A repressão do governo filipino contra Maria Ressa, jornalista ganhadora do Nobel da Paz, virou uma questão diplomática às vésperas das eleições presidenciais do país, com engajamento do governo dos EUA na condenação às ameaças à liberdade de imprensa que se intensificaram nas últimas semanas.
Na terça-feira (5), ela se reuniu com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, para discutir a necessidade de defender e proteger a mídia independente no país.
O encontro aconteceu num momento em que Ressa e seu site de notícias, o Rappler, enfrentam uma nova onda de intimidação governamental às vésperas das eleições nas Filipinas, no dia 9 de maio.
Repressão contra Maria Ressa aumenta 1 mês antes de eleições
O Rappler foi objeto de ao menos 14 novos processos por crimes de difamação online nas últimas semanas, denunciaram a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) e a coalizão Hold the Line, criada para defender a jornalista que virou símbolo de perseguição à imprensa.
Após a reunião com Ressa, Antony Blinken compartilhou uma imagem do encontro no Twitter, e disse que eles abordaram o “trabalho que os governos devem fazer para proteger os jornalistas”.
“A mídia independente é uma pedra angular da democracia – uma ferramenta essencial que vale a pena proteger neste momento crítico para defender a democracia”, afirmou Blinken.
Honored to have met with Nobel Laureate @MariaRessa to discuss the need for independent media & the work governments must do to protect journalists. Independent media is a cornerstone of democracy—an essential tool worth protecting in this critical moment for defending democracy. pic.twitter.com/LIUjh8CRwJ
— Secretary Antony Blinken (@SecBlinken) April 5, 2022
O Nobel da Paz 2021 foi dividido entre ela e o também jornalista Dmitry Muratov, da Rússia, que há duas semanas anunciou o fechamento de seu jornal devido à repressão do governo de Vladimir Putin em reação à cobertura da guerra da Ucrânia.
O encontro com o representante do governo dos EUA aconteceu dias depois de a jornalista filipina participar de uma audiência no Senado dos EUA, em que analisou a deterioração da liberdade de expressão na Ásia.
Maria Ressa pediu aos legisladores que responsabilizem as empresas de tecnologia americanas e as big techs de mídias sociais por plataformas que “recompensaram mentiras com raiva e ódio” sobre fatos, citando-o como um dos maiores problemas enfrentado pelos jornalistas hoje.
“Os governos democráticos devem agir mais rápido”, disse a jornalista no Senado americano em 31 de março, conforme reportou o Rappler.
Essa não foi a primeira vez que Ressa pediu aos governos nas Filipinas, Europa e EUA que elaborem uma legislação que proteja a imprensa e os jornalistas contra a disseminação de fake news e desinformação online.
A própria fundadora do Rappler foi alvo de assédio online e de pressão por meio de processos judiciais contra ela nas Filipinas.
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As 14 novas queixas de difamação cibernética feitas contra o site Rappler nas últimas semanas, listadas pela RSF e pela Hold the Line, tratam de assuntos diversos, sempre relacionados a integrantes do governo ou pessoas próximas ao presidente Rodrigo Duterte.
Em uma delas, jornalistas do veículo e suas fontes foram citados nos processos por causa de uma reportagem sobre o pastor de Duterte, Apollo Quiboloy, que está na lista de “mais procurados” do FBI.
Quiboloy e seus aliados foram acusados de conspiração por se envolverem em tráfico sexual pela força, fraude e coerção; tráfico sexual de crianças; fraude matrimonial; fraude e uso indevido de vistos; e vários crimes de lavagem de dinheiro, segundo denúncia do Rappler.
A empresa de Quiboloy, Sonshine Media Network International (SMNI), que atacou jornalistas independentes e agências de notícias que reportam criticamente sobre o governo Duterte, recebeu do governo uma licença para operar um canal de TV recentemente.
Além desses casos, Maria Ressa foi citada entre 17 repórteres, editores e executivos de sete organizações de notícias em queixas de difamação cibernética apresentadas pelo secretário de Energia, Alfonso Cusi.
Ele alega que Ressa e os demais processados “o acusaram publicamente de corrupção” em reportagens sobre uma ação de corrupção movida contra ele e um empresário.
Cusi está exigindo que cada um dos acusados pague 200 milhões de pesos (quase US$ 4 milhões) em danos. A RSF aponta que a vencedora do Nobel não escreveu o artigo sobre o caso publicado pelo Rappler.
Além dos processos, o Rappler enfrenta outro desafio legal que pode comprometer sua cobertura das eleições.
O Procurador-Geral das Filipinas solicitou ao Supremo Tribunal que anule o acordo de chegarem de fake news entre o Rappler e a Comissão Eleitoral (COMELEC).
Como resultado, a colaboração destinada a combater a desinformação associada à eleição presidencial foi temporariamente interrompida — a pouco mais de um mês do pleito.
O Comitê Diretor da Coalizão Hold the Line criticou a “escalada dramática no assédio legal” enfrentado por Ressa e seu veículo de mídia.
“As tentativas flagrantes do Estado de suprimir os serviços de verificação de fatos do Rappler relacionados às eleições são uma tentativa inaceitável de enganar o público quanto ao seu direito a informações precisas, o que é crítico durante as eleições.”
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Outro vencedor do Nobel também sofre censura de governo
Maria Ressa não é a única jornalista vencedora do Nobel da Paz a sofrer intimidação do governo de seu país.
O outro ganhador do prêmio, Dmitry Muratov, suspendeu as operações de seu jornal, o Novaya Gazeta, durante a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
O governo de Vladimir Putin sancionou uma rigorosa lei de censura com penas de até 15 anos de cadeia para quem divulgar “fake news” a respeito do conflito com a Ucrânia.
No final de março, o Novaya Gazeta publicou um comunicado no site informando que estava suspendendo a edição impressa e também o noticiário online e nas redes sociais depois de receber outra notificação do Roskomnadzor, órgão regulador de telecomunicações russo.
O informe diz que as operações serão retomadas após o final da “operação especial no território da Ucrânia”. Pelas regras da nova legislação russa contra fake news, a guerra não pode ser chamada de guerra.
Dois avisos do Roskomnadzor por ano podem valer uma suspensão da licença de mídia. Uma outra notificação tinha sido recebida no dia 22 de março.
O Novaya Gazeta não informou o teor da notificação ou qual reportagem teria motivado a abordagem do órgão oficial. Limitou-se a avisar sobre a suspensão.
Mas no mesmo dia em que a decisão foi anunciada o jornal tinha publicado uma reportagem sobre a entrevista concedida pelo presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a jornalistas russos de veículos de oposição ao governo.
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