A invasão à Ucrânia voltou os holofotes do mundo para os crimes contra profissionais do jornalismo na Europa. Desde o início do conflito, em fevereiro, já foram sete mortes relacionadas ao trabalho da mídia na região.
Mas um novo relatório do Conselho da Europa (CoE), feito em parceria com as Federações Internacional e Europeia de Jornalistas (FIJ e EFJ), e outras organizações, mostra que a guerra apenas agravou um cenário alarmante.
No ano passado, 282 graves violações da liberdade de imprensa ocorridas em 35 países foram reportadas ao CoE — contra 200 em 2020, um aumento de 41%.
Jornalismo na Europa é ameaçado por crescentes ataques
O relatório “Defendendo a liberdade de imprensa em tempos de tensão e conflito”, apresentado na Associação de Imprensa da Bélgica, indica que “as luzes vermelhas estão piscando” para a mídia independente da Europa.
Os dados foram coletados dos registros da Plataforma do CoE para Promover a Proteção do Jornalismo e a Segurança dos Jornalistas.
Algumas das violações contra o jornalismo na Europa reportadas refletem falhas recorrentes nas chamadas “democracias imperfeitas”, diz o documento. Outras são em resposta às medidas adotadas para combater a pandemia de covid-19 e, supostamente, deveriam ser temporárias.
“Mas não são apenas os números em si. O tipo e a gravidade das violações da imprensa devem ser um alerta para todos os que se preocupam com o estado das democracias na Europa.”
Segundo o CoE, políticos e demais agentes do Estado respondem por 47% das violações reportadas em 2021. E, em um número crescente de países, esses casos não são ocasionais.
“Eles resultam de uma estratégia deliberada para impor um modelo ‘iliberal’, em total violação dos princípios fundamentais do Estado de direito e dos direitos humanos.”
Das 282 violações contra a liberdade de imprensa destacam-se ataques à segurança e integridade física de jornalistas (82); detenção e prisão de jornalistas (32); assédio e intimidação de jornalistas (110); impunidade em casos (2); outros atos com graves efeitos na liberdade de imprensa (56).
Um dos ataques recentes que exemplifica o aumento da repressão contra a imprensa na Europa foi o do jornalista holandês Peter De Vries. Em julho, ele foi morreu depois de ser baleado cinco vezes em um atentado relacionado à sua cobertura do narcotráfico no país.
O caso chocou a Holanda e o mundo do jornalismo por ter ocorrido em um país com imprensa livre e sem grandes conflitos sociais. No entanto, expôs o risco crescente a que jornalistas estão submetidos ao denunciar casos de corrupção e tráfico de drogas, como vinha fazendo De Vries.
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Em termos de abuso online, o relatório afirma que um total de 110 alertas de assédio e intimidação de jornalistas foram publicados na plataforma em 2021, em comparação com 70 em 2020.
Os países com mais casos registrados são Polônia, Rússia, Sérvia, Eslovênia e Reino Unido.
Produzido antes do início da guerra na Ucrânia, o levantamento inclui uma análise do conflito na liberdade de imprensa do continente:
“Ataques à mídia e à imprensa resultaram em ampla censura draconiana, não apenas da mídia russa, mas também da mídia estrangeira.”
O relatório dá destaque para o regulador de mídia russo Roskomnadzor, que exigiu que os meios de comunicação publicassem apenas relatos oficiais do governo sobre a invasão da Ucrânia e o curso da guerra, e ameaçou bloqueá-los e seus sites se não o fizessem.
Muitos, incluindo o do vencedor do Nobel da Paz, foram de fato fechados.
O documento do CoE também sugere recomendações a serem adotadas no futuro para melhorar a segurança dos jornalistas.
Em particular, insta os governos e as partes interessadas da sociedade civil a garantir que todos os alertas sejam respondidos e acompanhados das ações necessárias.
Jornalismo da América Latina vive situação mais letal que na Europa
Apesar da preocupante situação do jornalismo europeu, a América Latina vive um cenário mais grave e, certamente, mais letal. Somente em 2022, ao menos 14 jornalistas já foram mortos em crimes relacionados à profissão.
A maioria dos casos (8) foi registrado no México, país que vive uma vertiginosa escalada de violência contra comunicadores e deixa em alerta entidades defensoras da liberdade de imprensa em todo o mundo.
O diretor e editor do site mexicano Monitor Michoacán, Armando Linares, foi o oitavo jornalista a morrer em consequência dos atentados sofridos pelos profissionais de imprensa do país neste ano.
Outros quatro países da região contabilizam assassinatos de jornalistas em 2022: Haiti (3), Brasil (1), Honduras (1) e Guatemala (1).
A Nicarágua é outro país em que a mídia independente e crítica ao governo tem sido sufocada. Diversos profissionais foram presos, condenados ou tiveram que se exila para escapar da perseguição.
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E, na Colômbia, uma nova forma de intimidação a jornalistas — pouco usual e nada sutil — foi usada contra a diretora do noticiário colombiano Noticias Uno, Cecilia Orozco: a perseguição por um carro funerário.
Em fevereiro, relatório da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) analisou os programas de proteção a jornalistas nos quatro países mais perigosos da América Latina para o trabalho da imprensa – México, Honduras, Colômbia e Brasil.
Juntos, esses países foram responsáveis por 90% dos assassinatos de jornalistas na última década — 134 mortes no total.
No Brasil, os pesquisadores apuraram como funciona o PPDDH (Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas), iniciativa do governo federal em parceria com os estados e organizações da sociedade civil, que tem a tarefa de criar planos de proteção para pessoas em situação de risco.
Apesar de o programa ser uma importante rede de apoio para vulneráveis, a RSF aponta que há urgência de se desenvolver procedimentos e protocolos nacionais que considerem a diversidade e se adaptem às necessidades particulares de cada indivíduo ou grupo que recorre a ele.
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