Londres – Cinco semanas após a tomada do poder no Afeganistão e de uma sucessão de restrições à liberdade de imprensa, o Talibã formalizou as regras para o jornalismo no país, que foram recebidas com preocupação por entidades internacionais.
O regulamento é composto por 11 normas, incluindo a proibição de transmitir matérias contrária ao Islã e a exigência de “cuidado” ao veicular informações não confirmadas por funcionários do governo.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) fez uma análise das regras, anunciadas em uma reunião com representantes da imprensa no dia 19 de setembro. E acha que são vagas, perigosas e podem ser usadas para perseguir os jornalistas.
Centro de Mídia e Informação no comando
O regulamento para o trabalho da mídia foi apresentado por Qari Mohammad Yousuf Ahmadi, diretor interino do Centro de Mídia e Informação do Governo (GMIC), depois de uma série de incidentes envolvendo jornalistas, incluindo casos de espancamento e fuga de muitos deles para outros países.
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Para a Repórteres Sem Fronteiras, à primeira vista algumas normas podem parecer razoáveis, pois incluem a obrigação de respeitar “a verdade” e não “distorcer o conteúdo da informação”. Mas, na realidade, “são extremamente perigosas porque abrem caminho para a censura e a perseguição”, diz a entidade.
“Decretadas sem qualquer consulta aos jornalistas, essas novas regras são de arrepiar por causa do uso coercitivo que pode ser feito delas, representando um mau presságio para o futuro da independência jornalística e do pluralismo no Afeganistão”, afirmou o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire
O diretor afirma que as normas criaram um marco regulatório baseado em princípios e métodos que contradizem a prática do jornalismo e deixam espaço para interpretações opressivas, em vez de fornecer um marco de proteção que permita aos jornalistas, inclusive mulheres, voltarem a trabalhar em condições aceitáveis.
“Essas regras abrem o caminho para a tirania e a perseguição”, disse.
Nos primeiros dias após a tomada de Cabul, o Talibã chegou a dar sinais de que a imprensa poderia ser tratada de forma diferente do que foi no passado, realizando uma entrevista coletiva pacífica e autorizando mulheres a fazerem perguntas. Mas a divulgação do regulamento indica que o controle sobre a mídia será severo.
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“Contrários ao Islã”
Segundo a análise da RSF, as três primeiras regras, que proíbem os jornalistas de transmitir ou publicar matérias que sejam “contrárias ao Islã”, “insultem figuras nacionais” ou violem a “privacidade”, baseiam-se vagamente na legislação nacional de mídia existente no Afeganistão, que também incorporou a exigência de cumprir normas internacionais, incluindo o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
“A ausência dessa exigência nas novas regras abre a porta para a censura e repressão, porque não há indicação de quem determina, ou com base em que é determinado que um comentário ou artigo é contrário ao Islã ou desrespeitoso a um cidadão”.
Três das regras determinam que os jornalistas se adaptem ao que o Talibã entende como princípios éticos. Eles não devem “tentar distorcer o conteúdo das notícias”, devem “respeitar os princípios jornalísticos” e “devem garantir que as matérias sejam equilibradas”.
Mas a ausência de referência a normas internacionais reconhecidas significa que essas regras também podem ser mal utilizadas ou interpretadas arbitrariamente, segundo a organização.
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A entidade acredita que as regras 7 e 8 facilitam o retorno do controle do grupo extremista sobre notícias ou mesmo a censura prévia, que deixou de existir no Afeganistão nos últimos 20 anos.
O regulamento pede que “questões que não foram confirmadas por funcionários no momento da transmissão ou publicação devem ser tratadas com cuidado”. E que “questões que possam ter um impacto negativo na atitude do público ou afetar o moral devem ser tratadas com cuidado ao serem transmitidas ou publicadas. ”
Para a Repórteres sem Fronteiras, o perigo de retorno ao controle das notícias ou à censura prévia é potencializado pelas duas últimas regras (10 e 11), que revelam que o GMIC “elaborou um formulário específico para facilitar aos meios de comunicação e jornalistas a preparação de suas reportagens de acordo com com os regulamentos ”.
E que a partir de agora, os meios de comunicação devem“ preparar relatórios detalhados em coordenação com o GMIC ”. A natureza desses “relatórios detalhados” ainda não foi revelada.
A nona regra, exigindo que os meios de comunicação “sigam o princípio da neutralidade no que disseminam” e “apenas publiquem a verdade”, poderia estar aberta a uma ampla gama de interpretações e expor ainda mais os jornalistas a represálias arbitrárias, na avaliação da entidade.
As 11 regras
1- Matérias contrárias ao Islã não devem ser transmitidas ou publicadas.
2- Na atividade jornalística, os meios de comunicação não devem insultar as personalidades nacionais.
3- A privacidade nacional e pessoal deve ser respeitada.
4- Os meios de comunicação e os jornalistas não devem tentar distorcer o conteúdo das notícias.
5- Os jornalistas devem respeitar os princípios jornalísticos na preparação de suas reportagens.
6- A mídia deve garantir que suas matérias sejam equilibradas.
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7- Assuntos que não foram confirmados por funcionários no momento da transmissão ou publicação devem ser tratados com cuidado.
8- Assuntos que podem ter um impacto negativo na atitude do público ou afetar o moral devem ser tratados com cuidado ao serem transmitidos ou publicados.
9- Os meios de comunicação devem aderir ao princípio da neutralidade no que veiculam e devem apenas publicar a verdade.
10- O Centro de Informação e Mídia do Governo (GMIC) está tentando cooperar com a mídia e jornalistas e fornecer-lhes facilidades. A partir de agora, os meios de comunicação irão preparar relatórios detalhados em coordenação com o GMIC.
11- O GMIC elaborou um formulário específico para facilitar aos meios de comunicação e jornalistas a preparação de suas reportagens de acordo com o regulamento.
Pedido de ajuda
Há uma semana, jornalistas afegãos que ainda continum no país e outros que tiveram que se exilar assinaram um manifesto por meio da Repórteres sem Fronteiras pedindo ajuda. Eles se mantiveram anônimos por medo de represálias diretas ou contra familiares, e cobraram ação da comunidade internacional para impedir o fim do jornalismo livre no Afeganistão.
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