A demissão do jornalista Chris Cuomo da CNN, ocorrida em dezembro, foi motivada por uma carta recebida pela emissora denunciando uma suposta agressão sexual cometida pelo âncora contra uma ex-funcionária da ABC News, em 2011, e não somente por ter aconselhado o irmão governador denunciado por assédio sexual.
A novidade sobre o caso foi revelada pelo jornal New York Times (NYT) na terça-feira (15), provocando ondas de choque na emissora, que há duas semanas havia perdido seu CEO, Jeff Zucker, depois de um romance com uma subordinada vir à tona.
Na carta enviada à CNN, a advogada Debra Katz, que representa a vítima não identificada, afirma que Cuomo tentou forçar uma relação sexual com a mulher depois de convidá-la para almoçar em seu escritório na rede ABC, e que o jornalista tentou abafar o caso oferecendo visibilidade em seu programa.
Chris Cuomo teria feito convite para almoço em escritório
Até dezembro passado Chris Cuomo era o âncora-estrela da CNN, com um salário milionário e um programa de grande repercussão nacional no horário nobre, analisando os assuntos políticos do dia.
Em novembro de 2021, ele foi afastado para uma investigação interna do auxílio que prestou ao irmão, o ex-governador de Nova York Andrew Cuomo, acusado de assédio sexual.
Segundo a reportagem do NYT, apenas um dia após o então CEO da CNN, Jeff Zucker, se reunir com o jornalista para anunciar a suspensão, chegou na emissora a carta com a acusação de agressão sexual contra o próprio Chris Cuomo.
No documento, a advogada que representa a vítima, apelidada com o nome fictício de Jane Doe, relata que, em 2011, a mulher trabalhava como temporária na ABC News e buscava um cargo permanente.
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Sob o pretexto de dar conselhos profissionais, Chris a teria convidado para almoçar em sua sala. Segundo o relato da vítima, ao ficar a sós com o jornalista, ele teria “insistido” para ter relações sexuais com ela.
Com a recusa, Chris Cuomo teria a agredido sexualmente. Nenhum outro detalhe sobre o suposto abuso foi divulgado.
Jane Doe ainda afirmou na carta que, nesse mesmo dia, teria enviado “e-mails amigáveis” para tentar apaziguar a situação com o jornalista.
Anos mais tarde, no ápice do movimento #MeToo, que ganhou força em 2017, a mulher relata que foi procurada por Chris Cuomo.
Na ocasião, ele já era âncora da CNN. O jornalista estaria interessado em fazer um bloco em seu programa dedicado à empresa em que Jane trabalhava. Ela disse ter evitado contato com o apresentador, mas mesmo assim a CNN transmitiu o conteúdo.
A mulher disse que interpretou isso como uma ameaça velada para que ela não revelasse sua própria história relacionada ao #MeToo — movimento em que mulheres compartilharam nas redes sociais histórias de abusos e violências sexuais, e que resultou na prisão do produtor de Hollywood Harvey Weinstein.
Um porta-voz de Cuomo negou as alegações contidas na carta enviada à CNN.
Não é a primeira história envolvendo o jornalista da CNN com episódios de abuso.
Em setembro de 2021 ele confirmou que havia tocado inadequadamente uma colega de trabalho, Shelley Ross, então produtora da ABC News, onde os dois trabalhavam.
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Crise com irmãos Cuomo derrubou CEO e diretora de marketing da CNN
A reunião com Chris Cuomo no final de novembro aconteceu com a presença do CEO da CNN na época, Jeff Zucker, e de Allison Gollust, vice-presidente executiva e diretora de marketing da CNN.
No dia, foi dito a Chris que ele estava sendo suspenso por tempo indeterminado pela ajuda dada ao irmão, o ex-governador de Nova York Andrew Cuomo, em meio às alegações de assédio sexual feitas contra o político.
Chris Cuomo teria se oferecido para renunciar. Porém, fontes afirmaram ao New York Times que Zucker o informou que ele poderia retornar à rede em algum momento.
A chegada da carta com a denúncia de agressão sexual no dia seguinte fez com que a rede de TV mudasse de idéia, demitindo o âncora na mesma semana.
Na carta, a advogada Debra Katz alegou que o afastamento do profissional era um “abuso de poder da CNN para tentar silenciar” sua cliente.
A Cuomo, Zucker justificou que a sequência de escândalos em que o jornalista estava envolvido era “demais” para a imagem da emissora norte-americana, por isso, o melhor caminho era a demissão.
