Londres – A Associação de Jornalistas Independentes da Europa (AIJ) divulgou um relatório destacando Hungria, República Checa, Polônia, Eslovênia, Bulgária e Grécia como países em situação mais crítica em relação à liberdade de imprensa entre as nações da União Europeia (UE).
O documento Imprensa Livre da Europa Sitiada, feito em conjunto com o Comitê para a Independência Editorial da República Tcheca, tem como objetivo pressionar o bloco a acelerar a adoção de medidas concretas para combater censura, perseguições e crimes contra jornalistas, que estão se tornando cada vez mais comuns nos países-membros.
Em um debate no Parlamento Europeu sobre o tema em março, vários eurodeputados condenaram iniciativas de países da UE destinadas a restringir o trabalho da mídia independente. No entanto, segundo a AIJ, a situação continua se deteriorando.
Processo lento
Na semana passada, a vice-presidente da Comissão Europeia, Vera Jourová, anunciou em um discurso que o bloco prepara um conjunto de leis para assegurar o trabalho dos jornalistas, o Media Freedom Act.
Ela afirmou que a comissão trabalha em dispositivos que protejam a imprensa dos abusos judiciais, usando processos contra jornalistas e empresas como meio de frear investigações jornalísticas.
Para a Associação de Jornalistas Independentes, no entanto, isso já deveria ter sido feito há muito tempo.
O relatório da AIJ recrimina a União Europeia pelo que considera “fracasso em agir em defesa de uma de suas mais importantes liberdades fundamentais, quando Viktor Orbán [primeiro-ministro da Hungria] começou a intimidar a imprensa livre, encorajou países-membros a seguirem o mesmo caminho”.
O grupo observa que a Comissão Europeia vem lamentando os acontecimentos, mas ainda não formulou um programa de combate:
“Em um momento de urgência global e debate sobre o recuo das democracias diante do crescente autoritarismo, que floresce em um ambiente de desinformação e notícias falsas, a Comissão e outras instituições europeias devem tratar a liberdade dos meios de comunicação como uma prioridade.”
Liberdade em queda
No Índice Mundial de Liberdade de Imprensa mais recente, publicado em abril deste ano pela organização Repórteres Sem Fronteiras, a Europa figura como a região do mundo mais segura para o jornalismo.
Contudo, Eslovênia, Polônia e Hungria perderam posições.
Entre as ameaças mais recentes apontadas pela AJI está a proposta de um novo imposto de propaganda na Polônia, o fim da rádio independente Klubrádió na Hungria, uma “guerra contra a mídia” empreendida pelo primeiro-ministro esloveno Janez Janša, e interferência na emissora pública na República Tcheca.
“Ataque descarado”
O governo polonês lançou o que a entidade classifica como “um dos ataques mais descarados sobre a liberdade da mídia”, com a lei aprovada pelo Parlamento que proibirá empresas estrangeiras de possuir meios de comunicação.
Para a AIJ, trata-se de “uma tentativa de estrangular a independência da mais influente estação de TV privada” no país.
Se a lei for referendada pelo Senado e pelo presidente, obrigará a Discovery, que pertence à Warner, a vender sua participação no canal. Mais de 1 mil jornalistas poloneses assinaram uma carta aberta protestando contra a nova lei.
O governo de Mateusz Morawiecki argumenta que a legislação proposta visa a garantir justiça social, já que os gigantes da mídia internacional estariam sufocando os veículos poloneses locais. A oposição classifica o projeto como nacionalização da mídia.
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Interferência na TV estatal na República Checa
Na República Checa, o governo mudou o processo de seleção de novos membros do conselho da emissora estatal. A lista de 56 foi reduzida para uma dúzia de nomes pré-selecionados, incluindo candidatos críticos da gestão atual do veículo.
O conselho tem o poder de demitir o diretor-geral da Televisão Ccheca, Petr Dvořák, o que na opinião de parlamentares de oposição seria o objetivo da interferência.
A mesa diretora atacou o jornalismo crítico e jornalistas que trabalham em reportagens relacionadas ao primeiro-ministro, políticos do governo ou o gabinete do presidente.
A União Europeia de Radiodifusão expressou a sua preocupação com a situação, alertando que a independência da rede pública está ameaçada:
“A televisão tcheca sofreu a maior ameaça à liberdade de expressão e independência da mídia desde a Revolução de Veludo [que depôs o governo comunista em 1989]. Uma primeira tentativa de controle político da estação fracassou, no ano 2000, forçando os políticos a recuarem. Hoje, 21 anos depois, a situação é ainda mais grave: os políticos têm o poder de vencer”.
