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Brasil em 110º no Índice de Liberdade de Imprensa 2022, que aponta ‘nova era de polarização’

Foto: Mikhail Mamontov /Pixabay

Londres – O Brasil não tem muito a comemorar neste Dia Mundial de Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio: no 20º Índice Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que está sendo apresentado na manhã de hoje em Londres, o país ocupa o incômodo 110º lugar entre 180 países analisados. 

O estudo deste ano, que apontou a Noruega em primeiro lugar, destaca “os efeitos desastrosos do caos no ambiente de informação, causado por um ambiente globalizado e desregulado que alimenta fake news e propaganda política”.

Na análise sobre o Brasil, a organização afirma que “a relação entre a imprensa e o governo se deteriorou muito desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, que ataca regularmente jornalistas e a mídia em seus discursos” e “mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais como parte de uma estratégia de ataques coordenados para desacreditar a imprensa, rotulada como inimiga do Estado”.

Liberdade afetada por ‘mídia de opinião’, no modelo Fox News 

Na definição da Repórteres Sem Fronteiras, liberdade de imprensa consiste na “possibilidade efetiva de jornalistas produzirem e divulgarem informações de interesse público, independentemente de interferência política, econômica, jurídica e social, e sem ameaças à sua segurança física e mental”. 

A entidade vê o aumento da polarização ajudada pela falta de liberdade de imprensa como fator gerador de divisões internas entre as populações e nas relações entre países.

A RSF atribui ao crescimento da chamada ‘mídia de opinião’, no modelo da emissora americana Fox News, o aumento das divisões internas. E ao controle dos meios de comunicação por regimes despóticos as divisões entre países e a crescente ameaça às democracias. 

Para a entidade, os dois tipos de polarização, interna e externa, têm intensificado as tensões. Um exemplo é a guerra da Ucrânia, que foi precedida por uma guerra de desinformação promovida pela mídia controlada pelo regime russo. 

Situação da liberdade de imprensa no Brasil é ‘problemática’

O Global Press Freedom Index deste ano divide o estado da liberdade de imprensa nos 180 países analisados em cinco níveis: bom, relativamente bom, problemático, difícil e muito grave.

Em apenas oito nações o estado da liberdade de imprensa é considerado bom. Outros 40 estão no nível relativamente bom, o que significa que em apenas um em cada quatro (26,5%) dos países analisados os jornalistas atuam com um nível de liberdade de imprensa considerado satisfatório.

Na terça parte da amostra (62 países) a liberdade de imprensa é considerada problemática, com o Brasil aparecendo no último lugar desse grupo. Em seguida, são listados os países em que a liberdade de imprensa encontra-se em situação ‘difícil’.

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Número de países com liberdade de imprensa em estado muito grave bate recorde

Em quatro de cada dez dos países analisados (39%) a liberdade de imprensa está num nível difícil ou muito grave. Enquanto 42 países estão no nível difícil, os países com situação muito grave chegaram ao número recorde de 28.

O índice deste ano foi elaborado com uma nova metodologia, baseada em cinco indicadores: o contexto político, a estrutura legal, o contexto econômico, o contexto sociocultural e a segurança. Por isso, não são feitas comparações com anos anteriores. 

O Brasil teve avaliação melhor em contexto sociocultural. A estrutura legal, a segurança e o contexto político foram classificados num nível intermediário, enquanto o contexto econômico foi o quesito com pior pontuação. 

Noruega, o paraíso da liberdade de imprensa

O topo do índice é ocupado por um trio de países nórdicos apontado pela Repórteres Sem Fronteiras como modelos democráticos onde a liberdade de expressão floresce. É formado por Noruega, que repetiu o primeiro lugar do ranking anterior, seguida por Dinamarca e Suécia.

Em quarto lugar aparece a Estônia, que subiu 11 posições desde a edição anterior e foi o único país que passou de uma situação satisfatória no ranking passado para uma situação boa este ano.

Completam o quadro a Finlândia (5º), Irlanda (6º), Portugal (7º) e Costa Rica (8º), o único país de fora da Europa avaliado com uma situação boa de liberdade de imprensa.

O número de países com boa situação de liberdade de imprensa diminuiu em relação ao ano passado, quando eram doze. Com a entrada da Estônia, deixaram esse grupo e caíram para uma situação “relativamente boa” este ano Holanda, Jamaica, Nova Zelândia, Suíça e Bélgica.

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Coreia do Norte, na lanterna em liberdade de imprensa

Os dois últimos postos do ranking são ocupados pela Eritreia (179º) e Coreia do Norte (180º). São os mesmos que ocupavam as piores posições no ranking passado, mas que inverteram suas posições este ano.

Cuba (173º) é o único país latino-americano que faz parte do grupo dos dez países com situação de liberdade de imprensa mais grave.

A China (175º) se mantém entre os dez piores, e a RSF destaca que o país continua a usar seu arsenal legislativo para isolar sua população do resto do mundo, especialmente a de Hong Kong, que por causa disso despencou no índice.

Mianmar (176º) caiu 36 posições e também passou a figurar entre os dez piores após as restrições impostas pelo golpe de estado de fevereiro de 2021.

Completam o grupo Síria (171º), Iraque (172º), Vietnam (174º), Turcomenistão (177º) e Irã (178º).

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Europa é o continente com mais liberdade de imprensa

O levantamento da Repórteres Sem Fronteiras demonstra que a Europa é o país com a maior proporção de países com liberdade de imprensa em situação boa ou relativamente boa (soma de verde e amarelo). Dos oito únicos países com boa situação, sete estão na Europa.

