Na semana em que se celebrou o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) lançou uma ferramenta que usa inteligĂȘncia artificial para acompanhar a situação do jornalismo nas AmĂ©ricas a partir do que Ă© publicado em mĂ­dias digitais e no Twitter.  

A plataforma, chamada SIP Bot, vem em um momento de crescente repressĂŁo no continente. O Chile registrou casos de graves agressĂ”es a jornalistas no inĂ­cio do mĂȘs, enquanto o MĂ©xico jĂĄ teve oito profissionais de mĂ­dia assassinados somente em 2022.

A ferramenta, segundo a SIP, serĂĄ usada para monitorar “obstĂĄculos ou ataques ao exercĂ­cio do jornalismo e Ă  liberdade de expressĂŁo” na regiĂŁo, com a proposta de defender e garantir o trabalho do jornalismo independente.

Estado do jornalismo escrutinado pela inteligĂȘncia artificial 

O SIP Bot (ou IAPA Bot, em inglĂȘs) foi apresentado durante painel na conferĂȘncia anual da Unesco em comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, realizada em Punta Del Leste, no Uruguai.

O presidente da associação, Jorge Canahuati anunciou que o SIP Bot Ă© uma ferramenta que “permitirĂĄ um escrutĂ­nio eficiente e em tempo real das violaçÔes da liberdade de imprensa” nas AmĂ©ricas.

A plataforma Ă© acessada diretamente no navegador, indexando e classificando conteĂșdo em espanhol e inglĂȘs sobre jornalismo por meio de inteligĂȘncia artificial. 

Na pĂĄgina, sĂŁo seis menus principais que guiam o usuĂĄrio, incluindo um botĂŁo para reportar incidentes contra a liberdade de imprensa e um “mapa de calor” que permite ver em tempo real os eventos que estĂŁo afetando a mĂ­dia independente na regiĂŁo.

SIP Bot pĂĄgina inicial
Pågina inicial do SIP Bot (Foto: Reprodução)

É possĂ­vel tambĂ©m selecionar somente um paĂ­s para ver notĂ­cias e eventos recentes sobre ele. HĂĄ ainda um resumo diĂĄrio dos eventos mais importantes contra jornalistas e meios de comunicação e das principais conversas no Twitter.

Como a inteligĂȘncia artificial mapeia a liberdade de imprensa 

O mapa da liberdade de imprensa nas AmĂ©ricas Ă© calculado com dados de trĂȘs fontes: notĂ­cias de cada paĂ­s obtidas pelo Google News e diretamente de vĂĄrias mĂ­dias; postagens no Twitter analisadas por algoritmos de aprendizado de mĂĄquina treinados para questĂ”es de liberdade de imprensa,  e reclamaçÔes recebidas atravĂ©s desta ferramenta.

Os dados sĂŁo capturados diariamente na madrugada (horĂĄrio EUA) a partir de tĂ­tulos de notĂ­cias ou tweets com os termos ou tags configurados na ferramenta.  

Para cada tweet ou notĂ­cia, a ferramenta identifica trĂȘs variĂĄveis: eficĂĄcia, localização e texto ofensivo. 

A eficĂĄcia (no Twitter) Ă© a soma de retuĂ­tes e favoritos. Em localização, o sistema identifica nomes de um paĂ­s ou cidade.

No caso do Twitter, pode incluir ainda o local de onde a conversa se originou. Caso um territĂłrio nĂŁo seja identificado mas o texto mencione um jornalista, meio de comunicação ou governo, o local associado ao remetente das informaçÔes Ă© atribuĂ­do.

O SIP Bot também aponta se o texto é ofensivo ou agressivo contra um jornalista ou conta a liberdade de imprensa.

Depois de uma filtragem para eliminar textos cujos termos nĂŁo sejam suficientes para determinar que o conteĂșdo Ă© relacionado Ă  liberdade de imprensa, o conteĂșdo Ă© armazenado em um banco de dados.