Oligopólio na Bulgária
A Bulgária é o país da União Europeia que ocupa a posição mais baixa no índice de liberdade de imprensa da Repórteres sem Fronteiras, em 112º lugar entre 180 nações.
Segundo o relatório da AIJ, um oligopólio controla a grande maioria dos meios de comunicação do país e “coopera abertamente com a impunidade”.
O sufocamento da opiniões divergentes na Bulgária aconteceu principalmente durante uma sucessão de mandatos do primeiro-ministro Boyko Borissov, entre 2009 e 2021.
Duas eleições realizadas este ano foram inconclusivas, e um governo provisório comanda o país. A associação cobra da UE que interfira para que um novo governo eleito se comprometa com a pluralidade da mídia no país.
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Medo na Grécia
Na vizinha Grécia, além da concentração de grande parte da mídia no mãos de um pequeno grupo de oligarcas, segundo a AIJ, existe o medo adicional da violência contra jornalistas.
Em abril deste ano, o veterano repórter Giorgos Karaivaz foi morto a tiros perto de sua casa em Atenas, um crime com características de execução.
A polícia investiga relatos de uma conspiração para assassinar outro importante jornalista, Kostas Vaxevanis, informa o relatório.
“Essas tendências perturbadoras na Grécia sublinham como se tornou perigoso na União Europeia investigar corrupção em larga escala, o que levou aos assassinatos de Ján Kuciak na Eslováquia e de Daphne Caruana Galizia, em Malta.
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A Associação de Jornalistas Independentes mencionou ainda o caso do repórter investigativo holandês Peter de Vries, assassinado em julho deste ano. Ele recebeu cinco tiros quando deixava o estúdio de gravação, no centro de Amsterdã.
Dois homens foram presos, e as autoridades suspeitam do envolvimento do maior narcotraficante do país, Ridouan Taghi, que havia sido alvo de investigações jornalísticas de De Vries.
Rádio fora do ar na Hungria
Na Hungria, uma das últimas estações de rádio independente remanescentes, a Klubrádió saiu do ar após uma batalha de 8 anos, depois de ter sua licença de transmissão suspensa.
A AIJ criticou o que chamou de omissão da Comissão Europeia, que embora ciente do processo de cassação da frequência, “não agiu até que a estação foi forçada a transmitir sua programação apenas pela internet”.
A jornalista Veronika Munk, fundadora e editora-chefe do jornal independente Telex, disse:
“Jornalistas não vão para a prisão na Hungria e não houve assassinatos de profissionais de imprensa na história recente — mas o trabalho de jornalistas independentes nunca foi tão difícil.
Não só temos que lutar para manter uma base econômica pelo nosso trabalho, mas também pelo acesso à informação ”.
O primeiro-ministro, Victor Orbán, é considerado um dos predadores da liberdade de imprensa, lista elaborada pela Repórteres Sem Fronteiras, da qual o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, também faz parte.
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Entre iniciativas do premiê, estão expulsar a Universidade da Europa Central do país, banir o estudo acadêmico de gênero nas faculdades, permitir que o partido Fidesz comandasse 90% da mídia no país e demonizar o investidor húngaro-americano George Soros como mentor de tendências culturais que servem para inflamar a base popular de apoiadores do primeiro-ministro.
Eslovênia, clima de medo
Na Eslovênia existe um clima de medo, segundo a AIJ, com o primeiro-ministro Janez Janša atacando com frequência os jornalistas críticos ao governo.
Janša referiu-se à Agência de Imprensa Eslovena (STA) como uma “desgraça nacional”. Ele acusou a organização de radiodifusão pública Radiotelevizija Slovenija (RTV) de espalhar “mentiras” e enganar o público.
Em outubro de 2020, passado, editores dos maiores veículos eslovenos assinaram um manifesto condenando os ataques e intimidações que sofreram durante a cobertura dos primeiros meses da pandemia.
Recentemente, um estúdio da RTV foi invadido por manifestantes contrários à cobertura sobre a pandemia de Covid-19. O grupo tentou impedir a veiculação de um telejornal e queria colocar sua opinião no ar.
Num recente debate no Parlamento Europeu sobre liberdade de imprensa, valores e transparência, a comissária Vera Jourová usou a Eslovênia como exemplo de uma situação onde há “contínuas tentativas de minar o financiamento sustentável e a independência da agência de imprensa nacional”.
E disse que “os ataques verbais frequentes contra jornalistas são um motivo de séria preocupação.”
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