O governo de Hong Kong segue reprimindo veículos e jornalistas independentes, uma perseguição que foi intensificada com base na lei de segurança nacional, decretada em 2020 como resposta de Pequim à luta pela democracia na ex-colônia britânica.

O alvo mais recente foi o repórter Allan Au, um professor de jornalismo de 54 anos e colunista do extinto Stand News, jornal fechado após uma batida policial e prisão de vários de seus profissionais. 

Vídeo postado nas redes sociais mostra o momento em que o jornalista foi preso em sua casa, na madrugada de segunda-feira (11), pelo Departamento de Segurança Nacional da polícia de Hong Kong, segundo a mídia local.

A detenção foi sob a acusação de “conspiração para publicar materiais sediciosos”, ou seja, sublevação contra autoridades, um crime com pena máxima de dois anos de prisão. A lei de sedição vem da época imperial e foi resgatada por Hong Kong para perseguir jornalistas e ativistas.

(Matéria atualizada em 12 de abril, às 15h20)

Após mais de 17 horas detido, Allan Au foi libertado sob fiança na noite de segunda-feira, informou o jornal independente HKFP.

Ao deixar a delegacia pouco antes da meia-noite (horário local), o jornalista juntou as mãos em posição de oração. “Obrigado a todos pela preocupação”, disse ele, sem responder a nenhuma pergunta dos repórteres que estavam no local.

Esse foi o mais recente golpe contra a liberdade de imprensa no território chinês, que vive um declínio dos direitos dos jornalistas.

Allan Au é um famoso jornalista veterano de Hong Kong e sua prisão tem relação com o caso do jornal Stand News, veículo independente fechado devido à repressão do governo em 2021.

Ele trabalhou anteriormente como colunista do jornal de língua chinesa Ming Pao, foi apresentador de rádio da emissora pública Radio Television Hong Kong (RTHK) e produtor do canal de língua cantonesa TVB News.

Foi também consultor da Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK), de acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF).

Au é o terceiro jornalista ligado ao site Stand News a ser detido de forma arbitrária: outros dois funcionários seniores do veículo também já estão presos acusados ​​de sedição, os editores-chefe Patrick Lam e Chung Pui-kuen, que aguardam julgamento sob custódia.

Logo após o encerramento das atividades do veículo, Allan Au começou a escrever “bom dia” todos os dias em seu Facebook para confirmar que estava em segurança, segundo a agência AFP.

Considerado um dos colunistas locais mais experientes da cidade, ele foi foi bolsista Knight na Universidade de Stanford em 2005 e obteve um doutorado na Universidade Chinesa de Hong Kong.

Em 2017, Au publicou um livro sobre censura em Hong Kong intitulado “Freedom Under 20 Shades of Shadow”.

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No ano passado, ele foi demitido da rádio pública em que apresentava um programa de variedades depois que as autoridades iniciaram uma mudança que começou a transformar a emissora editorialmente independente em algo mais próximo da mídia estatal chinesa.

Uma fonte policial confirmou à agência AFP a detenção de Au por acusações de “conspiração para publicar materiais sediciosos”.

Horas mais tarde, a polícia confirmou, em comunicado, a detenção de um homem de 54 anos porém sem revelar sua identidade — uma prática habitual das forças de segurança de Hong Kong.

“Podem acontecer mais prisões”, advertiu a polícia em sua nota.

China censura a mídia pró-democracia

Em um espaço de seis meses, três jornais encerraram suas operações em Hong Kong por causa da repressão do governo. O último caso foi o do jornal digital independente Citizen News, que fechou as portas em janeiro deste ano.

O anúncio do fim do Citizen News aconteceu uma semana após uma operação policial que prendeu sete funcionários do Stand News, acusados de sedição. 

Entre os presos, estavam uma famosa cantora pop que foi membro do conselho do jornal, Denise Ho, e um dos editores que presidia a Associação de Jornalistas de Hong Kong. 

Fundado em 2014, o Stand News forneceu cobertura detalhada de todos os julgamentos relacionados à Lei de Segurança Nacional e foi indicado ao Prêmio RSF de Liberdade de Imprensa em 2021.

