Em mais um caso de violência contra jornalistas na Índia, o repórter Subhash Kumar Mahto foi morto a tiros no estado de Bihar, em frente à sua casa, no dia 20 de maio. Ele é o segundo profissional da mídia assassinado no país em três meses.
O crime repete um padrão que tem sido cada vez mais frequente em vários países, incluindo o Brasil: jornalistas de veículos regionais são cruelmente assassinados por causa de matérias que envolvem casos de corrupção, crimes e gangues de narcotráfico.
Pessoas próximas a Mahto acreditam que o assassinato foi motivado pela investigação que ele fez para uma matéria sobre a máfia ilegal do álcool na região. Em 2018, ele havia sido preso por reportagem semelhante envolvendo policiais, relatou um colega ao Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), mas a polícia não confirmou a suspeita.
Jornalista morto na Índia era ativo nas redes sociais
A Índia é um dos países mais violentos para o trabalho da imprensa, segundo a organização Repórteres sem Fronteiras (RSF). No último Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da RSF, o país foi classificado em 150º na avaliação de 180 nações.
Muitos desses crimes acontecem contra profissionais independentes ou de veículos locais. Era o caso de Subhash Kumar Mahto, que trabalhava para a emissora a cabo local City News.
Mahto tinha o hábito de postar suas matérias no Public App, um aplicativo para compartilhamento de vídeos semelhante ao Instagram, bastante popular na Índia.
Segundo o CPJ, o jornalista tinha mais de 1.300 seguidores na rede social e sua última publicação foi vista mais de 29 mil vezes.
O secretário-geral da Associação de Jornalistas do Distrito de Begusarai, Saurabh Kumar, disse ao CPJ que a morte de Mahto pode ter ligação com reportagem recente sobre um grupo criminoso que comercializava bebidas alcoólicas na região. Fabricar e consumir álcool é ilegal em Bihar, um crime previsto em lei estadual.
Há quatro anos, o jornalista foi preso acusado de publicar “notícias falsas” ao cobrir um incidente relacionado à fabricação ilegal de bebidas, segundo Kumar.
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Mahto foi morto ao chegar em casa depois de um jantar de casamento com familiares. Ele foi baleado na cabeça por quatro homens, que fugiram do local, informou o jornal indiano The Wire.
Steven Butler, coordenador do programa do CPJ na Ásia, em Washington, pediu investigação minuciosa do caso às autoridades indianas para determinar se ele foi morto por seu trabalho e garantir a prisão dos responsáveis pelo crime.
“O governo de Bihar deve tomar medidas para proteger todos os jornalistas que trabalham no estado e buscar justiça para aqueles atacados ou mortos”, disse.
Segundo o jornal The Indian Express, a polícia investiga também a hipótese de o crime ter relação com disputas políticas envolvendo uma candidata a cargo eletivo apoiada por ele.
Índia é um dos países mais letais para jornalistas
A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) avalia a Índia como um dos países mais letais para o trabalho de jornalistas e profissionais da mídia, em especial aos opositores do primeiro-ministro Narendra Modi, líder do Partido Bharatiya Janata (BJP), considerado pela organização a “personificação da direita nacionalista hindu”:
“A violência contra os jornalistas, a mídia politicamente partidária e a concentração da propriedade da mídia demonstram que a liberdade de imprensa está em crise na ‘maior democracia do mundo’.”
A RSF diz que a imprensa indiana era vista como bastante progressista até a chegada de Modi ao poder, em 2014.
Desde então, perseguição a veículos e profissionais da mídia é frequente. O caso mais notório é o da jornalista Rana Ayyub. Crítica do governo, ela enfrenta imenso assédio judicial, constantes ameaças de morte e estupro e chegou a ser perseguida por um carro em Mumbai.
A morte de Subhash Kumar Mahto é a segunda registrada na Índia neste ano. Em fevereiro, o repórter Rohit Biswal morreu após a explosão de um artefato improvisado que estava atrás de um cartaz colocado por rebeldes maoístas no distrito de Kalandhi, em Odisha.
O país registra, em média, de três a quatro jornalistas mortos por causa de seu trabalho a cada ano, de acordo com a RSF.
No ano passado, em crime semelhante ao que vitimou Mahto, o repórter Budhinath Jha, de 22 anos, foi encontrado morto no distrito de Madhubani, em Bihar, após investigar clínicas médicas ilegais na região para uma matéria.
“Os jornalistas estão expostos a todos os tipos de violência física, incluindo violência policial, emboscadas de ativistas políticos e represálias mortais por grupos criminosos ou autoridades locais corruptas”, avalia a ONG internacional.
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América Latina lidera violência contra jornalistas locais
Crimes letais como o do jornalista indiano Subhash Kumar Mahto, que era de um veículo pequeno e regional, têm acontecido com frequência especialmente na América Latina e preocupam entidades internacionais.
A região registra uma crescente escalada de violência contra profissionais de imprensa e é a mais mortal para jornalistas neste ano, posição que durante muito tempo foi ocupada pela Ásia e África.
Com mortes de jornalistas no México (11), Brasil (1), Haiti (3), Honduras (1) e Guatemala (1), a América Latina assumiu a liderança em ataques fatais a profissionais de imprensa em 2022, somando ao menos 17 vítimas – mais da metade do total registrado no mundo no primeiro trimestre.
Parte das vítimas latino-americanas investigavam crimes relacionados a gangues ou casos de corrupção envolvendo autoridades públicas.
O crime desse tipo mais recente foi registrado no México, no dia 9 de maio. Yessenia Mollinedo Falconi e Sheila Johana García Olivera, respectivamente diretora e repórter do site de notícias El Veraz em Cosoleacaque, morreram ao serem baleadas do lado de fora de uma loja de conveniência.
Jornalistas mexicanos receberam a notícia enquanto se preparavam para uma manifestação na capital do país contra o assassinato do colega Luis Enrique Ramírez Ramos, assassinado quatro dias antes.
A cidade de Cosoleacaque fica próxima a uma importante rota de migrantes comandada pelo crime organizado no sudeste de Veracruz, de acordo com informações da agência Associated Press (AP).
Apesar da suspeita de envolvimento de quadrilhas do narcotráfico na morte das jornalistas, não houve indicação imediata de quem poderia ter sido o responsável pelos crimes.
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