Os textos sĂŁo entĂŁo processados por meio de operaçÔes que simplificam os cĂĄlculos, para que o usuĂĄrio possa obter informaçÔes imediatamente, divididas em cinco tabelas: Clima de Liberdade de Imprensa, Palavras no Twitter, Tabela de UsuĂĄrios, Estigma (Twitter) e TendĂȘncias. 

Sempre que um usuĂĄrio navega em algum lugar da ferramenta (por exemplo, para visualizar um paĂ­s no mapa de liberdade de imprensa entre duas datas), o SIP Bot  processa as tabelas prĂ©-calculadas, com respostas imediatas. 

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Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, disse que o SIP Bot ajudará a instituição a reforçar os relatórios semestrais sobre liberdade de imprensa e o Índice de Chapultepec, barîmetro anual que mede a situação na região, e aspectos jurídicos que afetam o trabalho dos jornalistas e da mídia.

Ele acrescentou que a ferramenta tambĂ©m oferece a jornalistas e usuĂĄrios “uma maneira rĂĄpida e eficiente de registrar reclamaçÔes”.

Canahuati e Jornet indicaram que o SIP Bot estarĂĄ em “construção permanente” conforme a evolução da inteligĂȘncia artificial e suas aplicaçÔes no jornalismo. 

Para eles, “o uso permitirĂĄ que a ferramenta aprenda e se torne cada vez mais poderosa e Ăștil para a mĂ­dia, jornalistas e usuĂĄrios”.

Liberdade de imprensa ameaçada na América Latina, segundo RSF

A organização RepĂłrteres sem Fronteiras (RSF) divulgou nesta semana o Índice Global de Liberdade de Imprensa, e paĂ­ses da AmĂ©rica Latina ficaram em situação preocupante, incluindo o Brasil.

O país ficou entre os dez piores da região. Dos 26 mercados analisados, 16 receberam uma avaliação melhor do que a do Brasil quanto às condiçÔes de liberdade da imprensa local.

O paĂ­s ficou na Ășltima colocação do grupo de nove naçÔes ou ĂĄreas cuja situação de liberdade de imprensa foi classificada como problemĂĄtica. 

Esse grupo Ă© formado por Suriname (52Âș), a comunidade de ilhas do Caribe Oriental (55Âș), Equador (68Âș), Haiti (70Âș), PanamĂĄ (74Âș), Peru (77Âș), Chile (82Âș), Paraguai (96Âș) e Brasil (110Âș).

Na anĂĄlise sobre o contexto sociocultural do Brasil, a RSF afirma que “a retĂłrica agressiva do governo Bolsonaro em relação aos jornalistas e Ă  imprensa tem contribuĂ­do para o fortalecimento de uma atitude hostil e desconfiada em relação aos repĂłrteres na sociedade em geral”. 

Para a organização, a “ampla disseminação de desinformação continua a envenenar o debate pĂșblico”.

A honrosa exceção em liberdade de imprensa na região é a Costa Rica, que continua, a exemplo do ranking anterior, entre os países com melhor situação no mundo.

O paĂ­s centro-americano ocupa o invejĂĄvel oitavo lugar geral e lidera com folga o ranking latino-americano. AlĂ©m disso, Ă© o Ășnico paĂ­s nĂŁo-europeu entre os oito que tiveram sua situação local de liberdade de imprensa classificada como boa.

AlĂ©m da Costa Rica, sete paĂ­ses da regiĂŁo tambĂ©m fizeram bonito, tendo suas condiçÔes de liberdade de imprensa consideradas relativamente boas. Quem puxa a fila desse grupo Ă© a Jamaica, que aparece em um honroso 12Âș lugar do ranking geral.

Completam a lista Trinidad e Tobago (25Âș), Argentina (29Âș), RepĂșblica Dominicana (30Âș), Guiana (34Âș), Uruguai (44Âș) e Belize (47Âș).

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