Dia dos Direitos Humanos é celebrado com 365 jornalistas presos e 45 mortos este ano, diz Federação Internacional
Redação MediaTalks
Markus Spiske / Unsplash
Londres – Para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro, a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) fez um balanço do número de prisões e assassinatos de jornalistas em 2021, apontando Ásia e Europa como as regiões com mais profissionais cumprindo penas, alguns deles sem julgamento.
De acordo com a organização, 45 jornalistas foram mortos desde janeiro de 2021, e 365 estão atrás das grades. As duas listas revelam “o aprofundamento da crise no jornalismo, com os direitos e a liberdade dos profissionais de imprensa sob constante ameaça em muitas regiões do mundo”, diz a Federação.
Menos assassinatos de jornalistas, mas mais prisões
O número de assassinatos de jornalistas até o momento é menor do que a de 2020, que teve 65 casos.
“Embora essa redução seja uma notícia bem-vinda, é um pequeno consolo em face da violência contínua que ceifou a vida de jornalistas”, diz a IFJ.
O conflito no Afeganistão cobrou seu preço para a mídia. Das 45 mortes em atos violentos este ano, nove aconteceram no país, alguns antes mesmo antes da tomada do poder pelo Talibã.
Em segundo lugar aparece o México, onde o jornalismo é severamente ameaçado pelo crime organizado. Este ano foram oito casos. Depois vêm Índia (4) e Paquistão (3).
Já os encarceramentos aumentaram. O ano de 2020 havia terminado com 235 profissionais de imprensa presos em todo o mundo.
IFJ quer convenção para proteger jornalistas e direito à informação
O secretário-geral da IFJ, Anthony Bellanger disse:
“O mundo precisa acordar para as crescentes violações dos direitos dos jornalistas e da liberdade de imprensa em todo o mundo. Essas listas de jornalistas presos e colegas mortos são evidências claras de atos deliberados para suprimir o jornalismo independente.
Esses números também apontam para a violação do direito fundamental das pessoas de acessar informações precisas, objetivas e justas, para que possam fazer escolhas devidamente informadas sobre assuntos públicos, que é um requisito básico para uma sociedade inclusiva”.
A IFJ está cobrando da Organização das Nações Unidas uma Convenção sobre a segurança de jornalistas para promover, proteger e garantir a segurança dos profissionais da mídia em tempos de paz e durante conflitos armados, e para salvaguardar sua capacidade de exercer sua profissão de forma livre e independente, sem enfrentar assédio, intimidação ou ataques contra sua integridade física.
Ásia tem mais jornalistas presos, seguida por Europa
No balanço de 2020 divulgado pela IFJ, a Ásia lidera a lista de jornalistas presos por regiões do mundo, com 162 casos, o que reflete a situação crítica de liberdade de imprensa na China e em países que aumentaram a repressão devido a golpes de estado e conflitos civis, como Mianmar e Iêmen.
No entanto, uma surpresa é a Europa. Classificada como uma das regiões mais seguras para o jornalismo em rankings como o da Repórteres Sem Fronteiras, o continente aparece em segundo lugar entre os que têm no momento mais profissionais de imprensa presos, num total de 87.
O resultado deve-se a três nações que têm reprimido fortemente a liberdade de imprensa: Turquia (34 presos), Belarus (29) e Rússia (12).
O Oriente Médio vem em terceiro lugar em prisões, com 65, seguido por África (49) e Américas (2).
Além dos três países europeus mencionados, outras nações destacadas entre os piores carcereiros para a imprensa são Eritreia (29), Egito (27), Vietnã (21), Mianmar (18), Azerbaijão e Iêmen (11), Camboja (10 ) e Irã (9).
Número de mortes no Afeganistão aumenta após retorno do Talibã
A região da Ásia-Pacífico deve sua posição de destaque na lista de mortos devido à situação dos jornalistas no Afeganistão. A situação no país piorou após o retorno ao poder do Taleban, com sua intolerância declarada ao jornalismo independente e atitude hostil à participação das mulheres na vida pública, inclusive no jornalismo.
O colapso do governo afegão e a retirada das tropas ocidentais deixaram milhares de jornalistas do país lutando para chegar a um lugar seguro, depois de abandonar suas carreiras e meios de subsistência.
