Londres – Futuro rei da Inglaterra, o príncipe Charles voltou às manchetes neste fim de semana por mais uma crise de imagem envolvendo doações à sua fundação beneficente.

Desta vez o motivo é a identidade dos doadores: a Prince of Wales’ Charitable Fund (PWCF) aceitou uma doação de £ 1 milhão (R$ 6,2 milhões) da família de Osama bin Laden, fundador da organização terrorista Al Qaeda.  

A revelação foi feita pelo jornal britânico The Times neste domingo. O mesmo jornal havia revelado outras operações da fundação que causaram constrangimento, como o recebimento de 3 milhões de euros em dinheiro vivo de um bilionário árabe, e um esquema de troca de doações por comendas reais. 

Imagem do príncipe Charles abalada por crises sucessivas

Não há sugestão de ilegalidade nas doações, embora o jornal ressalte que elas não foram divulgadas e nem aparecem em documentos públicos da fundação, pois as instituições britânicas não são obrigadas a identificar apoiadores. 

Mas o terceiro episódio em menos de um ano expondo ligações de Charles com figuras políticas ou empresariais de países conhecidos pelo desrespeito aos direitos humanos – e nesse caso, com nome associado ao terrorista responsável por ataques que mataram milhares de pessoas –  representa um abalo em sua imagem pública.

Segundo o instituto de pesquisas YouGov, o sucessor da rainha Elizabeth II ocupa apenas o 7º lugar entre as pessoas mais admiradas entre os integrantes da monarquia britânica, admirado por 42% dos súditos, enquanto 24% dizem não gostar dele. 

As revelações sobre doações são percebidas como uma falha de capacidade de julgamento do príncipe Charles, fazendo com que a realeza tenha que se explicar e ver um de seus mais importantes membros ter suas ações colocadas sob escrutínio. 

Embora o “lema” da monarquia ao reagir a notícias negativas seja “não reclame, não explique”, situações como essas exigem um posicionamento público. 

Príncipe Charles teria se encontrado com doadores 

Os irmãos Bakr e Shafic bin Laden comandam os negócios de uma das famílias mais ricas da Arábia Saudita. Eles são meio-irmãos de Osama bin Laden por parte do pai, Mohammed bin Awad bin Laden, já falecido. 

A família sempre condenou publicamente os atos do fundador da Al Qaeda e nunca houve suspeitas de que o ajudasse de alguma forma.

Mas o nome Bin Laden é uma marca tóxica, e esta pode ter sido a razão de a Prince’s Foundation não ter anunciado o apoio vultoso, como costuma fazer sempre que recebe grandes doações. 

De acordo com o The Sunday Times, Charles teria tratado da doação pessoalmente, em um encontro com o meio-irmão do fundador da Al Qaeda, Bakr Bin Laden em sua residência oficial, a Clarence House, no dia 30 de outubro de 2013.

O encontro ocorreu dois anos depois de Osama ter sido assassinado por tropas americanas no Paquistão.

A assessoria de comunicação da Clarence House negou ao The Times que ele estivesse pessoalmente envolvido. 

Mas o jornal garante que Charles não apenas sabia, como teria sido aconselhado por assessores a não aceitar a doação ou a devolver o dinheiro. 

Segundo a reportagem, um deles disse que causaria “indignação nacional se a notícia vazasse para a mídia”, o que demorou, mas acabou acontecendo. 

Outro teria dito ao príncipe que ele sofreria sérios danos à reputação se seu nome aparecesse associado ao do terrorista, responsável pelo assassinato de 67 britânicos ao lado de milhares de americanos em 11 de setembro. Foi um conselho sábio. 

A assessoria do príncipe Charles tentou contornar a crise afirmando que não teria havido aconselhamento para que a doação fosse recusada ou devolvida.

E garantiu que a decisão teria sido tomada exclusivamente pelos curadores da fundação, que aprovaram sozinhos a operação.

“A devida diligência foi conduzida, com informações solicitadas de uma ampla gama de fontes, incluindo o governo. A decisão de aceitar a doação foi tomada inteiramente pelos curadores. Qualquer tentativa de sugerir o contrário é enganosa e imprecisa”, disse a Clarence House. 

Fundação do príncipe Charles é usina de crises 

A Prince of Wales’ Charitable Fund foi fundada em 1979 e apoia financeiramente organizações sem fins lucrativos registradas no Reino Unido para desenvolver  projetos no país e no exterior.  

O Sunday Times vem investigando as atividades da fundação e fazendo revelações que viram novas crises para o príncipe Charles e a monarquia. 

 A última tinha sido em janeiro passado.

O jornal tornou público que o príncipe Charles havia recebido pessoalmente um total de 3 milhões de euros dentro de uma mala e de sacolas de compras da Fortnum & Mason, uma loja de gastronomia de luxo credenciada para fornecer seus produtos à família real.

O doador era o sheik Hamad bin Jassim bin Jaber Al Thani, um dos homens mais ricos do mundo. 

Embora a assessoria da Clarence House tenha afirmado que todos os processos legais foram seguidos, com a doação depositada imediatamente em bancos, o volume de dinheiro vivo despertou comentários negativos, pois são operações típicas de lavagem de dinheiro ou de quem não quer aparecer. 

A crise foi tamanha que a fundação do Príncipe Charles disse que não mais aceitaria doações em espécie. 

No início de julho, a Charity Comission, órgão regulador de fundações beneficentes do Reino Unido, anunciou que não faria uma investigação formal, e que “não tem preocupações” sobre a governança da instituição de caridade do príncipe, a partir da análise de um relatório enviado pela própria PWCF. 

Uma outra reportagem no The Times publicada junto com a história da doação dos Bin Laden explica os links reais da Charity Comission, atualmente dirigida por Orlando Fraser, e coloca em questão a sua independência. 

Frase e a mulher são figuras da elite britânica e têm laços próximos com setores mais conservadores, que apoiam a manutenção do regime atual e o nome de  Charles como sucessor da rainha Elizabeth. 

 “Ao longo das décadas, [a Charity Commission] não tem sido realmente um regulador eficaz”, disse ao jornal Stephen Bubb, diretor do think tank Charity Futures e ex-chefe da Associação de Executivos de Organizações Voluntárias. 

Bubb acha que a independência da comissão foi comprometida pelo fato de o presidente e os membros do conselho serem nomeados pelo secretário de cultura, enquanto seu orçamento anual de £ 30 milhões vem diretamente do Tesouro do país. 

Já a outra crise do príncipe Charles pode dar mais dor de cabeça.

Em setembro, o jornal revelou que seu assessor mais próximo teria comandado a ajuda a um magnata saudita para conseguir uma condecoração real e a cidadania britânica em troca de doações para obras sociais.

O grupo anti-monarquista Republic denunciou Charles e Michael Fawcett, seu braço-direto há anos, à Scotland Yard, a polícia metropolitana de Londres. Fawcett deixou o cargo, mas uma investigação está em curso.