Ameaçado de morte, o jornalista mexicano Rodolfo Fontes tomou uma atitude drástica para evitar o mesmo destino de outros colegas assasinados no país: apelou por segurança diretamente ao presidente, Andrés Manuel López Obrador, durante a entrevista coletiva diária do líder do país à imprensa.

Em um discurso comovente, ele aproveitou o momento final da sessão, transmitida ao vivo pelo YouTube, para falar das ameaças e denunciar que a escolta foi retirada pelo governo. O protesto foi notícia pelo mundo. 

O México se consolidou com um dos países mais mortais para jornalistas nos últimos anos. Em 2022 já foram contabilizados 12 assassinatos, resultando em mais perdas de profissionais de imprensa do que na guerra da Ucrânia. 

Filha do jornalista ameaçado de morte deixou país 

Rodolfo Montes, jornalista freelancer que não tem a proteção de grandes organizações de mídia, disse ter recebido em sua casa no dia 8 de julho uma ligação supostamente de um integrante do crime organizado, ameaçando-o  de morte. 

Entre lágrimas, o repórter informou que as ameaças teriam partido do cartel Jalisco Nueva Generación, mas disse suspeitar que um funcionário público possa estar envolvido.

Por isso, assegurou que ratificará sua denúncia perante a Promotoria Especializada de Atendimento aos Crimes Cometidos contra a Liberdade de Expressão (Feadle) e apresentará provas contra o funcionário.

Emocionado, ele revelou que sua filha deixara o México naquela madrugada. 

Montes confirmou que recebeu ajuda do Mecanismo de Proteção a Defensores de Direitos Humanos e Jornalistas para fugir de Quintana Roo, onde morava. Mas a proteção não foi mantida. 

“Estou fazendo meu trabalho jornalístico, sou jornalista freelancer, sou independente, não obedeço a nenhum outro interesse além do jornalismo, estou fazendo meu trabalho, estou denunciando corrupção”, disse. 

A situação dele é semelhante à de vários outros jornalistas ameaçados de morte e assassinados no México, que trabalhavam em pequenos veículos regionais ou em canais independentes como blogs e páginas de notícias comunitárias no Facebook.

Em resposta à reclamação, Andrés Manuel López Obrador disse ao jornalista que ele seria atendido naquele exato momento pela Secretária de Segurança e Proteção ao Cidadão, Rosa Icela Rodríguez Velázquez.

O presidente disse que não haverá impunidade e que não há cumplicidade do governo. E declarou apoio ao jornalista ameaçado, afirmando que “ele não está sozinho”. 

Jornalista assassinada também pediu ajuda 

Montes não é o primeiro profissional de mídia mexicano a pedir ajuda ao presidente diretamente.

Em 2019, a jornalista Lourdes Maldonado havia feito o mesmo, denunciando ameaças durante uma coletiva, e conseguiu proteção policial. 

No entanto, semanas depois de vencer um processo trabalhista contra uma emissora de TV de propriedade de um político da região de Tijuana, ela foi alvejada com tiros no rosto diante de sua casa, em janeiro de 2022. 

Para a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) “este precedente, em que outra repórter expôs sua situação ao presidente da nação em rede nacional, demonstra o nível de desproteção em que se encontram os trabalhadores da imprensa e a urgência com que as ameaças devem ser enfrentadas”. 

A entidade cobrou novamente ação do Estado.

“O número de jornalistas mortos ou desaparecidos, as ameaças e ataques e o alarmante índice de impunidade fazem do México um dos países mais perigosos do mundo para o trabalho jornalístico sem estar em conflito bélico.

Somente com a intervenção ativa do Estado e da Justiça, em conjunto com as organizações sindicais e sociais, essa situação pode ser revertida.”

Em junho, Antonio de la Cruz tornou-se o 12º jornalista morto até agora este ano no México. Ele foi atacado diante de casa em Tamaulipas, no norte do México. A filha de 23 anos Cinthya também foi atingida e morreu dias depois. 

México: jornalistas ameaçados e fúria contra imprensa

 

O Ranking Global de Liberdade de Imprensa da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF) listou o México este ano na 127ª posição entre 180 países avaliados. 

Na análise sobre a situação do país, a organização destaca os jornalistas ameaçados de morte ou assassinados e também o discurso agressivo do presidente Lopéz Obrador contra a imprensa quando há crítica ao seu governo ou a membros de sua família.

Entre os insultos frequentes estão a acusação de que a mídia defende grupos com interesses e que jornalistas são “mercenários”.

No plano internacional, López Obrador ganhou atenção em junho ao voltar a defender a libertação do fundador do Wikileaks, Julian Assange, que pode ser extraditado do Reino Unido para os EUA a qualquer momento.

Assange responde a processos movidos pelo Departamento de Estado americano por ter vazado documentos confidenciais das guerras do Iraque e Afeganistão. 

O presidente mexicano já tinha oferecido cidadania a Assange algumas vezes no passado. Desta vez, defendeu a derrubada da Estátua da Liberdade caso Assange seja condenado e morra na prisão dos EUA. 

Mas nos EUA o líder mexicano não é visto como um defensor da liberdade de expressão ou de imprensa. 

Congressistas aproveitaram a visita feita por ele ao presidente Joe Biden na semana passada para emitir uma nota condenando a situação de liberdade de imprensa e os assassinatos de jornalistas no país. 

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