Peter De Vries: assassinato de jornalista investigativo chocou Europa
De Vries era uma das figuras mais conhecidas e respeitadas na televisão e no jornalismo na Holanda, mas isso não serviu como proteção. Em julho, o jornalista de 64 anos foi morto com cinco tiros, quando deixava o estúdio de gravação de seu programa, no movimentado centro de Amsterdã.
O atentado foi atribuído ao chamado inimigo público número 1 da Holanda, o traficante Ridouan Taghi, que está preso respondendo a diversos processos de tráfico e assassinato.
Mais do que investigar o traficante como parte de seu trabalho jornalístico, De Vries envolveu-se diretamente no caso. Ele tornou-se um dos conselheiros da principal testemunha, identificada como Nabil B, que fez parte da quadrilha de Taghi antes de desligar-se e virar informante da polícia.
Peter de Vries ganhou notoriedade na Holanda com seu trabalho de jornalismo investigativo. (Reprodução/NOS)
Um dos advogados e o próprio irmão de Nabil B já tinham sido assassinados em 2019, em crimes atribuídos ao traficante. De Vries foi avisado naquele ano pela polícia de que poderia se tornar um alvo, mas rejeitou proteção especial.
Em entrevista à mídia holandesa, o juiz e promotor italiano Nicola Gratteri disse que a Holanda, junto com a Alemanha, a Bélgica e a França, subestimam a influência desestabilizadora do crime organizado na sociedade. Segundo ele, a Holanda está “minimamente equipada” para enfrentar as gangues criminosas.
Dois suspeitos foram presos, um deles um rapper holandês e outro um homem de nacionalidade polonesa. O caso ainda não foi julgado.
Na Europa, lei pode coibir violência contra jornalistas
O caso do jornalista holandês foi emblemático pela ousadia, mas não foi o único. E nem sempre as ameaças partiram de criminosos ou de governos autoritários.
Agressões a jornalistas durante manifestações,registradas na Itália, mas também na França, Reino Unido e Alemanha, intensificaram-se depois da Covid-19, com manifestantes contrários às medidas de controle sanitário investindo contra a mídia.
Antes do holandês, um caso semelhante ao dele ocorreu em Malta em 2017. A jornalista investigativa Daphne Galizia foi vítima da explosão de uma bomba colocada em seu carro, supostamente a mando de um empresário de cassinos, insatisfeito com denúncias envolvendo as empresas dele e autoridades do governo maltês.
Esses episódios foram citados por Vera Jourová, presidente da Comissão Europeia, ao anunciar em setembro que o bloco prepara um conjunto de leis para assegurar o trabalho dos jornalistas na Europa, o Media Freedom Act.
A Comissão Europeia é o braço político do Parlamento Europeu responsável por definir as prioridades para a União Europeia (UE). A lei vai determinar que os países-membros se empenhem em proteger profissionais de imprensa, tanto física como juridicamente.
A comissão trabalha também em dispositivos que protejam a imprensa dos abusos judiciais, caracterizados por processos contra jornalistas e empresas como meio de frear investigações jornalísticas, segundo Jourová.
“Esperamos que os países-membros investiguem e processem vigorosamente todos os atos criminosos contra jornalistas, fazendo pleno uso da legislação nacional e europeia existente. Os países-membros são incentivados a envolver as autoridades europeias, como a Europol e a Eurojust.
No entanto, o conjunto de leis não afetará os três países europeus listados pela IFJ entre os que concentram mais jornalistas presos. Rússia, Belarus e Turquia não integram a União Europeia.
O documento destacou Hungria, República Tcheca, Polônia, Eslovênia, Bulgária e Grécia como os países da União Europeia em situação mais crítica em relação à liberdade de imprensa.
Mesmo um dos poucos fatos positivos para os profissionais de imprensa, como a entrega do Prêmio Nobel da Paz de 2021 a dois jornalistas – Maria Ressa e Dimitry Muratov -, serviu como uma lembrança dos sacrifícios que eles fizeram ao serviço da liberdade de imprensa e da democracia em seus países, como tantos de seus colegas ao redor do mundo.
No dia 14 de dezembro, Dmitry Muratov participa de um webinar gratuito organizado pela Global Investigative Journalism Network (GIJN). Ele falará sobre o desafio de praticar jornalismo independente diante de ameaças crescentes em seu país e no mundo. Saiba como participar.
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