Londres – Preso na penitenciária de Belmarsh, em Londres, enquanto aguarda o desfecho da saga jurídica em que se transformou a tentativa dos EUA de condená-lo por crimes de espionagem, Julian Assange tem um exército de apoiadores empenhados em sua defesa nos tribunais e fora deles.
O caso do fundador do site Wikileaks mobiliza entidades de defesa da liberdade de imprensa, de expressão e de direitos humanos, anônimos e famosos.
Pelo Wikileaks, Julian Assange tornou públicos documentos confidenciais sobre a atuação dos EUA nas guerras do Afeganistão e do Iraque, em 2009. Ele responde a 17 acusações sob a Lei de Espionagem e uma sob a Lei de Fraude e Abuso de Computador, podendo ser condenado a até 175 anos de cadeia.
Os argumentos da defesa de Assange
Desde o início do processo, a defesa jurídica e as manifestações de apoio a Julian Assange fundamentam suas posições em três argumentos principais: o interesse público das informações que ele divulgou – com a punição representando violação da liberdade de imprensa -, riscos à sua saúde mental e de suicídio se for levado para uma prisão de segurança máxima nos EUA e o fato de que país tinha um plano para matá-lo quando ele estava na embaixada equatoriana, segundo reportagem do Yahoo.
No dia 26 de agosto, a defesa apresentou uma apelação ao Tribunal Administrativo da Supremo Tribunal de Justiça concentra os argumentos em motivação política, depois que a tese de risco para a saúde não foi aceita nas várias instâncias do julgamento.
‘Jornalismo não é crime’
Julian Assange se autodenomina jornalista, embora o Wikileaks não seja um veículo de imprensa tradicional, com publicação regular de notícias.
Ele próprio não trabalhou na imprensa – tem formação de programação de computadores.
No entanto, o mundo do jornalismo – de entidades a grandes jornais – entende que uma punição aos seus atos ameaça a liberdade de imprensa.
E que ele deveria ser protegido pela Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que garante explicitamente a liberdade de imprensa.
O slogan “jornalismo não é crime” foi adotado pelos que defendem Assange nas ruas e nas redes sociais.
Assim que as acusações foram divulgadas, o jornal New York Times escreveu em um editorial:
“As novas acusações se concentram em receber e publicar material classificado de uma fonte do governo. Isso é algo que os jornalistas fazem o tempo todo.
É para isso que a Primeira Emenda foi projetada: para proteger a capacidade da imprensa de levar ao público a verdade.”
Em abril deste ano, as principais entidades de liberdade de imprensa no mundo assinaram uma carta conjunta dirigida à secretária nacional do Interior do Reino Unido, Priti Patel, pedindo para que o fundador do Wikileaks não seja extraditado, ema que dizem:
“A acusação abre um precedente perigoso que poderia ser aplicado a qualquer meio de comunicação que publicasse histórias baseadas em informações vazadas, ou mesmo a qualquer jornalista, editor ou fonte em qualquer lugar do mundo.”
Riscos para a saúde mental e possibilidade de suicídio
O risco de suicídio de Julian Assange foi a base para a decisão da juíza distrital Vanessa Baraister, em janeiro de 2021, que aceitou o argumento da defesa baseado em laudos médicos.
Leia também | Tribunal britânico decide não extraditar Julian Assange
O professor de neuropsiquiatria Michael Kopelman disse na audiência original de extradição, em setembro de 2020, que havia um “risco muito alto de suicídio” e que, em sua opinião, “é a iminência da extradição ou uma extradição real que desencadeará a tentativa”.
Em seguida, os advogados do Departamento de Estado americano apresentaram à corte uma série de garantias com o objetivo de atenuar o suposto risco de suicídio.
Entre elas estavam a de que ele não seria colocado na rigorosa prisão de segurança máxima Supermax ADX, e não seria submetido às Medidas Administrativas Especiais (SAMs) .
Mas as garantias incluíam ressalvas. O país reservou-se o direito de usar essas medidas se o Departamento de Estado entender que Assange “fez algo subsequente à oferta dessas garantias que atenda aos requisitos para a imposição de SAMs ou designação para ADX.”
