Londres – Os festejos pelo Jubileu de Platina da rainha Elizabeth, realizados durante um feriadão de quatro dias no início de junho, pareciam ter unido o país em torno da monarquia de contos de fadas – mas a lua-de-mel durou pouco, com escândalos fresquinhos esta semana que mudaram o tom adocicado da cobertura da imprensa e das conversas nas redes sociais. 

Três dos novos episódios envolvem personagens que já fazem parte do passivo de reputação da monarquia: o príncipe Charles, associado diretamente ao recebimento de doações em dinheiro vivo para a sua fundação e a um empreendimento imobiliário controvertido, e Meghan Markle, que voltou às manchetes pelo engavetamento de uma investigação sobre suposto bullying a funcionários do Palácio de Buckingham.

O quarto tem potencial mais explosivo. A divulgação do montante de dinheiro público destinado à realeza foi alvo de críticas generalizadas e deu mais munição aos grupos que defendem o fim da monarquia sob o argumento de custos altos para o país. 

Recorde de gastos da monarquia, o escândalo principal

Na tarde de quinta-feira (30), dia em que a notícia sobre o orçamento repercutiu, um dos trending topics no Twitter era #AbolishTheMonarchy. As cifras justificam a irritação popular. 

Embora a família real tenha sua própria fortuna, que não é pequena, a legislação ancestral britânica estabelece o chamado Sovereign Grant, um fundo anual originário do orçamento público do país – leia-se, dinheiro do contribuinte – para “apoiar os deveres oficiais da rainha e manter as propriedades reais”. 

O Sovereign Grant Report, divulgado na quinta-feira, revelou que família real custou aos contribuintes £ 102,4 milhões (R$ 654 milhões) no ano passado.

Os gastos são divulgados anualmente e costumam ser altos. Só que ultrapassaram £ 100 milhões de libras pela primeira vez, um aumento de 17% em relação ao período anterior. 

E o momento foi desfavorável, pois o país vive uma crise de elevação do custo de vida, assombrando famílias com dificuldades de comprar comida e pagar a conta de energia.  

As comparações entre a realeza e os súditos foram inevitáveis – de reclamações a memes ironizando o aumento de salário da rainha enquanto os súditos veem suas contas bancárias encolherem. Ela ganhou um bônus de £ 30 milhões (R$ 191 milhões)  para os próximos dois anos a fim de compensar perdas inflacionárias, determinado por lei.

Nem precisaria, porque de acordo com a revista Forbes, Elizabeth II tem um patrimônio líquido pessoal estimado de cerca de £ 380 milhões (R$ 2,4 bilhões).

Contabilizando-se o patrimônio de todos os integrantes da  família real individualmente e da monarquia, o valor sobre para £ 67,5 bilhões (R$ 435 bilhões), segundo cálculo da consultoria Brand Finance feito em 2017. Somente os ativos tangíveis – que incluem as terras da Coroa, os ducados de Lancaster e da Cornualha e a coleção real (obras de arte e jóias) representam £ 25,5 bilhões (R$ 164 bilhões) desse total.

O grupo Republic, o mais organizado na defesa do fim da monarquia, intensificou a campanha contra os valores pagos pelo contribuinte para manter a realeza. Desde a divulgação do relatório, inundou suas contas de mídias sociais com postagens explorando os vários ângulos do que o documento revela. 

Um dos motivos para o aumento dos gastos foi a reforma milionária do Palácio de Buckingham, que consumiu em 2021 um total de £ 63,9 milhões (R$ 408 milhões), em parte preparando o local para as celebrações do Jubileu de Platina que na verdade foram realizados na área externa. Nenhum súdito entrou no Palácio, e nenhuma festividade oficial foi realizada lá dentro. 

Os salários da equipe que cuida da realeza e subsídios para os membros que trabalham totalizaram £ 23,7 milhões (R$ 153 milhões) , fazendo jus ao apelido de “Firma” da monarquia britânica. 

Outra linha do orçamento que subiu foi a de viagens da realeza pelo país e pelo mundo. No primeiro ano da pandemia os gastos tinham recuado. Mas em 2021 as viagens foram retomadas. E os custos dispararam de £ 1,3 milhão (R$ 8,3 milhões) para £ 4,5 milhões (R$ 28 milhões).

