Não adiantaram as faixas de protestos com slogans como “Mídia Livre, Pessoas Livres” ou “Polônia Livre do Fascismo” empunhadas por milhares de manifestantes em diversas cidades polonesas na última terça-feira (10/8) em defesa da TVN24, o canal de notícias mais popular do país. A emissora é símbolo da imprensa independente polonesa, crítica ao governo e às autoridades.

Na noite desta quarta-feira (11/8), o parlamento polonês, controlado por aliados do governo, aprovou uma emenda que altera a lei sobre a propriedade de mídia no país. Se aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente Andrej Duda, o grupo de mídia norte-americano Discovery será obrigado vender sua participação controladora na TVN, que opera vários canais, entre eles a TVN24.

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A TVN24 tem grande influência na opinião pública polonesa, por veicular um telejornal noturno  assistido diariamente por milhões de espectadores.

O projeto de lei representou um sucesso para os conservadores no poder. E reforça a regra que impede que proprietários não europeus tenham o controle das empresas de mídia polonesas, acabando com a brecha utilizada pela Discovery, que controla a emissora de notícias polonesa por meio de uma empresa registrada na Holanda.

Sede da TVN, na Polônia. (Divulgação)
Contrário à iniciativa, vice-primeiro ministro foi demitido

O partido governista Lei e Justiça (PiS) lutou para garantir maioria para apoiar a medida, que acabou sendo aprovada por 228 votos a favor, 216 contra, com 10 abstenções.

A coalizão governista tinha sofrido um baque com a saída do pequeno partido Accord, depois que seu líder Jaroslow Gowin — que se opôs ao projeto de lei de mídia — foi demitido do cargo de vice-primeiro-ministro na terça-feira. 

TVN é maior investimento americano na Polônia; EUA criticam decisão

A decisão polonesa foi criticada diretamente pelo governo norte-americano e é vista como um grande ataque à independência da mídia na Polônia.

A votação ameaça azedar as relações com Washington e aprofundar a preocupação na União Europeia sobre os padrões democráticos no leste do bloco. Questões como independência judicial, diversidade da mídia e direitos LGBTQ+ já colocaram a Polônia e a Hungria em conflito com Bruxelas, sede do Parlamento Europeu.

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O conselheiro do Departamento de Estado dos EUA, Derek Chollet, disse que futuros investimentos americanos podem ser prejudicados se a licença da TVN24 não for renovada. A TVN, estimada em mais de US $ 1 bilhão, é o maior investimento americano na Polônia. 

Em um comunicado na quarta-feira à noite, a TVN disse que a decisão do parlamento constituiu “um ataque sem precedentes contra a liberdade de expressão e a independência da mídia”.

Impacto na mídia independente da Polônia

O projeto de lei da mídia é visto como um teste crucial para a sobrevivência dos veículos de notícias independentes na ex-nação comunista.

Além da mudança na legislação, a autoridade estatal que regula o setor recusou-se por mais de um ano a prorrogar a licença de transmissão da TVN24, que expira no final de setembro.

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Durante os protestos que tomaram a Polônia na terça-feira, os manifestantes expressaram seu medo de que a eliminação da emissora como uma voz independente traga de volta um nível de censura que muitos poloneses ainda se lembram do comunismo.

Seguindo o exemplo da Hungria

Os críticos dizem que o governo está adotando táticas utilizadas pelo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, um aliado ideológico próximo do Partido Lei e Justiça (PiS).

Tucker Carlson, da emissora conservadora americana Fox News, conversa com o premiê húngaro, Victor Orbán. (Divulgação)

As emissoras públicas húngaras se tornaram, em grande parte, porta-vozes do governo, enquanto vários outros meios de comunicação foram fechados ou tomados por interesses amigos do governo.

O governo Orbán ganhou espaço na mídia americana recentemente, com a visita do jornalista Tucker Carlson, estrela da conservadora Fox News, para uma entrevista como premiê, entre outros compromissos.

RSF diz que “repolonização da mídia” busca censura

A organização Repórteres Sem Fronteiras (a RSF) diz que, depois de consolidar seu controle sobre a mídia estatal, que passou a servir como ferramenta de propaganda de suas ações, o governo busca a “repolonização” dos veículos de comunicação privados com o objetivo declarado de influenciar suas políticas editoriais ou, em outras palavras, censurá-los.

No relatório mais recente sobre liberdade de imprensa elaborado pela RSF, a Polônia caiu duas posições em relação ao ano anterior. Passou a ocupar a 64ª posição, entre os 180 países analisados.

Governo passou a controlar mídia regional por meio de petrolífera

Como parte dessa campanha de “repolonização”, o governo passou a controlar a maioria da mídia regional, por meio da estatal petrolífera Orlen.

A empresa anunciou a aquisição de 20 dos 24 jornais regionais impressos pela empresa alemã Polska Press — jornais cujos sites têm 17 milhões de leitores.

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A RSF denuncia que durante a última campanha presidencial a mídia estatal favoreceu o atual presidente Andrzej Duda, ao mesmo tempo em que tentou desacreditar o principal candidato da oposição.

A organização também acusa a estatal TVP de participar de uma campanha do governo contra vozes críticas, tendo como alvo principal justamente a TVN.

Jornalistas usam internet para continuar a se expressar

Ainda que se tema uma regulamentação politizada do espaço digital, cada vez mais os jornalistas poloneses têm sido forçados a se refugiar na internet.

Entre os que foram obrigados por razões políticas, incluem-se os jornalistas que criaram a Rádio 357 na web, depois que decidiram deixar a rádio estatal quando a direção tentou censurar uma canção que criticava o governo.

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Mas as razões econômicas também explicam a migração para a internet, como no caso do semanário Wprostque não conseguiu mais continuar a publicar sua versão impressa.

Nesse cenário, a proposta do governo polonês de criar um novo imposto sobre a receita publicitária é vista como mais um passo na estratégia de censura dos meios de comunicação privados, que realizaram um protesto conjunto.

Com as finanças já enfraquecidas pelos efeitos econômicos da pandemia, os veículos temem que o novo imposto represente seu fim.

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