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Porém, o próprio Zucker renunciou do cargo de CEO global da empresa em 2 de fevereiro após revelar um relacionamento amoroso com Allison Gollust.
A diretora de marketing, por sua vez, também deixou a emissora nesta semana. Segundo a CNN, todos os três são acusados de falhas na ética jornalística pelo relacionamento e proximidade impróprios com Andrew Cuomo.
Sem emprego, livro nem programa de rádio: o 2021 de Chris Cuomo
O infortúnio do jornalista da CNN Chris Cuomo não terminou com a demissão da emissora em consequência das revelações sobre a extensão da ajuda na defesa do irmão governador acusado de assédio e do seu próprio envolvimento em um caso da mesma natureza.
O antes todo-poderoso âncora do programa político que ocupava o horário nobre da emissora nos EUA terminou 2021 sem emprego, perdeu o contrato para escrever um livro, deixou o programa de rádio que apresentava, viu o irmão perder o cargo de governador do estado de Nova York e pode ter que enfrentar uma briga judicial com a rede para garantir o pagamento do que acha que é devido.
Cuomo não foi o único jornalista a querer esquecer 2021. Mas a queda dele pode ser considerada a maior de todas no ano que passou.
Cuomo, a queda de uma estrela do jornalismo
Ele ingressou na CNN em 2013, após passagens pela ABC e Fox News. Depois de subir na hierarquia, foi escolhido em março de 2018 para ancorar o Cuomo Prime Time, show de análise política no horário nobre. Seu salário anual seria de US$ 6 milhões.
Durante o tempo em que apresentou o programa, o jornalista da CNN usou o espaço para criticar fortemente o ex-presidente Donald Trump, do partido Conservador, adversário político de seu irmão, o então popular governador democrata Andrew Cuomo.
O livro seria uma tábua de salvação para Cuomo se manter em evidência depois de sair da CNN e assegurar o status de grande analista político
A editora era a Custom House, uma marca da HarperCollins Publishers. A promessa era de “uma análise provocativa das duras verdades que a pandemia e os anos Trump expuseram sobre a América — sobre nossa força e nosso caráter — e um roteiro do trabalho necessário para tornar nossos ideais realidade”.
Mas a editora confirmou à Associated Press em dezembro o cancelamento do contrato para o lançamento de “Deep Denial”, programado para outubro de 2022.
Fim do programa de rádio foi outro golpe para o jornalista da CNN
Três dias depois de perder o emprego na CNN, Cuomo anunciou que também deixaria seu antigo programa de rádio SiriusXM, Let’s Get After It .
“Foi difícil como meu tempo acabou na CNN”, explicou o apresentador em um comunicado.
“Embora eu tenha uma pele dura, também tenho uma família, para a qual a semana passada foi extraordinariamente difícil. Então, agora, eu tenho que dar um passo para trás e me concentrar no que vem a seguir.”
— Christopher C. Cuomo (@ChrisCuomo) December 6, 2021
Como tudo parece andar junto para os Cuomo, alguns dias depois o irmão ex-governador também descobriu que terá prejuízos com um livro, só que já publicado.
Andrew Cuomo recebeu em dezembro uma ordem da procuradoria-geral de Nova York para devolver ao Estado os lucros do livro que escreveu sobre a pandemia, estimados em US $ 5,1 milhões.
Um painel de ética concluiu que o ex-governador, que reunciou em agosto após várias mulheres terem denunciado assédio sexual, usou recursos públicos para promover a obra ‘Crise Americana: Lições de Liderança da Pandemia da Covid-19, em que narra seu trabalho na condução da crise do coronavírus.
Processo contra a CNN por salários perdidos
O tabloide americano New York Post revelou que Chris Cuomo estaria se preparando para processar a rede se ela não pagar os US$ 18 milhões restantes em seu contrato, sob a alegação de que o ex-presidente, Jeff Zucker, sabia sobre seu envolvimento na investigação de denúncias sexuais de seu irmão.
Fontes não identificadas disseram ao Post que a rede “não tem intenção de pagar um centavo a Cuomo”, observando que “se ele conseguir um acordo, haverá um alvoroço”.
Com as revelações sobre assédio sexual, a situação dele pode ficar enfraquecida, já que o fundamento da tentativa de receber os valores do contrato era o conhecimento prévio dos chefes sobre a extensão de sua ajuda ao irmão.
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