Os defensores da monarquia argumentam que essas viagens são de representação do Reino Unido e ajudam a fortalecer a imagem e o chamado soft power do país – a influência sobre outras nações sem uso de armas. 

As visitas recentes priorizaram nações que ameaçam se tornar independentes, sobretudo no Caribe. Entretanto, a magia da família real parece não ser mais a mesma nesses locais , muitos rumando para deixar de ter um monarca inglês como chefe de estado após a morte de Elizabeth II, como já fez Barbados ainda com ela viva. 

A desastrada  viagem do príncipe William e Kate a Belize, Jamaica e Bahamas custou £ 226 mil (R$ 1,4 milhão) em voos e acomodação para o casal e o séquito de assessores.

No entanto eles tiveram que cancelar compromissos por reação de comunidades locais e foram confrontados com a herança colonialista do país, gerando publicidade negativa para a ideia de união da Commonwealth, a comunidade britânica das nações. 

Herdeiro da monarquia criticado por viagens e doações e transação imobiliária

As viagens do príncipe Charles também foram criticadas no relatório, mas não apenas pelo custo. Ambientalista, ele foi exposto por usar poluentes helicópteros para se deslocar entre as residências reais e compromissos oficiais, a um custo médio de £ 15 mil  (R$ 95 mil) por viagem.

Viagens para compromissos menos formais também entraram na linha de tiro, como uma para a pré-estreia do novo filme de James Bond. A sessão de cinema de pai e filho com suas esposas elegantemente trajadas desfilando no tapete vermelho custou ao contribuinte £ 32 mil (R$ 204 mil).

No entanto, esse foi o menor dos problemas para Charles esta semana. O futuro rei da Inglaterra teve sua “capacidade de julgamento” questionada após uma reportagem do jornal The Times revelando que ele recebeu pessoalmente 3 milhões de euros em dinheiro vivo de um ex-primeiro-ministro  do Catar, na residência real. 

Não há sugestão de ilegalidade. O dinheiro foi transferido para a conta de uma das fundações que cuida de obras sociais patrocinadas por Charles.

Mas a natureza oculta da doação, feita em malas e em bolsas de uma loja chique de produtos alimentícios, em reuniões não registradas na agenda oficial, deixou Charles em posição vulnerável perante a opinião pública. 

Até porque não é a única. Ano passado ele teve que abrir mão de seu braço-direito na Prince’s Foundation depois de uma acusação de troca de doações por comendas reais. O caso está sendo investigado pela Scotland Yard e pode dar ainda mais dor de cabeça ao futuro rei. 

Mesmo sustentando que a operação em dinheiro vivo foi validada pelos auditores na época, a fundação anunciou dois dias depois que não mais aceitaria doações em espécie, geralmente associadas a lavagem de dinheiro. 

Dias depois surgiu outro escândalo envolvendo o herdeiro do trono da monarquia, desta vez sobre uma investigação aberta pelo órgão de controle de fundações da Escócia.

A empresa, Havisham Properties está sendo examinada pela compra de 11 propriedades no empreendimento Knockroon, originalmente parte de uma área adquirida pelo príncipe Charles quando ele comprou uma mansão próxima, Dumfries House.

As casas, que se acredita terem sido compradas entre 2012 e 2017 por 1,7 milhão de libras, deveriam ter se transformado em uma ecovila. Segundo o jornal The Times, o príncipe Charles concedeu comendas reais ao dono da Havisham Properties, Lord Brownlow, depois de aceitar milhões de libras em doações dele.

 O escândalo Meghan, ovelha-negra da monarquia britânica

No meio disso tudo, um escândalo envolvendo Meghan Markle nem receberia tanta atenção. Mas a decisão da monarquia de engavetar os resultados de uma investigação a respeito da conduta da mulher do príncipe Harry foi objeto de críticas e de especulações. 

A história começou em 2021, após a explosiva entrevista de Harry e Meghan à apresentadora americana Oprah Winfrey. Funcionários denunciaram que ela teria maltratado integrantes da equipe do Palácio de Buckingham antes de o casal romper com a família e se mudar para o Canadá, e depois para a Califórnia, onde vivem hoje. 

O Palácio contratou uma auditoria independente para apurar as denúncias. Na época, havia a expectativa de que os resultados seriam anunciados. Na quinta-feira, veio a surpresa.

