O desaparecimento do repórter britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira na Amazônia, que completa hoje cinco dias, é um exemplo dos riscos do jornalismo ambiental no mundo – e a América Latina está entre as áreas mais perigosas.
O diretor da organização Repórteres Sem Fronteiras para a região, Emmanuel Colombié, lamentou que profissionais da mídia e ativistas tenham virado “alvos fáceis de poderosos interesses econômicos e políticos contrariados com denúncias de práticas irregulares em locais remotas”.
A organização está entre as que entraram hoje com medida cautelar cobrando respostas sobre o desaparecimento, e continua aguardando audiência solicitada há três dias com com os Ministros da Justiça e Defesa.
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“A cobertura jornalística de conflitos ambientais é cada vez mais perigosa na América Latina, com envolvimento até de agências de aplicação da lei na violência contra os profissionais”, alertou o diretor em entrevista ao MediaTalks.
A floresta amazônica abrange oito países na região, que está entre as duas mais perigosas para o jornalismo ambiental, ao lado da Ásia.
Em grande parte deles, repórteres e ambientalistas que investigam atividades ilegais sofrem ameaças que de tempos em tempos se consumam.
O The Guardian reconheceu os riscos ao afirmar, em editorial nesta semana, que “o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para os defensores do meio ambiente e outros associados às comunidades indígenas”.
O britânico Dom Phillips vive em Salvador e faz reportagens sobre questões ambientais para o The Guardian e vários outros veículos internacionais.
Pereira, um ex-servidor da Funai, relatou em abril ao Ministério Público Federal (MPF) ter sofrido ameaças de pescadores e caçadores ilegais que atuam na região do Vale do Javari, no Amazonas — local em que ele e Phillips foram vistos pela última vez.
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“O meio ambiente é um assunto sensível que causa sérios problemas para os que levantam o véu sobre a poluição ou a degradação do planeta”, afirmou Colombié.
Os riscos do jornalismo ambiental ameaçam profissionais individualmente e também o combate aos efeitos das mudanças climáticas, levando jornalistas a deixarem de cobrir áreas perigosas ou terem medo de se expor diante de grupos criminosos que destroem o meio ambiente.
“Quanto mais pressão e violência os jornalistas ambientais sofrem, mais longe ficamos de soluções para a crise climática”, disse o diretor da RSF.
Índia é o país com mais riscos para jornalismo ambiental
O último levantamento específico de riscos no jornalismo ambiental foi feito pela organização há dois anos, revelando que, entre 2010 e 2020, 20 profissionais da mídia foram mortos por reportagens relacionadas ao tema.
Além disso, de 2016 a 2020 foram documentados 52 ataques graves à prática do jornalismo ambiental, afetando cerca de 100 jornalistas.
Nem países da Europa escapam. O jornalista britânico Morgan Large, que investigava o agronegócio na França, teve ano passado sua residência invadida e saqueada.
“Os ataques podem vir de todas as direções. De grupos criminosos, grandes empresas, do sistema jurídico com processos abusivos e até de governos”, alertou Colombié.
Ele destaca dois casos na Colômbia associados a questões ambientais.
“Na Colômbia, dois jornalistas comunitários, Maria Efigenia Vásquez Astudillo e Abelardo Liz, foram assassinados na última década por expor a grilagem de terras por grandes grupos privados.”
O relatório mostra que América Latina e Ásia são as regiões mais perigosas para o jornalismo ambiental: 66% dos incidentes reportados em todo o mundo no período coberto pelo relatório ocorreram nessas duas regiões.
A Índia é o país de todos os recordes no continente asiático: de jornalistas mortos (4), de agressões violentas (4), e de jornalistas sendo alvo de ameaças e perseguições judiciais (4). A quase totalidade dos casos de abusos no país está ligada à “máfia da areia”.
“Depois da água, a areia é o recurso natural mais precioso, limitado e em maior demanda”, explica a jornalista indiana Sandhya Ravishankar no relatório da RSF.
“Quando jornalistas fazem reportagens sobre uma mercadoria tão preciosa e pressionam as autoridades para que parem a mineração, isso é uma ameaça para muitas indústrias e industriais poderosos, cujo sustento depende da areia como matéria-prima.
Por isso, invariavelmente, há muita violência contra jornalistas que fazem reportagens sobre a extração ilegal do recurso.”
A organização destacou que 9 dos 20 profissionais de jornalismo ambiental assassinados entre 2010 e 2020 morreram de forma extremamente violenta em cinco países: Colômbia (2), México (1), Filipinas (1), Mianmar (1) e Índia (4).
Entre eles, está o correspondente para língua hindi do jornal Kampu Mail, Shubham Mani Tripathi, atingido por seis tiros, três deles na cabeça, em junho de 2020.
Pouco antes de sua morte, o jornalista indiano compartilhou no Facebook seu medo de ser assassinado pela “máfia da areia”, devido às investigações que realizava sobre a mineração ilegal do recurso.
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“O jornalismo ambiental se tornou significativamente mais perigoso do que já foi no passado, disse à RSF o jornalista Peter Schwartzstein, especialista em temas ambientais no Oriente Médio e na África do Norte.
Ele acredita também que essa tendência está “intimamente relacionada a uma conscientização crescente sobre a importância do meio ambiente”.
O aumento da poluição e dos efeitos visíveis do aquecimento global contribuíram para sensibilizar o público e os governos sobre “preocupações que antes eram secundárias” e que costumavam ficar longe da atenção dos meios de comunicação.
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Informação ambiental aos cidadãos
Emmanuel Colombié destacou a importância da imprensa livre para que o público tenha acesso a informações confiáveis sobre as questões ambientais.
“Conhecer os fatos ajuda os cidadãos a agirem”, disse.
O jornalista Andrew McCormick, vice-presidente da iniciativa global Covering Climate Now, apontou em um artigo sobre os seis meses da conferência do clima COP26 a importância de que jornalistas e profissionais da mídia permaneçam vigilante aos avanços de governos contra as mudanças climáticas, porque “os países fizeram pouco progresso ou retrocederam em várias métricas importantes”.
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