Londres – Uma comissão de relatores independentes da ONU emitiu um comunicado conjunto em Genebra pedindo ao governo de Vladmir Putin que pare de restringir o espaço cívico na Rússia, incluindo as liberdades de imprensa, de expressão e o direito de reunião pacífica por parte da sociedade civil.
“Durante os últimos 10 anos, a Rússia está realizando uma repressão sistemática à sociedade civil no país”, diz o comunicado, salientando que o processo se intensificou depois do início da guerra.
Para os relatores, a nova lei de fake news, sancionada por Putin em março, e outras repressões da liberdade de expressão estão sendo usadas para silenciar ativistas, jornalistas e representantes da sociedade civil.
Reprimir sociedade civil viola direitos humanos na Rússia
O apelo, feito na quarta-feira (13), não surtiu efeito. No dia seguinte, o presidente Vladmir Putin assinou um decreto de lei que aumenta o poder do governo sobre a imprensa estrangeira, permitindo fechar escritórios de empresas de mídia e revogar revogar credenciais de jornalistas com base em uma decisão do procurador-geral da Federação Russa.
Ao cobrar do governo o fim das restrições, os relatores salientaram que a liberdade de expressão e de reunião pacífica são direitos humanos.
Eles denunciam a estigmatização de atores da sociedade civil, incluindo defensores de direitos humanos, classificados como “agentes estrangeiros” por receberem algum tipo de financiamento do exterior. Ao serem listados pelo Ministério da Justiça, pessoas ou organizações ficam sujeitas a uma série de regulamentos que dificultam sua atuação.
As ONGs estão sendo alvo de assédio e algumas obrigadas a encerrar as atividades pelas autoridades russas, segundo a ONU.
O grupo afirma que a situação piorou desde a invasão russa à Ucrânia em 24 de fevereiro. Mais de 16 mil pessoas saíram às ruas para protestar contra a agressão na Rússia e muitas foram presas por integrar as manifestações pacíficas, disse a comissão.
Os especialistas da ONU afirmam que a polícia russa usou de força excessiva contra os manifestantes e ativistas de direitos humanos. Houve ainda relatos de humilhação e ameaças.
“Quem tentou ajudar com auxílio jurídico foi impedido de entrar na delegacia ou em tribunais por agentes da lei”, denuncia a comissão.
“Guerra das fake news” afeta jornais e plataformas
Segundo a ONU, mais de 60 casos de crime foram tratados como “guerra de fake news”, e pelo menos sete foram desacreditados e alvos de obstrução.
Emendas no Código Penal possibilitaram criminalizar ações, por causa de uma mudança adotada em 4 de março de 2022, uma semana após o ataque à Ucrânia.
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No comunicado, eles dizem que a maioria dos veículos independentes da Rússia fechou, voluntariamente, para evitar serem processados. Alguns foram encerrados com dezenas de outras emissoras internacionais.
Mais de 20 veículos pararam de operar ou suspenderam o trabalho no país. Dentre eles, o jornal ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Novaya Gazeta, o último canal independente de TV, Dozhad, e a estação de rádio Eco de Moscou.
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Na semana passada houve a primeira condenação com base na lei de fake news.
O deputado Alexei Gorinov foi sentenciado a sete anos de cadeia por ter se manifestado contra o projeto de competições infantis proposto na câmara local de sua comunidade, sob a alegação de que crianças estavam morrendo na Ucrânia e os esforços deveriam ser direcionados para acabar com a guerra.
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O cerceamento à liberdade de expressão atingiu também os cidadãos. Após o início da guerra na Ucrânia, a Rússia bloqueou plataformas digitais e de redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram. A empresa Meta, dona das duas últimas, foi designada uma organização extremista e banida do país.
“Muitas outras empresas incluindo o setor de tecnologia internacional estão se retirando do mercado por causa de riscos a sua reputação, destacou o comitê.
Por isso, muitos ativistas e defensores de direitos humanos ficam sem acesso à informação e a uma estrutura de comunicação vital para o trabalho deles.
Muitos defensores fugiram do país temendo pela sua segurança e os que decidiram ficar estão sob enorme pressão.”
Lei do agente estrangeiro, instrumento para reprimir sociedade civil
Em 8 de abril de 2022, o Ministério da Justiça da Rússia confirmou ter revogado o registro de 15 subdivisões de organizações estrangeiras da sociedade civil na Rússia, sem dar mais detalhes.
Para os relatores da ONU, a falta de transparência é “profundamente preocupante.” No fim de junho, a Duma, a câmara baixa do Parlamento aprovou uma lei que facilita que autoridades atribuam uma designação como “agentes estrangeiros” a entidades.
Desde 2012, este termo era usado apenas para classificar empresas ou pessoas em atividades políticas financiadas com dinheiro fora do país.
No comunicado assinado por 12 relatores especiais, incluindo a relatora especial sobre o direito da liberdade de opinião e expressão, a advogada especializada em direitos humanos Irene Khan, de Bangladesh, o grupo pede à Rússia que se abstenha de restringir os direitos cívicos no país.
Os especialistas disseram que continuarão em diálogo com o governo para manifestar sua preocupação com a situação da liberdade na Rússia.
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