Também é no continente europeu que se encontra a menor proporção de países com situação problemática, difícil ou muito grave (em laranja, salmão e vermelho).

A segunda melhor situação encontra-se nas Américas. Na região encontra-se a segunda maior proporção de países com nível bom ou relativamente bom, e o único país com boa situação de liberdade de imprensa fora da Europa, a Costa Rica.

Mesmo considerando apenas o nível regional, o estudo da Repórteres Sem Fronteiras mantém o Brasil numa posição desconfortável, entre os dez piores dentre os 26 avaliados.

A África aparece em terceiro lugar entre as regiões. As duas piores são a Ásia-Pacífico, com mais da metade dos países citados com uma situação difícil ou muito grave, e a do Oriente Médio e Norte da África, onde mais da metade dos países apresentam uma situação de liberdade de imprensa muito grave.

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Controle da mídia põe democracias em risco

A Repórteres Sem Fronteiras alerta que as democracias estão sendo enfraquecidas pela assimetria entre as sociedades abertas e os regimes despóticos que controlam suas mídias e plataformas online.

A invasão da Ucrânia (106ª) pela Rússia (155ª) no final de fevereiro é um exemplo desse processo apontado pela RSF, pois o conflito foi precedido por uma guerra de propaganda e desinformação.

Para o secretário-geral da entidade, Christophe Deloire, uma entrevista da editora-chefe da RT (antiga Russia Today) à TV Russia One não poderia ser mais reveladora:

“Margarita Simonyan, da RT, mostrou o que realmente pensa quando disse que nenhuma grande nação pode existir sem controle sobre a informação.”

A RSF alerta que a falta de liberdade de imprensa no Oriente Médio continua impactando o conflito entre Israel (86º), Palestina (170º) e os estados árabes.

Mídia de opinião x liberdade de imprensa 

A Repórteres Sem Fronteiras chama a atenção para o fenômeno que batizou de “Fox Newsização” – em alusão à emissora americana que se consolidou apoiando Donald Trump e propagando teorias conspiratórias e desinformação sobre a covid.

O secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, ressalta que essa “Fox Newsização”, que incentiva um modelo que toma partido em detrimento da isenção jornalística, representa um perigo para as democracias porque mina, no nível interno, a base da harmonia civil e do debate público tolerante. 

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Para a entidade, apesar da eleição do democrata Joe Biden, a polarização alimentada pela mídia de opinião continua muito presente nos Estados Unidos (42º), ajudando a reforçar divisões internas.

Problemas recorrentes que afetam os jornalistas norte-americanos permanecem sem solução, como o desaparecimento dos jornais locais e a erosão do jornalismo pelas plataformas locais, em um clima de animosidade aos profissionais de imprensa. 

Mesmo assim, o país subiu duas posições no ranking deste ano, chegando ao 42º posto, graças às melhorias implementadas pelo governo Biden no relacionamento com a imprensa, como a restauração das coletivas de imprensa na Casa Branca e na agência sanitária federal. 

A França (26º lugar no ranking geral) também é destacada no estudo pelo acirramento das tensões sociais e políticas, acelerado pelas redes sociais e pelos novos veículos da mídia de opinião.

O levantamento também ressalta que a repressão à imprensa independente é um fator intenso de polarização em alguns países, destacando entre eles a Polônia (66º lugar geral), onde as autoridades consolidaram o controle da emissora pública e sua estratégia de “repolonização” da mídia privada.

Como a liberdade de imprensa é medida 

O índice de liberdade de imprensa da RSF deste ano passou a ser elaborado com uma nova metodologia, baseada em cinco indicadores: o contexto político, a estrutura legal, o contexto econômico, o contexto sociocultural e a segurança.

A pontuação nos indicadores de cada um dos 180 países analisados (contexto político, a estrutura legal, o contexto econômico, o contexto sociocultural e segurança) foi determinada  com base em avaliações quantitativas e qualitativas.

Para tanto, foi realizada um levantamento quantitativo das violações da liberdade de imprensa e dos abusos contra jornalistas e veículos.

Além disso, foi realizada uma pesquisa qualitativa com centenas de especialistas em liberdade de imprensa, que responderam a um questionário com 123 perguntas.

Os que mais subiram e os que mais desceram em liberdade de imprensa 

A mudança de metodologia inviabiliza comparações entre as pontuações do ranking deste ano com os anteriores. Algumas movimentações podem estar associadas a uma melhora ou piora das condições no período de um ano, enquanto outras devem-se à mudança de critérios. 

Entre os que aparecem em posições inferiores a partir da nova metodologia estão Timor Leste, Montenegro e Argentina, país onde ocorreu uma onda de ataques a jornais recentemente. 

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O estudo ressalta que mudanças de governo contribuíram para a subida da Moldávia e da Bulgária, com a esperança de melhoria da situação dos jornalistas, mesmo com oligarcas ainda controlando a mídia.

Os países que mais desceram com a nova metodologia foram Hong Kong (-68), Botsuana (-57), Kuwait (-53) e Nicarágua e Chipre (-39).

Em relação ao ranking anterior, o Brasil manteve-se estável, passando da 111ª para a 110ª posição.

Um novo modelo para assegurar liberdade de imprensa

A respeito das questões levantadas pelo levantamento, como o crescimento da mídia de opinião, o controle despótico da mídia e o cerceamento da liberdade de imprensa, o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, clama por mudanças:

“Precisamos promover urgentemente um New Deal para o jornalismo, conforme proposto pelo Fórum de Informação e Democracia, e adotar um novo arcabouço jurídico mais adequado, incluindo um sistema de proteção dos espaços democráticos de informação.”

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