Um dos advogados de Assange, Edward Fitzgerald, disse na época que as “garantias qualificadas e condicionais” foram apresentadas “tarde demais para serem devidamente testadas” e “não prejudicam as principais conclusões” da juíza distrital que aplicou a lei “estrita e inteiramente de forma adequada”.
Em nova audiência em outubro do ano passado, o advogado sustentou que a juíza Vanessa Baraister produziu em janeiro um “julgamento cuidadosamente considerado e totalmente fundamentado”, acrescentando que estava “claro” que ela “aplicou corretamente o teste de opressão em casos de transtorno mental”.
E disse ao tribunal: “É perfeitamente razoável considerar opressor extraditar uma pessoa com transtorno mental porque sua extradição pode resultar em sua morte”, acrescentando que um tribunal deve ser capaz de usar seu poder para “proteger as pessoas da extradição para um estado estrangeiro onde não temos controle sobre o que será feito a eles ”.
A defesa, e particularmente a mulher de Julian Assange, Stella, discordam. Ela vem reiterando a deterioração do estado emocional dele e a possibilidade de que venha a tirar a própria vida diante do risco real de passar o resto da vida na cadeia, em isolamento.
Mas não adiantou, pois em dezembro a Suprema Corte autorizou a extradição.
Leia também | Depois de nova derrota judicial, extradição de Assange para os EUA está agora nas mãos do governo britânico
Defesa aponta plano para matar Assange
Outro fundamento da defesa de Julian Assange é baseado em revelações feitas pelo site de notícias Yahoo em setembro de 2021 a respeito de planos dos EUA para sequestrar e matar o fundador do Wikileaks em 2007.
Na época, Assange entrava em seu quinto ano asilado na embaixada do Equador em Londres, e, segundo o Yahoo, funcionários do governo Trump debatiam a legalidade e a viabilidade de uma operação para retirar o ativista do local, segundo a apuração.
Altos funcionários da CIA e da administração Trump teriam solicitado “esboços” de como assassiná-lo.
As discussões sobre o sequestro e possível assassinato de Assange ocorreram “nos escalões mais altos” do governo Trump, disse um ex-oficial da contra-espionagem ao Yahoo.
Leia também | CIA avaliou sequestrar Julian Assange de embaixada em Londres e matá-lo, afirma reportagem
A então companheira e atual mulher de Julian Assange, Stella, com ele teve dois filhos enquanto estava asilado na representação diplomática equatoriana, foi a público expressar preocupação com o destino do ativista.
Em um vídeo nas redes sociais, ela disse que sempre que visitava o fundador do Wikileaks percebia um “ambiente de perigo”, e que podia sentir as ameaças.
Segundo Moris, que é advogada, funcionários da embaixada teriam recebido emails orientando onde colocar microfones, como envenená-lo e como retirá-lo à força de lá.
Stella Morris, the partner of Julian Assange, tells me what it was like in the Ecuadorian embassy while discussions of kidnapping and assassinating him were taking place at "the highest levels of the Trump administration" pic.twitter.com/JoZsX5tAKp
— Lowkey (@Lowkey0nline) September 27, 2021
Motivação política e tratado de extradição
Segundo o comunicado de imprensa do WikiLeaks, a apelação apresentada no dia 25 de agosto em face do governo dos EUA e da Secretária Nacional do Interior britânica, Priti Patel, sustenta que Julian Assange está sendo processado e punido por suas opiniões políticas, e que sua expressão é protegida por lei.
Dessa forma, o pedido americano violaria o Tratado de Extradição EUA-Reino Unido e a lei internacional porque se trata de um suposto crime político, e crimes políticos não podem ser usados como justificativa para extradição.
Leia também | Defesa de Assange faz última tentativa para evitar extradição com apelação alegando ‘motivos políticos’
A decisão sobre a extradição de Julian Assange está nas mãos do governo britânico, que vive um período de transição.
O primeiro-ministro Boris Johnson, que renunciou em julho, será substituído em outubro.
Não há sinais de que uma decisão sobre a extradição vá ser tomada antes ou depois da posse do novo chefe de governo.
Mas a mobilização de seus defensores continua, com pressão sobre os governos que podem mudar o curso da história, incluindo o da Austrália, onde Assange nasceu.
Leia também | Análise | O caso Assange na reta final − e o que ele representa para o jornalismo livre