles têm medo de admitir que estão passando por um momento difícil por medo de que suas reputações sejam prejudicadas”, dizem os autores da iniciativa.
Uma das primeiras ações do projeto, que conta com o apoio do Google News Lab, será a realização de workshops, no final de 2021, para jornalistas de toda a indústria de mídia do Reino Unido.
Essas sessões virtuais serão oferecidas a quatro grupos de profissionais –início de carreira, novos gerentes, jornalistas em meio de carreira e liderança sênior.
“Além de nossos workshops, queremos oferecer uma rede de conversas, trabalhando com indivíduos, instituições e a indústria em geral para criar espaços mais seguros onde possam buscar ajuda e ser ouvidos, e para garantir que possam fazer bem o seu trabalho”.
Os autores da iniciativa
Autoproclamado jornalista esgotado e um obsessivo por notícias, John Crowley justifica sua devoção à saúde mental dos colegas também com sua história pessoal.
A frenética rotina de trabalho em diversas redações e empresas lhe custou, segundo as próprias palavras, “um pesado tributo ao seu bem estar” e um quadro de Burnout, a síndrome da exaustão profissional.
Crowley passou por veículos como The Daily Telegraph, The Wall Street Journal, Newsweek e The Irish Post, entre outros. Hoje é freelancer.
Hanna Storm, parceira de John Crowley na Headlines, é ex-diretora do International News Safety Institute e da Ethical Journalism Network.
Ela foi coautora do primeiro estudo sobre dano moral e mídia para o Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, com o professor Anthony Feinstein, e escreve regularmente sobre a interseção de gênero, saúde mental, segurança física e online.
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Pesquisa mostrou extensão do problema
Para desenvolver seus programas, a Headlines Network produziu um relatório baseado em relatos feitos 2020 por 130 jornalistas de vários países, inclusive do Brasil.
Intitulada “Jornalismo em tempos de Covid-19”, a pesquisa mostrou, por exemplo, que o isolamento e o home office vieram acompanhados de mais preocupações para 59% deles.
“Estava claro que trabalhar em casa com famílias, colegas de apartamento ou estar sozinho cobrava seu preço”, diz o relatório.
O documento também apontou que 77% dos entrevistados relataram algum tipo de estresse relacionado ao trabalho durante o confinamento — dos quais 57% disseram ter tido a produtividade afetada; 44% identificaram piora no relacionamento com família e amigos; e 59% disseram ter se sentido deprimidos ou ansiosos em algum momento.
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Pesquisa aponta 70% dos jornalistas com algum dano psicológico
Importantes pesquisas mais recentes reforçam os números levantados por John Crowley em sua jornada. Um delas, publicada em julho pelo Instituto Reuters, concluiu que a cobertura da pandemia é tão estressante como a de uma guerra: 26% dos entrevistados apresentaram Transtorno de Ansiedade Generalizada; 11% sofriam de Transtorno de Estresse Pós-Traumático; e nada menos do que 70% tinham algum sofrimento psicológico.
Após entrevistar 1.406 jornalistas de 125 países, o Journalism and the Pandemic Project, em parceria com o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) e o Tow Center for Digital Journalism da Columbia University, chegou a um índice semelhante. O estudo mostrou que 70% dos profissionais relataram impacto psicológico durante a pandemia.
O trabalho revelou um quadro perturbador de jornalistas esgotados por uma crise de saúde mental, agravada pelo medo do desemprego e pela intensa carga de trabalho. Um em cada sete dos entrevistados (15%) relatou ter procurado apoio psicológico para auxiliá-los durante o período.
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