Assessores da monarquia informaram à imprensa que mudanças nas políticas e procedimentos do departamento de RH da casa real estavam sendo feitas a partir dos resultados da investigação, mas não seriam divulgadas. 

As especulações tomaram conta das conversas, com toques de teorias conspiratórias. De um lado, pessoas ligadas aos Sussex sugerem que a decisão de manter o sigilo é suspeita, com rumores até de que na verdade a doce Kate Middleton é que seria a assediadora. E que o sigilo seria para preservá-la.  

Outros afirmam categoricamente nas redes sociais que o motivo do segredo foi evitar um ataque à Meghan, que poderia ser revidado pelo casal e arranharia ainda mais a imagem da família real, depois de uma passagem discreta do Sussex por Londres para os festejos do Jubileu, livre de escândalos. 

Até figuras da mídia especializada em cobrir a realeza e que tendem a ser simpáticas a tudo que se refere a ela manifestaram estranheza. Em entrevista ao jornal The Guardian, o editor da revista Majesty disse: 

“Eles poderiam ter dito mais sem entrar em detalhes. Acho que essa relutância total em dar qualquer detalhe é o que tem provocado manchetes desconfortáveis ​​nas primeiras páginas.”

Ofensiva de charme da rainha Elizabeth para tentar amenizar escândalos 

Enquanto isso, a monarquia fica oficialmente distante dos escândalos noticiados pela imprensa e comentados nas redes sociais, como se nada estivesse acontecendo. 

O padrão da comunicação do Palácio de Buckingham é resumido em uma expressão de quatro palavras: “nunca reclame, nunca explique”. Seguindo a cartilha, ninguém reclamou da cobertura negativa da mídia esta semana ou bateu boca nas redes sociais defendendo o uso do dinheiro público. 

Mas há alguns sinais de reação para amenizar o impacto da má publicidade. A rainha saiu do semi-isolamento que vem mantendo no Palácio de Windsor sob a justificativa de problemas de mobilidade e foi até a distante Escócia participar de cerimônias oficiais de abertura do trabalhos do parlamento.

No discurso de abertura, a primeira-ministra do país, Nicola Sturgeon, anunciou a intenção de realizar um novo plebiscito em 2023 para decidir se os escoceses continuarão fazendo parte do Reino Unido, contra a vontade de Londres. 

Isso não significa necessariamente deixar de ter a rainha como chefe de estado. Países que foram colônias britânica, como Canadá e Austrália, não fazem parte do reino mas continuam com Elizabeth II no posto, que é mais simbólico do que prático. 

Sturgeon e a rainha tiveram pelo menos um encontro privado. O partido da premiê, o  SNP disse que quer que a rainha permaneça como chefe de Estado se a Escócia se tornar independente.

Essas viagens e participações da rainha em cerimônias oficiais e militares são chamadas de “ofensiva de charme”, procurando neutralizar os escândalos com imagens positivas de uma figura que apesar de tudo, ainda conserva altos índices de popularidade entre os britânicos. 

A grande questão é se a popularidade dela será transferida para a família depois da morte. E se em vida ela será capaz de reverter episódios como as críticas pelo montante de  dinheiro do contribuinte repassado à monarquia e a forma como as verbas são usadas. 

Vai precisar muito charme, porque as pesquisas mostram uma queda consistente no apoio da população. 

Segundo o Instituto YouGov, que monitora regularmente a popularidade da monarquia, seis em cada 10 britânicos acham que o país deve continuar com o regime, enquanto 22% preferem um chefe de estado eleito. 

Ainda é muito, mas o suporte caiu 13 pontos percentuais em uma década. E declinou de forma mais acentuada entre os mais jovens.

Os súditos entre 18 e 24 anos estão divididos: 33% acham que a monarquia deve continuar, e 31% preferem eleger o líder. A diferença de opinião vai mudando à medida em que a idade dos entrevistados avança. 

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Gostando ou não da realeza, os britânicos mudaram de opinião quanto ao futuro do regime. Em 2011 o YouGov começou a perguntar aos britânicos se achavam se a monarquia ainda estaria em vigor em 100 anos. Na época, 75%  dos entrevistados achavam que sim. Hoje eles somam 39%. 

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