Londres – O anúncio feito por líderes de 124 países na COP26 sobre o combate ao desmatamento até 2030 foi motivo de comemoração. Entretanto, no Brasil a gestão do presidente Jair Bolsonaro gera preocupações em relação ao cumprimento do acordo.
Dois professores da Universidade de Cardiff, George Ferns e o brasileiro Marcus Gomes, analisam o anúncio a partir do cenário atual no país.
Eles atribuem o leve progresso progresso observado há alguns anos em parte a campanhas do Greenpeace Brasil e à ação do Ministério Público Federal. E engrossam o coro dos que acham que a proposta de corte de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 é ” contabilidade criativa”.
Declaração sobre florestas e uso da terra
No segundo dia da COP26 – a conferência do clima da ONU em Glasgow – o mundo comemorou um anúncio feito por líderes de 124 países.
Na Declaração dos Líderes sobre Florestas e Uso da Terra, os líderes mundiais corajosamente prometeram “interromper e reverter a perda florestal e a degradação da terra até 2030, proporcionando ao mesmo tempo um desenvolvimento sustentável”.
Mas em meio aos elogios a esta declaração, também há sérias dúvidas se os principais signatários podem cumprir suas promessas ambiciosas.
Em particular, todos os olhos estão voltados para o Brasil.
O Brasil não apenas detém grandes trechos da floresta amazônica e do ecossistema do Cerrado (a maior área de savana da América do Sul), mas a política governamental sobre questões ambientais tornou-se particularmente destrutiva sob a presidência do atual líder do país, Jair Bolsonaro – que ficou notavelmente ausente da COP26.
Vendo como o governo do Brasil – e o presidente Bolsonaro em particular – reverteu o progresso no desmatamento no passado, somos pouco otimistas com a sua sinceridade neste momento.
Desmatamento no Brasil
O Brasil já viu diversos setores de sua economia definirem metas ambiciosas de desmatamento. Em julho de 2006, os seis maiores comerciantes multinacionais de commodities assinaram a Moratória da Soja, prometendo parar de comprar o produto de comerciantes envolvidos com desmatamento ilegal da Amazônia.
Três anos depois, os frigoríficos brasileiros firmaram o Compromisso de Desmatamento Zero, fazendo promessas semelhantes.
Consequentemente, entre 2009 e 2014, o Brasil experimentou as menores taxas de desmatamento da Amazônia.
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Este pequeno período de progresso limitado só foi possível devido à colaboração entre empresas no Brasil, o governo brasileiro e vários atores importantes na cadeia global de fornecimento de commoditie.
Nossa pesquisa mostrou que esse progresso efêmero foi em parte resultado de uma campanha do Greenpeace Brasil, bem como das ações do Ministério Público Federal do Brasil.
Uma combinação de campanhas de “name and shame”, o envolvimento da polícia e acordos legais com o Ministério Público Federal aumentaram a pressão sobre os frigoríficos, ameaçando os lucros do setor e resultando no engajamento parcial de empresas no combate ao desmatamento.
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Impacto da crise política
Infelizmente, o alinhamento político entre esses setores diminuiu drasticamente a partir da crise política e econômica que atingiu o Brasil em 2014.
Desde que Bolsonaro assumiu o cargo em 2019, as taxas de desmatamento começaram a aumentar em ritmo acelerado novamente, chegando ao máximo em 12 anos.
O combate ao desmatamento por meio de acordos multilaterais como o deste momento já fracassou antes.
Em 2014, a Declaração de Nova York sobre Florestas tentou estabelecer um objetivo semelhante: acabar com o desmatamento até 2030 depois de reduzi-lo à metade até o fim de 2020. Cerca de 40 países a assinaram, mas o Brasil não estava entre deles.
Embora a Declaração de Nova York também tenha sido comemorada , seu impacto real foi limitado.
Em 2019, um relatório de acompanhamento de cinco anos concluiu “haver “pouca evidência de que essas metas estão no caminho certo”, afirmando que menos de 20% dos objetivos gerais de restauração florestal foram cumpridos.
O acordo na COP26
É importante notar que o conjunto de signatários desta nova declaração da COP26 não tem precedentes.
Países com cobertura florestal significativa, como Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo, assinaram – alguns pela primeira vez.
A lista de signatários também inclui países como Reino Unido, Japão e Alemanha – alguns dos maiores consumidores de commodities como óleo de palma, gado, soja, cacau, madeira e borracha – cuja produção está intrinsecamente ligada ao desmatamento.
O setor financeiro está igualmente enviando sinais a favor da redução do desmatamento. Mais de 30 instituições financeiras líderes, que juntas controlam mais de £ 6,4 trilhões em ativos, se comprometeram a eliminar o desmatamento agrícola impulsionado por commodities de sua carteira de investimentos até 2025.
No entanto, a exemplo das promessas feitas pelos Estados-nação, só o tempo dirá se esses compromissos se traduzirão em ações substantivas.
“Pedalada climática”
Em outras parte das negociações climáticas, o novo Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil – planos climáticos nacionais não vinculantes, inclui o corte de 50% das emissões de gases de efeito estufa do país até 2030.
Em relação ao corte de 43% prometido em 2015, parece um avanço.
Mas, na verdade, nada mais é do que contabilidade criativa, que vem sendo chamada de ‘pedalada climática’. De acordo com a análise do Política por Inteiro, o governo de Bolsonaro está tentando mudar a linha de base histórica desse compromisso.
Essa mudança significaria que, na melhor das hipóteses, o Brasil manteria seu NDC original. Na pior das hipóteses, isso permitiria mais emissões. Isso torna mais difícil confiar nas outras promessas ambientais de Bolsonaro.
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Bolsonaro é conhecido por seu desprezo pela governança ambiental. Ele tentou aumentar o acesso do setor de commodities à Amazônia, alegando que relaxar a regulamentação ambiental é a chave para alcançar o crescimento econômico .
Ele também tem um histórico de tentativas de desmantelar os órgãos ambientais e limitar seus orçamentos.
Talvez esta nova declaração dê aos líderes mundiais uma vantagem, permitindo-lhes impor sanções econômicas ao governo de Bolsonaro se ele quebrar o acordo.
No entanto, à medida que as negociações continuam, é vital que Bolsonaro e sua ideologia anti-ecológica e anti-globalista não prejudiquem as negociações.
Este artigo foi originalmente publicado no portal acadêmico The Conversation sob uma licença Creative Commons. Tradução aprovada pelos autores. Leia o original em inglês.
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