Outra publicação pró-democracia, o jornal Apple Daily – conhecido por suas críticas ao governo chinês, em Hong Kong – também foi forçado a fechar em junho do ano passado, após uma pressão constante das autoridades sobre o jornal que funcionou de 1995 a 2021. 

Seis diretores da publicação também foram detidos no ano passado por acusações baseadas na lei de segurança nacional.

Seu proprietário, o famoso magnata da mídia Jimmy Lai, de 74 anos, cumpre pena por diversas condenações relacionadas aos protestos pró-democracia que tomaram conta de Hong Kong em 2019. Ele é um dos mais velhos jornalistas presos na atualidade. 

ONG denuncia 14 jornalistas presos em Hong Kong

A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) criticou as autoridades de Hong Hong após o jornalista Allan Au ser preso.

“A detenção de um terceiro jornalista do Stand News, dois meses após o desligamento forçado do veículo, mostra a determinação do governo em acabar com a liberdade de imprensa no território”, diz o chefe do Escritório da Ásia Oriental da RSF, Cédric Alviani,

“A comunidade internacional deve pressionar Pequim a garantir a libertação de Au ao lado de todos os outros jornalistas e defensores da liberdade de imprensa detidos em Hong Kong”.

A ONG relembra que, em junho de 2021, a executiva-chefe de Hong Kong, Carrie Lam, usou a Lei de Segurança Nacional como pretexto para fechar o Apple Daily, o maior jornal de oposição de língua chinesa do território.

Sob o mesmo pretexto, a lei foi usada para processar pelo menos 24 jornalistas e defensores da liberdade de imprensa — 14 dos quais estão atualmente detidos, incluindo Au, denuncia a RSF.

Os veículos fechados haviam conquistado público com o apoio aos protestos pró-democracia em Hong Kong e vinham registrando audiência crescente, agora interrompida pela onda de censura da China. 

Os portais de notícias representavam uma pedra no sapato do governo chinês, que em 1997 recebeu Hong Kong da Grã-Bretanha.

A liberdade de imprensa em Hong Kong é garantida no acordo com a Grã-Bretanha, mas a indústria de mídia local garante que esse quesito está sendo flagrantemente violado pela lei de segurança nacional, decretada em 2020.

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Lei de sedição é usada contra jornalistas e opositores

Em fevereiro, a Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) divulgou um relatório sobre a liberdade de imprensa em Hong Kong.

Desde que a nova Lei de Segurança Nacional foi promulgada em em 2020, o território autônomo passou a apresentar sérios riscos aos profissionais de imprensa, tanto locais quanto estrangeiros. 

Intitulado Lights Out: Este é o fim da liberdade de imprensa em Hong Kong?, o relatório da IFJ detalha a lista de armas usadas em Hong Kong para restringir o trabalho de jornalistas independentes.

Segundo a Federação, a lei de 2020 traz traça uma série de “linhas vermelhas” invisíveis. São regras vagas e não escritas que, se quebradas, podem resultar na prisão de profissionais da imprensa. 

A Federação afirma que ainda há uma proposta de “lei de notícias falsas” que  tem o potencial de definir qualquer cobertura crítica como “desinformação”.

Dessa forma, qualquer jornalista pode ser detido sob acusação de “colocar em risco a segurança do Estado” ao publicar qualquer notícia que as autoridades considerem como desinformação. 

Aqueles profissionais que questionem essas regras acabam se tornando alvo de assédio online, de acordo com a  IFJ.

O documento aponta, ainda, que no período por ele coberto, outras medidas de controle da liberdade de imprensa também foram adotadas em Hong Kong. O relatório completo pode ser lido aqui.

Uma das armas usadas contra os profissionais de imprensa é a lei contra a sedição, que data da colonização britânica, mas, nos últimos dois anos tem sido usada contra jornalistas, sindicalistas e ativistas.

A sedição não está na lei de segurança nacional que Pequim impôs a Hong Kong em 2020, mas os tribunais a tratam como uma ofensa de segurança nacional. Geralmente acusados desse crime são presos sem opção de fiança. 

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